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6 Resultados

6.1 Categorização das entrevistas e do desenho-estória

6.1.2 Modelos familiares e sociais

Nesta categoria se agrupam as avaliações que as participantes realizaram sobre as influencias da família e da sociedade nos relacionamentos íntimos amorosos com os homens. Inclui as subcategorias família e sociedade que se apresentam no quadro 2.

Quadro 2: Modelos familiares e sociais.

Família Sociedade

Intimidade, proximidade e afastamento da própria família.

Pais e familiares como modelos. Relacionamento do casal com a família própria e a família do parceiro. Relacionamento amoroso dos pais. Expectativas da família sobre o relacionamento.

Participar de atividades sociais e partilhar com os amigos. Relacionamento assumido socialmente como namoro.

“Ficar” como uma banalização da relação, do corpo e do sexo. Morar em república para conhecer pessoas, participar de festas e viver a experiência de ficar com alguém. As pessoas não querem um relacionamento sério. Elas se machucam e se defendem, evitando se envolver. Existem entre elas competições de egos e inseguranças.

6.1.2.1 Família

Nesta subcategoria encontram-se os relatos das participantes que tratam das percepções que elas têm sobre as relações com a família e a influencia desta nas relações amorosas.

Primavera: não vou perder minha família [...] [é] a distância [...] física [...] ela estaria pressente na minha relação [...] tenho uma intimidade muito grande com minha família [...] A condição

fez com que a gente se distanciasse fisicamente, mas mentalmente, a gente está junto. Lefey: tenho um exemplo na minha casa [...] minha mãe, apesar do meu pai ser meio autoritário, mal

humorado e muito sério [...] minha mãe é um poço de amor assim, com o universo.

Ale: tinha essa frustração de não [...] namorar [...] primas, todas namorando, casando, tendo filhos. Pollyana: bom relacionamento, tanto ele com a minha família, como eu com a família dele [...]

conviver com a família deles [...] eles convivam com a minha [...] a mãe dele me chamou de filha [...] não é sogra [...] [mas] amiga. Então, eu até brincava, que a gente namorava por ela, era por a mãe dele. E, assim, ele era, foi criado muito pela avó, pela mãe [...] E, como eu morava só, minha família morava [...] no interior [...] [outro namorado] minha mãe [...] não gostava, eu namorava meio que sem minha família querer [...] decidi acabar.

Taty: [As feridas] vieram dos meus pais. Meu pai traiu minha mãe e eu quem peguei.

Desenho 5, O ver (Anexo I): [muitos] colocam no parceiro as experiências acontecidas com os

pais ou enxergam neles o pai ou a mãe, jogando no parceiro uma carência que não é deles. Alfa: não vai poder separar o seu namorado da família dele ou querer ficar só com ele.

Sophie: Minha dificuldade foi a família dele [...] ele tem dois filhos e no caso a família dele falava que ele deixava de ficar com os filhos para ficar comigo. Então isso me chateava muito.

Rhaianea família cobra [...] na Angola é muito cultural [...] a partir do momento em que nasce [...] vai crescendo, você tem que estar direcionada em também criar família [...] vou ter que casar,

[...] ter filho [...] mesmo que essa pessoa pensar em não ter filho, não casar, obrigatoriamente vai pensar porque a família exige que você tem que formar família [...] mesmo que seus pais

entenderam [...] vai ter sempre um tio [...] o avô vai exigir que você tenha [...] um descendente. Pio: quando a gente mora longe da família a gente fica um pouco carente, fica mais dependente, quer se

agarrar a algo para ter mais força [...] isso é um ponto positivo em um relacionamento.

