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3. A trajetória do sistema de representação de interesses no Brasil

3.1. Corporativismo, insulamento administrativo e a formação dos anéis burocráticos

3.1.2 A República Populista (o período 46/64)

O período 1946-1964 foi marcado pelo insulamento burocrático16, que em

14 “Segundo os expoentes da tese da fraqueza política, as regras do sistema corporativista dificultam a

ação coletiva do empresariado em torno de propostas unificantes por duas razões: (i) porque engendram entidades setoriais de grau superior, cujos líderes não são representativos e (ii) porque não prevêem uma entidade de cúpula multissetorial.” (Mancuso, 2007b).

15 A tese da debilidade, da fraqueza dos empresários como atores políticos e de suas organizações como

empreendedores sociais permanece válida para os períodos posteriores mas, como se verá adiante, vem sendo contestada por Mancuso (2007) e outros autores para o período atual.

caráter complementar trazia a tentativa exaustiva de racionalização da administração pública brasileira. Essa tentativa de racionalização da administração pública, que teve início nos anos 30, teve implicaçõs diretas nas relações entre os iteresses organizados e o estado. De maneira bastante resumida Amorin Neto (2006) descreve o período que segundo ele foi marcado por presidentes que

“investiram pesadamente na criação de agências burocráticas insuladas de pressões partidárias e que se orientavam exclusivamente por diretrizes presidenciais. Essas agências, apelidadas de ‘bolsões de eficiência’, deram aos presidentes grande autonomia na formulação e implementação de políticas industriais e constituíram uma ponte direta entre o Executivo e os grupos de interesse beneficiados pela industrialização” (Amorin Neto, 2006).

Essa visão, em geral, quando se descreve as relações entre o Executivo e os interesses organizados, mostra uma espécie de sinergia entre o estado e o empresariado. Relação definida pela presença do estado como financiador das estratégias de desenvolvimento, e os grupos de interesse (tomados separada e setorialmente) como parceiros desse projeto. E isso se deve à combinação de dois elementos: partidos fracos e administração centralizada.

Por outro lado, aqui o padrão dual que combina a representação estatal (corporativa) dos interesses e as formas alternativas (livres e plurais) de associação já se faz presente. Uma intensa onda de associativismo surge como consequência da modernização, resultado da industrialização em expansão e de um verdadeiro surto de desenvolvimento iniciado, sobretudo, por Kubitschek a partir de 1956.

Quanto aos partidos, o que se viu naquele período foi a rápida ascensão e declínio da importância desses partidos no sistema político. Predominantemente formados por interesses paroquiais, em função das regras eleitorais e partidárias, os partidos refletiam muito mais os interesses locais e não poderiam ser vistos jamais como um canal institucional das demandas sociais. O PSD, a UDN e o PTB eram os principais partidos do período. O primeiro, e mais importante, tinha suas bases nas elites agrárias e um posicionamento de centro-direita. A UDN, de direita e sendo o segundo maior partido, era o principal partido de oposição. Além de congregar importantes setores das elites agrárias, a UDN congregava também setores organizados urbanos de classe média. Já o PTB, a chamada esquerda populista, era a terceira força. Havia também pequenos partidos, como o PSP e o PR. Amorim Neto e Santos (2002) resumem assim o estratégicas qualquer ator político, tornando as decisões “puramente” técnicas e, supostamente, mais eficientes, memos clientelistas e menos contaminadas por múltiplos interesses.

papel desempenhado pelos partidos políticos nesse período:

Em termos de conduta e estrutura organizacional, a literatura secundária afirma que os partidos brasileiros eram pouco mais do que coligações de organizações locais. De acordo com esses estudos, a origem desse tipo de padrão organizacional se encontrava no sistema de representação proporcional de lista aberta adotado em distritos eleitorais que coincidiam geograficamente com os estados da federação. A política estadual constituía o pano de fundo para a eleição dos membros da Câmara dos Deputados (Lima Junior, 1983), os quais, por esse motivo, eram muito influenciados pelos interesses das clientelas eleitorais locais (Ames, 1987; Lamounier e Meneguelo, 1986). (Amorim Neto e Santos, 2002)

Em suma, os partidos políticos que eram meramente arranjos locais não tinham papel relevante no processo de conversão das demandas difusas da sociedade em políticas públicas, pelo simples fato de não canalizarem os interesses da sociedade. Mesmo os partidos que surgiram com o declínio dos partidos maiores, como o PSP e o PR. Nesse contexto, a estratégia dos presidentes é a política de massas, ou seja, a comunicação direta entre o governo e as massas (com os eleitores), via opinião pública para implementar sua agenda e fazer o Congresso “cooperar”.

A relação entre elites e massas era pautada especificamente em dois argumentos. O desenvolvimento prometido pelo governo gera emprego e altos níveis de crescimento. As massas apoiarão o presidente incondicionalmente se os empregos forem gerados. Ora, se o sucesso do presidente depende do sucesso das políticas de desenvolvimento, porque o presidente precisaria de um Congresso fortemente clientelista? Nesse sentido, o Congresso clientelista era visto muito mais como uma ameaça à modernização, à racionalização da administração pública e a sua eficiência (já que preferia políticas clientelistas) do que como um aliado.

A estratégia utilizada no período foi, então, criar uma administração paralela. Composta tanto por órgãos já existentes no período anterior (como o BNDE, o Banco do Brasil – CACEX; e a SUMOC) como por novos órgãos, tais como os Grupos Executivos e o Conselho de Política Aduaneira. Esses órgãos ficaram responsáveis pelo projeto desenvolvimentista e foi para lá que o governo deslocou os melhores quadros da administração pública, além de contratar por livre recrutamento outros especialistas.

No que diz respeito ao poder legislativo e aos partidos, em geral o argumento é que o Executivo excluía o legislativo do processo decisório17 procurando evitar as

17 Em recente trabalho, Antunes (2007) questiona a tese de que o legislativo não participava do processo

decisório em torno das grandes questões nacionais. Essas teses, ancoradas especificamente no pensamento de Lafer (1972); Sola (1982) e Geddes (1994), enfatizam a marginalização do Congresso nesse processo. O argumento contrário é, de maneira resumida, que os parlamentares, interessados principalmente em práticas clientelistas, deram o apoio necessário ao Executivo em seus projetos

múltiplas influências e os interesses políticos dos partidos. Assim, creditar o sucesso do desenvolvimento à capacidade técnica da burocracia e à sua independência na administração pública foi a estratégia mais comum na comunicação entre presidentes e massas no período.

O período foi interrompido pelo golpe militar, que depôs João Goulart e deu início a um longo período de 20 anos de ditadura militar.

3.1.3 O Regime Militar: repressão, anéis burocráticos e surto desenvolvimentista.