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CAPÍTULO I – O PARADOXO

1.3 As relações constitutivas do paradoxo semântico

A esta altura, podemos dizer que entendemos o paradoxo semântico – nossa hipótese base – enquanto noção capaz de expressar um meio privilegiado de enunciar a

15 Do original : « [...] la jonction discursive paraît surprenante, voire absurde. Pourtant, c’est de cette jonction

que naît un autre sens [...] la tension sémantique qui se produit ainsi, loin d’être une fin à elle-même, est considérée comme pourvue d’une fonction pragmatique particulière, consistant à attirer l’attention du destinataire vers l’énoncé<bizarre> pour mieux souligner ce qu’il veut dire au fond» (WOŁOWSKA, 2008, p. 27).

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Do original : « Cependant, si la logique formalise trop, la rhétorique et la poétique semblent formaliser trop peu : c’est donc dans les approches linguistiques qu’il faudra chercher le juste milieu » (WOŁOWSKA, 2008, p. 34).

37 indissociabilidade de significâncias opostas, haja palavras estruturais para estas

enunciações ou não. Teoricamente falando, é um modo enunciativo da “falta”. Na falta de um

lexema que conjugue a estranheza de dois opostos, constrói-se o paradoxo. Uma falta que incomoda a Linguística, que não sabe o que fazer com ela, porque suas enunciações ilustram um efeito de “é-contraditório-portanto-a-Linguística-não-sabe-o-que-fazer-com-ele”. É antes de tudo o aspecto da falta: faltam expressões na língua, já que a língua é regida por elaborações mais evidentes, e o sentido se dá em níveis mais aparentes. É a estranheza de um conteúdo no qual uma coisa é outra e é ela mesma, ao mesmo tempo.

Isso põe que a dinâmica do sentido paradoxal não é alternativa [A] ou [B], nem opositiva [A] versus [B], mas interdependente [A + NEG-A]. Como afirma Wołowska (2008, p. 13) ao dizer que o paradoxo tem uma função: “sua função é de unificar, e não de dividir” (WOŁOWSKA, 2008, p. 13, tradução nossa)17.

Além da interdependência, queremos aqui marcar que o paradoxo semântico possui outras determinâncias que o constituem, que veremos ao longo deste trabalho. Podemos inicialmente marcar aqui, por exemplo:

a) A relação de desestabilização das palavras plenas – dada por funcionamentos do tipo [A mas B] ou pelo articulador quase, por exemplo: “Pedro não é burro, mas não é inteligente”, que produziria um paradoxo de “quase-burro” (lugar semântico entre os valores de burrice e inteligência).

b) A relação entre os parâmetros científico e os horizontes de retrospecção – por exemplo: para o parâmetro científico da Geografia Física (que é o do senso comum), o enunciado-definidor “um monte não existe” (do Dicionário Houaiss da Língua

Portuguesa), é paradoxal e sua negação “um monte existe” é um enunciado doxal.

Mas para o parâmetro científico da Lógica Matemática moderna, após o “momento da descoberta”, o horizonte de retrospecção de um novo modelo, da não possiblidade de um haver um monte (a impossibilidade de precisar o momento exato em que o acréscimo dos grãos torna-se uma totalidade, o monte), instaura-se um novo horizonte de retrospecção que inverterá o significado do enunciado “um monte não existe”: ele passa a ser doxal e sua afirmação “um monte existe” passa a ser paradoxal, depois desta descoberta.

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38 c) As relações de falta ou combinações de palavras – já que uma das propriedades do paradoxo é jogar com a “falta”. Isto é, faltam palavras para certas significâncias não- plenas de palavras. Por exemplo, no enunciado-exemplo do Diccionario de uso del

Español: “aquele que não tem nada, tem tudo!” (MOLINER, 1989, p. 634) fica fácil

entender esta determinância de que falta uma palavra capaz de carregar um semantismo [não-ter-nada-no-entanto-ter-tudo]. No caso do paradoxo, por exemplo, na falta de uma palavra para expressar a indissociabilidade de significâncias opostas entre “acordado” e “dormindo”, que produziria algo como uma “sonolência”, diz-se no português do Brasil um conjunto de palavras para suprir esta falta: “Pedro está dormindo acordado”.

Além das determinâncias acima, ainda concordaremos com Wołowska18 no que ela dirá sobre o paradoxo:

1) A “natureza” do paradoxo é semântica e discursiva, e não referencial, gramatical, artecfactual ou de registro. Como bem explica Wołoswska (2008, p. 79, tradução nossa)19: “o paradoxo da língua é um fenômeno semântico-discursivo, e não gramatical ou referencial”. Já que o paradoxo é “uma descrição semântica dos fenômenos discursivos” (WOŁOWSKA, 2008, p. 46, tradução nossa)20.

2) O paradoxo se produz por uma relação de dissimulação. Isto é, a relação entre dois segmentos opostos (que produz o efeito paradoxal) é de dissimulação, no sentido que um transtorna o outro. Essa consideração guarda fortes ecos com Carel (2011a), como no exemplo já dado: “Pedro não é burro, mas não é inteligente”, que transtorna (dissimula) tanto burro quanto inteligente através do mas. Há uma “[...] dissimulação de dois conteúdos semânticos” (WOŁOWSKA, 2008, p. 50, tradução nossa)21. E essa

18Wołowska seguirá investigando o paradoxo com teorias distintas da nossa. Mas se nos afastamos da autora

pela escolha da teórica principal, damos eco aos seus estudos no tocante à sua refinada concepção do paradoxo, parcamente estudado na Linguística e em outras áreas, e ao distinto levantamento de tipologias paradoxais, principalmente. Obviamente, efetivaremos nossa pesquisa sob lentes da TBS, e demais arcabouços teóricos relevantes.

19

Do original: « Le paradoxe de langue est un phénomène sémantique-discursif et non pas grammatical ou référentiel » (WOŁOWSKA, 2008, p. 79).

20

Do original : « une description sémantique des phénomènes discursifs » (WOŁOWSKA, 2008, p. 46).

21

39 dissimulação é produzida pelo processo enunciativo de elementos opostos unidos pelo/no discurso (WOŁOWSKA, 2008, p. 59);

3) É uma relação de afirmação-negação simultânea. Um fenômeno estranho, mas possível, que apresenta “relação entre dois termos que afirmam e negam o mesmo elemento conhecido” (WOŁOWSKA, 2008, p. 23, tradução nossa)22, como no caso do termo paradoxal “morto-vivo” da Enciclopédia e Dicionário ilustrado (KOOGAN; HOUAISS, 1997, p. 1699), que ao definir “morto saído da Tumba” tanto nega a morte (pelo termo saído) quanto a vida (pelo termo da Tumba), e os afirma pela mesma lógica.

Em todos esses casos, o paradoxo é uma relação de língua que atualiza aquilo que é doxal, para uma efeito anti-doxal, sem abandonar os termos doxais. Nos dizeres de Wołowska, é uma relação de atualização do doxal em paradoxal, no sentido de que é um “[...] mecanismo semântico [...] semelhante que consiste em atualizar uma contradição aparente visando orientar a interpretação para outro sentido” (WOŁOWSKA, 2008, p. 30, tradução nossa)23.