Algumas participantes descrevem as influências que a família própria ou a família do parceiro tiveram nos relacionamentos. Pollyana, Ale e Rhaiane descrevem as influências das avaliações da própria família sobre o estabelecimento de vínculos e nas expectativas pessoais sobre as relações. Primavera, Pollyana e Pio identificam fortes vínculos afetivos com as próprias famílias, mas que influem as suas relações amorosas de forma diferente. Primavera entende que a separação com a família poderia ser uma condição para estabelecer um vínculo íntimo com um homem, embora a família sempre esteja presente na relação e no pensamento dela. Pollyana manifesta uma necessidade de entendimento do parceiro com a família dela, valorizando o bom relacionamento que teve com a família do seu companheiro quando se encontro longe do seu lar. Pio também acredita que morar longe da família gera uma carência e uma dependência, e isso a leva a perceber um relacionamento como algo positivo que outorga força e sustenta.

Lefey enxerga seus pais como modelo para um relacionamento. Taty expressa que suas feridas nos relacionamentos com homens se originaram na traição do pai que ela descobre, explicando no seu desenho (Desenho 5: O ver, Anexo I) que as experiências familiares influem nas relações amorosas porque se projeta no parceiro a figura paterna, atribuindo a ele carências que pertencem às relações com os familiares. Sophie fala da influência que a família do parceiro tinha sobre o relacionamento, e Alfa reforça a mesma ideia na sua entrevista e apresenta no desenho (Desenho 3: Tipos de amor, Anexo J) a possibilidade de experimentar sentimentos pela família do namorado.

Tanto a família do parceiro quanto a família da participante foram considerados determinantes no estabelecimento dos vínculos amorosos da maioria das mulheres entrevistas, mostrando como elas buscam ou repetem alguns aspectos das relações estabelecidas com os pais. As expectativas familiares também definem a união ou a separação dos parceiros. Assim, algumas participantes expressam o desejo de partilha

com as famílias ou a presença psíquica dos familiares na relação estabelecida, enquanto outras perceberam que as famílias podem afastar o casal. As expectativas associadas com namorar, casar e ter filhos e alguns dos conflitos identificados para realizar tais desejos podem se associar com a dinâmica familiar, como mostram Rhaiane e Taty.

6.1.2.2 Sociedade

Esta subcategoria reuniu as falas das participantes sobre alguns dos modelos e papéis que acreditam retratam os relacionamentos amorosos nas sociedades modernas.

Primavera: a gente gostava de participar de muitas coisas juntas, juntos [...] grupos de amigos, saídas

[...] Não sou daqueles casais que gosta de estar só, não, eu gosto de estar no meio dos outros.

Desenho 3, Noite de balada (Anexo E): chega o final de semana e adora se divertir, saí à

balada, geralmente vão dançarem em uma boate diferente [...] adoram sair para dançar.

Desenho 4, Peça Teatro (Anexo E): adora sair o final de semana para assistir a alguma peça.

Desenho 5, um jantar comemorativo (Anexo E): jantam em um restaurante.

Lefey: Trancada [...] por [...] essa coisa de sociedade, de moral e ética, que a gente não podia assumir [..] o relacionamento [...] Além da namorada, de ele ter um relacionamento assumido [e aceito]

socialmente [...] um relacionamento normal, saiam juntos de mão dada, tinha essa coisa rotulada que a gente espera tanto, de namoro, e eu não tinha, né, não tinha nada.

Desenho 5, Amizade (Anexo E): Apesar de se bastarem [...] nunca deixavam de ter amigos e [...]

dividiam a mesa em um bar com seus companheiros [...] Todo mundo está feliz, dando risadas. Lanlan: decidi que se fosse para ficar [...] eu não queria [...] ele falou [...] “Por mim a gente

continuaria junto” [...] no fundo, eu continuaria junto também, mas [...] me fazia mal o fato de

não ter ele cem por cento comigo, o fato de saber que era uma relação que não tinha futuro. Ale: hoje em dia é tão banalizado essa questão do relacionamento [...] namorar com uma hoje, com

uma outra amanha, com uma outra depois.

[...] Minhas colegas [...] namorando [...] é casada, tem filho [...] está encaminhando para casar.

