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CAPÍTULO I – O PARADOXO

1.2 A relação paradoxo lógico/paradoxo literário

Neste tópico, queremos expor os estudos interessantes de Wołowska por ocasião do paradoxo lógico e paradoxo literário, ainda na esteira das duas posturas clássicas de estudos do paradoxo: a lógico-separatista e a não-lógica unificativa.

Wołowska (2008, p. 21-54) aborda, em seus estudos, as ideias que constroem o paradoxo em vários saberes, agora na Língua Natural, na Lógica, na Literatura, na Poética, na Retórica e na Linguística. Deles, secciona os grupos de saberes que assumem paradoxo por vias de união, e os saberes que preferem o paradoxo por vias de separação.

Para a autora, entre os saberes que se filiam à postura da não-contradição, temos basicamente a Língua Natural e a Lógica (para este grupo, a linguista fala de paradoxo

lógico). Neles, a ideia de paradoxo significa inadequação, é de recepção pejorativa. É

impossível exprimir um valor que não seja nem verdadeiro nem falso. Aqui o paradoxo deve ser evitado.

Segundo ela, entre os saberes que aceitam isto que a Lógica chama contradição, temos pelo menos as pesquisas em Literatura e Retórica (para este outro grupo, a linguista fala de

paradoxo literário12). Para este grupo, a ideia de paradoxo objetiva adequação, é de recepção

positiva. Aqui o paradoxo deve ser construído:

Nesta ótica, o paradoxo é definido como uma aproximação discursiva de duas palavras ou proposições contraditórias [...] como uma oposição entre dois elementos semânticos quaisquer que se excluem mutuamente. Esta perspectiva, que privilegia a língua como o lugar e a condição necessária da criação de paradoxos, se opõe, portanto, relativamente a qualquer que seja, à perspectiva lógico-filosófica (WOŁOWSKA, 2008, p. 26-27, tradução nossa, grifo nosso)13.

12

A noção de paradoxo literário não é da autora, mas própria da escola literária, assumida, por exemplo, por autores como Riffaterre (1996, p. 149 apud WOŁOWSKA, 2008, p. 27).

13

Do original : « Dans cette optique, le paradoxe est défini comme un rapprochement discursif de deux mots ou propositions contradictoires [...] comme une opposition entre deux éléments sémantiques quelconques qui s’excluent mutuellement. Cette perspective, qui privilégie la langue comme le lieu et la condition nécessaire de

35 Temos em todos os saberes mencionados, duas posturas, portanto. É interessante ressalvar que a maioria dos dicionários perpetua uma definição apenas do paradoxo lógico, que não aceita a contradição. De todos os cerca de quarenta dicionários por nós pesquisados, em apenas um consta esta dupla definição de paradoxo sugerida por Riffaterre: o dicionário francês Le Dictionnaire du Littéraire (DION, 2002, p. 419-420, tradução nossa)14. Segundo este dicionário francês,

Nós podemos ainda, à esteira de Michael Riffaterre, introduzir uma distinção suplementar entre paradoxo lógico e paradoxo literário; este último tem por particularidade surpreender contradizendo a opinião comum, mas também fazer entrever uma verdade profunda sob a cobertura de um absurdo, enquanto o paradoxo lógico, ao inverso, parte de premissas aceitáveis para conduzir a uma conclusão inesperada e inaceitável.

No que tange ao interesse linguístico, ambos os paradoxos lógico e literário têm nascedouro na língua. Ambos trabalham com elementos do sistema da língua, com palavras ou outras combinações, “corretas e aceitáveis”, como chamam os lógicos. Mas como se viu, a concepção das ideias do paradoxo lógico (a junção entre termos opostos da língua é absurda e impossível) é distinta da concepção das ideias do paradoxo literário (a junção entre elementos linguísticos opostos é absurda, mas possível):

[...] a junção discursiva parece surpreendente, absurda. No entanto, é dessa junção que nasce um outro sentido [...] a tensão semântica que se produz, assim, longe de ser um fim à ela mesma, é considerada como uma provida de uma função pragmática particular, consiste a atrair a atenção do destinatário

la création des paradoxes, s’oppose donc, quelque relativement que ce soit, à la perspective logico- philosophique » (WOŁOWSKA, 2008, P. 26-27).

14

Do original : « On peut encore, à l’instar de Michael Riffaterre, introduire une distinction supplémentaire entre paradoxe lógique et paradoxe littéraire ; ce dernier a pour particularité de surprendre en contredisant l’opinion commune mais aussi de faire entrevoir une vérité profonde sous le couvert d’une absurdité, alors que le paradoxe logique, à l’inverse, part de prémisses acceptables pour aboutir à une conclusion inattendue et inacceptable. » (DION, 2002, p. 419 – 420).

36 para o enunciado ‘bizarro’ para melhor sublinhar o que ele quer dizer no fundo (WOŁOWSKA, 2008, p. 27, tradução nossa)15.

Wołowska (2008, p. 34) vai dizer que o paradoxo literário é um paradoxo da língua, atento para o discurso e seus efeitos, enquanto o paradoxo lógico é indiferente aos problemas da língua e do discurso (o paradoxo lógico resume-se num jogo de ser verdadeiro, ou falso) – a seu tempo precisaremos a riqueza da noção de discurso –. Por isso nos interessa mais a postura do paradoxo literário, o paradoxo da língua. Ele nos ajuda a pensar teoricamente o paradoxo, enquanto uma noção: o paradoxo semântico, nossa hipótese, que, com ecos nos paradoxo literário, ou paradoxo de língua, nos dá bases para pensá-lo agora não apenas estilisticamente, figurativamente, ornamentalmente etc, mas argumentativamente.

Ao assumir a linha de pensamento (e de pesquisa) da concepção do paradoxo literário, o que queremos reter é o seu modo de entender que o paradoxo não tem tanto valor pela característica contraditória presente na sua estrutura seccionadamente, mas antes na sua função de promover significâncias não plenas e até não presentes na estrutura. No âmbito da enunciação, os termos, ao se combaterem e se excluírem, reciprocamente, cunham a inteligência para um acordo (FONTANIER, 1968, p. 137 apud WOŁOWSKA, 2008, p. 29).

Wosłowska (2008, p. 34, tradução nossa)16 antenta-se para o papel da Linguística no tocante ao paradoxo: “no entanto, se a lógica formaliza muito, a retórica e a poética parecem formalizar muito pouco: é portanto nas pesquisas linguísticas que se deve procurar o equilíbrio”.