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Salas abertas: vivendo a escola em outra perspectiva

No documento Educação em Rede - Vol.5 / Sesc (páginas 71-77)

Depois dos espaços organizados, passamos a perceber quantas experiências vividas as crianças retratam ao explorarem esses lugares e o quanto de situações do dia a dia, falas, atitudes, ações e reações são reveladas promovendo, nesses es- paços, não só brincadeiras, mas também situações nas quais elas precisam pensar, raciocinar, compreender, bem como recriar situações cotidianas, construindo assim novos entendimentos.

Foi então que, diante de todas essas vivências, possibilidades e oportunidades, outras questões começaram a inquietar nosso grupo de docentes. Além de perce- bermos diariamente a curiosidade das crianças com relação aos cantos das salas que não eram as deles, em nossos encontros começamos a debater e narrar a ri- queza que esses ambientes estavam proporcionando para toda a escola, e então concordamos que vínhamos de uma rotina em que, durante todos os 200 dias le-

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tivos do ano, cada criança vivia o “mundo” da sua sala de aula, sua professora, sua estagiária, seus brinquedos e suas brincadeiras, seus pertences. Começamos a nos questionar como faríamos para que a criança de determinada turma pudesse ex- plorar também o espaço de outra sala que lhes interessava.

Inicialmente a proposta para o grupo de educadores foi a de um momento de “portas abertas”, em que deixaríamos todas as crianças da escola livres para ir à sala que desejassem, que interagissem com as crianças das outras turmas, que explo- rassem todos os mundos que cabem dentro da nossa escola. Em primeiro lugar, houve certa insegurança: Será que vai dar certo? E se virar bagunça? O que os pais vão pensar? Como vou conseguir acompanhar meus alunos se estarão distribuídos em vários espaços? As crianças vão estar livres e soltas pela escola? Algumas pro- fessoras acharam a ideia muito boa, outras nem tanto. Decidimos, então, que, assim como todo o processo inicial de mudança, esta também seria gradativa. Primeiro marcamos uma data em que, durante uma hora, cada professora permaneceria na sua sala mediando as ações das crianças que iam chegando, porém elas teriam total liberdade e autonomia para transitar em toda a escola, por onde tivessem desejo de ir.

A proposta foi conversada, discutida e organizada com as crianças, que, claro, unanimemente, adoraram.

O envolvimento do grupo de educadores fica ilustrado por este recorte do pla- nejamento da professora Daniele Donatti Leal — Turma C2, que na época em que começamos essa proposta, ainda em 2011, fazia parte da equipe:

[...] No meio desta tarde iremos propor um momento que posso chamar de mágico para as crianças e para nós educadoras. Durante uma hora, as crianças do Sesquinho irão cir- cular por todos os espaços da escola livremente. As crianças explorarão tudo o que sempre tiveram vontade e que costumavam ver apenas através dos vidros que dividem as salas dos corredores. Essa proposta é um desafio para todos nós, pois à medida que vivencia- mos, aprendemos e também poderemos refletir sobre o porque e como foi desenvolvida. Espero poder repeti-la várias vezes ao decorrer do ano, pois com certeza será um sucesso.

O que aconteceu na primeira experiência definitivamente não é possível des- crever com fidelidade, pois o encantamento de cada um, o brilho, o entusiasmo, a alegria, a sensação de liberdade, a euforia, as expressões são vividas, portanto difíceis de ser narradas. Nesse curto espaço de tempo, pudemos presenciar os efeitos positivos que todas as mudanças causaram, as crianças se organizaram de

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tal modo que tudo fluiu naturalmente, evidenciando total autonomia enquanto transitavam e exploravam os espaços, demonstrando cuidado, respeito e perten- cimento ao grupo.

Nesse dia, a equipe se reuniu para avaliar a experiência e cada um refletiu e re- latou sobre o momento. Assim como aconteceu com as crianças, os adultos tinham um encantador brilho no olhar, e todas, sem exceção, propuseram investir cada vez mais nessa proposta. Desde então, as famílias nos relatam que seus filhos falam com propriedade sobre as vivências em cada sala, sobre as descobertas e diversões em cada canto. Dizem também que seus filhos passaram a citar nomes de outros amigos da escola que não só os colegas da turma, falam das brincadeiras que fazem com todas as professoras, sobre os projetos que estão acontecendo e sobre a parti- cipação e responsabilidades de cada um.

Desde o primeiro dia, no momento que chamamos de Salas Abertas, mante- mos fechada apenas a porta de entrada que dá acesso ao corredor da escola, porém as portas de todas as salas ficam abertas de modo que as crianças possam circular, compartilhar e explorar o que desejarem.

As possibilidades no corredor também vão surgindo: é um grupo que se reúne para conversar, outro que monta brinquedos, alguns sentados nos bancos que dia- riamente acolhem as famílias, além das mesas com os lanches que ficam expostos em forma de buffet ao alcance das crianças, que podem se servir enquanto brin- cam. Esses lanches são preparados a cada dia por um grupo de crianças, que an- teriormente pensa junto o que irá compor a mesa, e no dia fica responsável por arrumar, organizar e servir os alimentos.

Conforme fomos percebendo a necessidade e o desejo dos grupos, fomos au- mentando a quantidade de vezes desses encontros, que hoje acontecem com a frequência mínima de um dia na semana. Os espaços de cada sala mudam sem um período definido e, na maior parte das vezes, não são apenas desfeitos, vão ganhan- do outros significados e se transformando gradativamente sem deixar um vazio. Na verdade eles compõem o ambiente, fazem parte de um contexto, não são apenas um canto isolado ou sem elo com os demais.

Nesse período, desde que iniciamos a proposta em 2011 até hoje, fomos apri- morando-a e fortalecendo-a por meio das nossas observações, vivências, conversas

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na roda, ouvindo as crianças nos mais variados momentos e, principalmente, quan- do percebemos o envolvimento de cada criança com todo o processo.

Dentro desse contexto, ressaltamos que cada sala conta a história de determi- nado grupo que habita aquele lugar, é um espaço que narra experiências e onde estão presentes produções, vivências, descobertas, interesses, provocações que movem aquela turma, porém cada criança desfruta de acordo com seu interesse um pouquinho de cada ambiente, assim como essas trocas oportunizaram que, de forma mais intensa, os projetos que estão acontecendo nas turmas instiguem a curiosidade das crianças que frequentam outra sala. Foram muitas as vezes que nos deparamos com uma delas buscando um amigo daquela sala para conversar motivado com o que estava presenciando e fazer questionamentos sobre o projeto que estava acontecendo ali. Houve também momentos que esse movimento foi tão intenso que as professoras acabaram organizando entre as turmas debates e apresentações para trocas significativas sobre esses projetos.

Essas vivências relatadas só fazem com que nós, enquanto escola, continuemos a propor mais e mais esses e novos desafios, para por meio deles construir com os nossos pequenos, além de saberes, momentos marcantes e significativos em que eles desfrutam e compartilham a alegria de serem crianças.

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HORN, M. da G. de S. Sabores, cores, sons, aromas: a organização dos espaços na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2004.

i Pedagoga, pós-graduada em Metodologia do Ensino Superior. Foi professora da Escola

do Sesc no Mato Grosso do Sul de 2006 a 2013 e atualmente é coordenadora pedagógica.

ii Assessora da Educação do Sesc no Mato Grosso do Sul desde 2012. É pedagoga e

psicopedagoga.

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