Desenho 3, Carinho e afeto (Anexo G): A sociedade tem deixado de lado esses sentimentos [carinho,

afeto, romantismo] [...] relacionamentos que fracassam pelo fato de que o parceiro ou parceira não

sabem dar e nem demostrar o sentimento [...] As pessoas não se importam pelo outro, a sociedade perdeu os valores, se relacionam para ficar junto, para não estar sozinhos, mas não por amor. As

pessoas são muito individualistas com o capitalismo [...] Um dia ninguém vai conhecer ninguém.

Pollyana: estou há alguns meses solteira [...] por opção [...] decidi morar em república por isso, para conhecer outras pessoas [...] acho que estou na cidade certa, ninguém me conhece [...] estava

em outra república, que só eram meninas, e [...] falei: “Eu vou mudar para essa república

porque tinha muitas festas [...] vou fazer o que eu quiser, vou ficar [...] as pessoas aqui [em São Paulo] são diferentes da minha cidade, as pessoas são mais frias, mais distantes.

Desenho 2, Sexo com amor (Anexo H): não precisam se relacionar, criar um vínculo para se

ter sexo [...] ter sexo sem relacionamento, as pessoas estão mais independentes e não querem envolvimento afetivo [...] pela facilidade da sociedade e das pessoas. Hoje você transa e acaba Taty: hoje em dia [...] ninguém quer um relacionamento sério [...] tem muita [...] competição de ego,

muita insegurança, acho que as pessoas estão se machucando tanto, que elas acabam se

defendendo [...] achando que é melhor não se envolver [...] [evitando] se magoar.

Alfa: a depender da pessoa, aquilo não era realmente um vínculo [...] era uma amizade, era um caso [...] é apenas ficar [...] encontrar a pessoa algumas vezes, compartilhar algumas coisas.

Michele Almeida: muita gente só enxerga, tipo, corpo da pessoa [...] não tem mais aquela coisa de [...] namorar [...] Hoje está muito liberal, tipo, um fica com uma e depois fica com outra.

Desenho 2, Uma moça sonhadora (Anexo K): passou a lutar, correr atrás, ela precisava viver, sobreviver na cidade grande, precisava se manter [...] um dia [...] se encontrou sozinha [...] depressão [...] fugiu para um lugar onde ninguém podia encontra-la [...] Eu quero expressar o medo e a chuva tem que pegar nela [...] fala da tristeza que sente atualmente pelas dificuldades económicas que vive.

Sophie: Não vou falar que eu nunca vou ficar com uma cara de primeira [...] Mas a gente já banalizou muito o corpo, o sexo [...] a pessoa está bêbada, está podre e abre a perna e acabou.

Desenho 2, Sexo (Anexo M): Muitos casais que se conhecem em baladas fazem sexo logo de

cara, sem se conhecerem direito [...] todos são fáceis, ninguém se dá valor.

Muitas das falas das participantes referem-se a um tipo de vinculação presente nos relacionamentos modernos: “ficar”. As mulheres entrevistadas avaliam esse tipo de relação como banal, que não tem futuro, e que se caracterizaria por relacionamentos curtos com pessoas diferentes, compartilhando algumas coisas, mas sem envolver-se ou ter obrigações com elas. Nesses “casos”, os parceiros não estão cem por cento comprometidos com o vínculo, e o corpo e a sexualidade são banalizados, transando com uma pessoa sem estabelecer com ela um laço afetivo. Assim, contrario ao ideal da relação amorosa que privilegia o amor e os sentimentos, ao ficar com alguém se privilegia o sexo, o corpo e as sensações que geram prazer. Taty explica que as pessoas que preferem ficar e não namorar têm feridas que as levam a defender-se e distanciar-se para não se magoar.

