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A reorganização dos espaços como ambientes de aprendizagem

No documento Educação em Rede - Vol.5 / Sesc (páginas 68-70)

Os termos espaço e ambiente têm interpretações distintas em várias áreas de atuação e diferentes profissionais lidam com sua conceituação, porém, no campo da educação, corroboro com Forneiro (2008) quando conceitua que o termo “espa- ço” refere-se ao espaço físico, isto é, local para atividade, caracterizado por objetos, materiais de ensino, móveis e decoração. Por outro lado, o termo “ambiente” refere- -se ao conjunto do espaço físico e as relações que nele se estabelecem (afetos, as inter-relações entre as crianças, entre crianças e adultos, entre crianças e sociedade como todo).

O espaço escolar é também um educador, e tudo o que o compõe, como as for- mas, as escolhas, as paredes, a organização, os objetos, o que ele pode ou não pro- porcionar às crianças possui uma dimensão educativa. Desta forma, a organização dos ambientes precisa ser pensada evidenciando a construção, o planejamento, as intenções, a funcionalidade, a participação e interesse das crianças. Freire (1994, p. 96) nos diz que:

O espaço é retrato da relação pedagógica, nele é que o nosso conviver vai sendo registra- do, marcando nossas descobertas, nosso crescimento, nossas dúvidas. O espaço é o retrato da relação pedagógica porque registra, concretamente, através de sua arrumação (dos mó- veis...) e organização (dos materiais...) a maneira de viver esta relação.

Seguíamos um princípio de que a escola era um lugar onde a brincadeira fa- zia, sim, parte de um contexto, porém, mesmo sendo vista como um momento de aprendizados e/ou descobertas ou de simplesmente diversão, interação e puro prazer, ela era conduzida ou orientada pelo professor, tendo como guia principal o tempo e a organização de tarefas.

A cada dia com mais intensidade as reflexões, as inquietações e os debates so- bre a organização da nossa escola e de cada sala começaram a emergir, e a partir deste momento passamos a constatar e a nos questionar o que cada ambiente es- tava refletindo e o que acreditávamos que deveria mudar.

Passamos, então, a investir em espaços de qualidade, assim como debatemos maneiras de pensar propostas que envolvessem a participação das crianças garan- tindo seu protagonismo. Toda a transformação exige não só coragem para sair da rotina, mas também muito conhecimento e sensibilidade, dessa maneira, todo esse

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movimento não foi fácil, mas foi gradativo. Inicialmente precisávamos nos despir de algumas práticas que até então vinham arraigadas desde que éramos alunos até quando nos constituíamos enquanto professores, e assim, por meio de estudos, lei- turas e conversas foi dado o primeiro passo: juntas concluímos que havia chegado o momento de as mesas abrirem espaços para outras possibilidades.

A partir daí, tornamos nossos ambientes cada vez mais convidativos, acolhedo- res, instigantes, priorizando a interação e a construção coletiva de conhecimentos e que estes fossem marcados pelo encontro de diferentes pessoas, de pares, de emo- ções, sentimentos e sensações, pois todos os espaços da escola precisam ser vivos e vividos, contar trajetórias, revelar vidas e evidenciar infâncias.

Para isso, começamos a buscar espaços onde o faz de conta estivesse sempre presente, onde as vivências de cada um fossem valorizadas, onde as culturas de cada grupo estivessem evidenciadas, espaços que dessem apoio aos movimentos das crianças e as trocas entre elas, incentivando assim a diversificação de ações e a autonomia, ou seja, não era uma questão apenas de adequar os espaços, mas também como o utilizávamos e como as crianças os desfrutariam.

De acordo com Rossetti-Ferreira (apud HORN, 2004, p. 15):

[…] não basta a criança estar em um espaço organizado de modo a desafiar suas competên- cias; é preciso que ela interaja com esse espaço para vivê-lo intencionalmente. Isso quer dizer que essas vivências, na realidade, estruturam-se em uma rede de relações e expressam-se em papéis que as crianças desempenham em um contexto no qual os móveis, os materiais, os rituais de rotina, a professora e a vida das crianças fora da escola interferem nessas vivências.

Realizar momentos diferenciados separando em pequenos grupos a mesma turma, estar atenta e ouvir as preferências das crianças, oportunizar liberdade de escolha, não trabalhar com todos ao mesmo tempo e fazendo a mesma coisa fo- ram atitudes que aos poucos ganharam muita força, pois conforme os educadores ousavam tentar, percebiam que é possível pôr em prática tudo aquilo que a teoria aborda e, principalmente, que estavam no caminho certo para fazer educação de qualidade, significativa para as crianças, focada nas infâncias, na diversidade e nas relações. Assim, momentos de individualidade e coletividade vão acontecendo, e o educador tem a oportunidade de focar o olhar tanto para determinada criança quanto para grupos menores de crianças, pois o espaço provoca desafios e instiga ações em grupo, as quais passam a ser percebidas, refletidas, elaboradas, e são pro- postas novas atividades a partir do olhar atento do educador.

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O espaço é reconhecido e percebido pelas crianças como linguagem e, segun- do Piaget apud Horn (2004, p. 15), “[...] a representação do espaço para a criança é uma construção internalizada a partir das ações e das manipulações sobre o am- biente espacial próximo do qual ela faz parte”.

É imprescindível destacar que um passo de fundamental importância foi ouvir- mos as crianças, entendermos e percebermos o que elas esperavam daquele lugar que era delas e para elas, quais eram seus anseios, suas sugestões e suas opiniões. Foi a partir dessas conversas que surgiram as ideias para construírem os primeiros cantos em cada sala, decidiram quais seriam, como seriam, o que deveria conter em cada um, de que forma estariam dispostos, enfim, participaram ativamente de todo o processo desde a idealização, passando pela construção até sua concretização, tornando-o ainda mais rico em possibilidades e convidativo a brincar.

As professoras sempre foram “peças” importantes em todos esses momentos, por isso, conversávamos muito, líamos, estudávamos, colocávamos nossas conquis- tas e angústias para que juntas refletíssemos e reorganizássemos o que não estava dando certo e para que garantíssemos a continuidade do que estava sendo con- quistado. Sempre fomos cientes de que o sucesso das propostas só se daria se todas educadoras estivessem seguras e envolvidas, ainda que respeitando as individuali- dades e o tempo de cada profissional.

Tínhamos plena convicção da importância do papel de cada uma das educa- doras ali junto com seu grupo, mediando, trocando, participando, observando e também entendendo o momento de não intervir ou de não ter uma participação direta na brincadeira. A mera oferta dos espaços, dos materiais ou dos brinquedos não seria suficiente, nós, enquanto educadores, precisamos nos dedicar por inteiro, estar disponíveis, revelar nossas intenções, refletir sobre as propostas, fazer com que a nossa presença durante as brincadeiras seja estimulante, agregadora e cons- trutiva. Além disso, especialmente no período inicial da formação dos espaços, foi necessária muita sensibilidade e dedicação de cada professora, brincando junto, mostrando-se receptiva a aprender com as crianças e a compartilhar conhecimen- tos e resolução dos conflitos.

No documento Educação em Rede - Vol.5 / Sesc (páginas 68-70)