Nas histórias e desenhos nos quais aparecem temas associados com esta subcategoria, Michelle (Desenho 2: Uma moça sonhadora, Anexo K), Ale (Desenho 3: Carinho e afeto, Anexo G), Pollyana (Desenho 2: Sexo com amor, Anexo H) e Sophie (Desenho 2: Sexo, Anexo M) explicam que as sociedades modernas, nas quais predominam relações como “ficar”, são muito liberais. Nessas sociedades, os indivíduos estão deixando de valorar o romantismo e a expressão de sentimentos como o amor e o carinho. As pessoas também se relacionam para não ficar sós, são mais individualistas e acreditam serem mais independentes e não precisarem de envolvimento afetivo para ter sexo.

Algumas das participantes descreveram suas vivencias nessa sociedade moderna. Michele relata no seu desenho (Desenho 2: Uma moca sonhadora, Anexo K) como a “cidade grande” exige lutar e correr atrás para realizar os sonhos, mas apresenta uma mulher triste na chuva pelas dificuldades encontradas, tais como: problemas econômicos, solidão e medo. Pollyana pensa que pode viver em São Paulo estando solteira, aproveitando sua moradia em república para ir às festas e conhecer pessoas, fazendo e vivendo tudo o que ela queria. Ela acredita que as pessoas de São Paulo são mais frias e distantes e queria

experimentar uma relação do tipo ficar, contrário de Ale, Lanlan e Shopie que diretamente expressam sua percepção negativa desse tipo de relação.

A sociedade e os amigos também influenciam a avaliação das mulheres sobre as relações e oferecem possibilidades de participação para o casal. Por exemplo, ao perceber que seus amigos e colegas estavam namorando, casando ou tendo filhos, Ale atribuiu maior importância ao fato de ter um relacionamento amoroso e realizar as mesmas expectativas. Lefey explica na entrevista que a sociedade validaria um relacionamento por meio do rótulo do “namoro”. Os parceiros reconhecidos como namorados aparecem juntos em espaços públicos como mostra Lefey no seu último desenho (Desenho 5: Amizade, Anexo F), destacando que ela não teve isso na experiência íntima relatada. Primavera valorizava partilhar com seu parceiro nos espaços sociais, mostrado isso por meio de três desenhos que representam como o casal se diverte junto em diferentes lugares (Desenho 3: Noite de balada, desenho 4: Peca Teatro, desenho 5: um jantar comemorativo; Anexo, E).

As sociedades modernas oferecem modelos, papéis, significados e valores para avaliar os relacionamentos, o corpo e a sexualidade na visão dessas jovens mulheres. Nas suas próprias reflexões, as entrevistadas manifestam diferentes opiniões sobre essas possibilidades oferecidas. Aquelas que realizam avaliações negativas expressam não se sentirem satisfeitas, porque essas formas de relacionamento valorizam a sexualidade e o corpo sem um compromisso ou envolvimento afetivo. Elas manifestam que essas possibilidades se opõem às expectativas e ideais sobre as relações amorosas que elas têm, nos quais se privilegiam os sentimentos e o estabelecimento de um relacionamento sério. Outras explicam que suas expectativas sobre as relações íntimas e suas escolhas poderiam mudar com as novas vivências oferecidas pelo contexto social moderno, mas continuam almejando uma relação que lhes permita partilhar sentimentos e projetos.

Os temas centrais nesta categoria são as influências positivas e negativas das histórias e personagens da família própria e do parceiro, e os modelos e significados sociais que afetam o relacionamento amoroso. Assim, ao se relacionar com um parceiro, as mulheres parecem perceber algumas forças externas ao casal que determinaram e determinarão os laços afetivos. Algumas dessas forças foram avaliadas como positivas e outras como negativas. As forças avaliadas como positivas são identificadas principalmente nos modelos e expectativas familiares, os quais pareceram estar em coerência com a busca da

união do casal e das famílias e com o cumprimento das expectativas de ter um namoro sério que privilegia o amor e a partilha de projetos. As forças externas avaliadas como negativas estão relacionadas com os modelos sociais que desvalorizam o amor, permitindo múltiplos encontros sexuais, ou com as marcas e feridas pessoais e familiares que dificultam o cumprimento das expectativas pessoais e a duração da relação.