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3. A trajetória do sistema de representação de interesses no Brasil

3.3 O Presidencialismo de coalizão

3.3.2 Os partidos na arena legislativa

No âmbito dos estudos legislativos brasileiros, de um modo geral, a questão central que orienta o debate sobre os partidos é elucidar qual o papel que estes desempenham na arena legislativa21. Segundo Santos (2001), entre os pesquisadores brasileiros “(...) pode-se dizer que existe um cisma básico entre duas perspectivas principais”. A primeira delas

“(...) afirma que os partidos no Brasil são indisciplinados e por isso o comportamento da Câmara é imprevisível. Além disto, afirma que os deputados estão sempre buscando transferir benefícios para seus redutos eleitorais, o que converte o Executivo em uma espécie de prisioneiro dos interesses localistas dos parlamentares (Ames, 1995; 2000; Amorim Neto, 1998; Geddes, 1994; Lamounier, 1991, Mainwaring, 1997, 1999; Samuels, 1998)” (Santos, 2001).

Num sentido contrário, um segundo grupo de teóricos defenderia

21 Existem estudos que focam as relações entre os movimentos sociais e os partidos. Também existe uma

miríade de estudos sobre o desempenho eleitoral dos partidos e seus temas clássicos. Entretanto, como o foco aqui é a ação dos grupos de pressão no Congresso Nacional, os estudos que focam o papel dos partidos nessa arena de disputa são centrais.

(...) que o comportamento dos partidos é disciplinado, as decisões da Câmara são previsíveis e seus membros não são capazes de fazer valer suas prodigalidades particularistas (Figueiredo e Limongi, 1999, Meneguello, 1998, Pereira, 2000, Santos, 1997). (Santos, 2001).

Nesse sentido é importante registrar que, embora tenham em comum a idéia de que “os partidos importam” eles têm em seus trabalhos diferentes interpretações de “como os partidos importam”. As sessões a seguir resumem de maneira sucinta as principais idéias das diferentes vertentes.

3.3.2.1 Partidos fracos e interesses parlamentares localistas

Ames (2003) e Mainwaring (2001) mostram, por diferentes caminhos, o impacto das regras e dos arranjos institucionais no comportamento dos partidos na arena legislativa. Mainwaring (2001) por exemplo defende que o sistema eleitoral, o método de seleção de candidatos e certas normas partidárias estimulam o individualismo. O resultado que ele apresenta é que as instituições para se compreender o sistema partidário brasileiro são

“(...) um presidencialismo com Executivo forte, um vigoroso federalismo e um sistema eleitoral permissivo (isto é, com baixas barreiras à entrada) e regras que favorecem os partidos descentralizados e de organização maleável” (Mainwaring, 2001).

Para o autor, os elementos do sistema eleitoral que induzem ao comportamento individual e aos partidos frouxos são pelo menos cinco: os incentivos dos políticos à reeleição; as regras eleitorais (sistema de lista aberta, o que implica autonomia dos políticos e fraqueza dos partidos); o processo de seleção do candidato no interior do partido, cuja posição na lista oferece aos candidatos diferentes graus de liberdade de ação e independência na candidatura; a descentralização da escolha dos candidatos, ou seja, a escolha é determinada no estado ou no município, gerando assim partidos localistas sem caráter programático nacional e, por fim, a fragilidade dos mecanismos de disciplina partidária, que permite troca de partidos e estimula a indisciplina e a infidelidade. Assim, todos estes elementos do sistema eleitoral somados a um forte federalismo e a um presidencialismo com Executivo forte levariam à “baixa institucionalização partidária no Brasil”, caracterizada por partidos frouxos e indisciplinados.

Alinhado com as proposições de Mainwaring (2001), Ames (2003) apresenta uma interpretação bastante parecida.

“(...) as regras eleitorais brasileiras geram políticos individualistas, que apenas ocasionalmente são constrangidos pela liderança dos partidos. O Executivo, apesar de

formalmente muito poderoso, está em constante luta para manter uma coalizão parlamentar ampla o suficiente para aprovar seus projetos” (Ames, 2003). (Grifos meus).

Especialmente relevante é chamar a atenção para a proposição que Ames (2003) faz sobre a ação das lideranças partidárias, o centro da discórdia entre o autor os resultados de Figueiredo e Limongi (1996, 2001) e Amorim Neto e Santos (2001). Segundo Ames (2003), a noção de partidos disciplinados que esses autores oferecem (salvas algumas diferenças), está baseada na idéia de presidentes fortes, centralização decisória no processo legislativo (colégio de líderes) e distribuição de recursos de patronagem. Neste contexto, para os autores, partidos cumprem o papel de revolver problemas de ação coletiva. Este quadro sugere um presidente governando com certa tranqüilidade, diante de um legislativo disposto a cooperar. Este resultado é contestado por Ames (2003) que, num sentido contrário, ao explicar as tentativas dos presidentes de formar coalizões parlamentares para governar, procura esclarecer o papel legislativo dos partidos tendo em vista o quadro institucional mais geral do País (e isto implica a consideração de outras variáveis explicativas). Assim, ao refazer a pergunta “por que os deputados cooperam ou desertam?” Ames (2003) anima o debate.

O resultado de seu modelo de cooperação e defecção apresenta evidências de que os líderes partidários, tidos como importantes atores políticos pelos outros autores, têm pouco poder para induzir a cooperação:

“Eles recomendam votos às suas bancadas, e essa indicação as vezes pesa positivamente na cooperação. Mas o encaminhamento dos líderes não têm maior efeito nas votações cruciais e altamente contestadas do que em votações incontestadas, e tem muito menos influência do que as características do eleitorado e os projetos de obras públicas de puro interesse local” (AMES, 2003).

Em suma, para Ames (2003), apesar de reconhecer os poderes presidenciais (formais e informais) como bastante substantivos, os presidentes brasileiros enfrentam sérios problemas para aprovar sua agenda legislativa, e, embora consigam, fazem isto a um custo muito alto. Portanto, para o autor, os presidentes brasileiros não são atores dominantes e a resposta para isso está na natureza dos partidos brasileiros. Por outro lado, o Brasil é um caso de governo partidário condicional, pois está influenciado também por múltiplas variáveis e não apenas pela unidade partidária na arena legislativa. Numa perspectiva diferente, as oposições a estas idéias são as que seguem na próxima sessão.

O debate se inicia com um amplo questionamento sugerido por Figueiredo e Limongi (1996), quando resolveram “verificar empiricamente se, de fato, a coesão interna dos partidos políticos brasileiros no Parlamento está abaixo do aceitável, ou seja, abaixo do que seria suficiente para tornar previsíveis as decisões tomadas em Plenário” (Figueiredo e Limongi, 1996).

Colocado de outra forma, se o comportamento dos parlamentares era individual e particularista, induzido pelos incentivos do sistema eleitoral individualista, como sugeria boa parte dos teóricos, ou coletivo (racional/partidário). Os resultados foram contundentes:

“(...) a fragilidade dos partidos não se manifesta onde mais seria de se esperar, isto é, no Plenário da Câmara, onde os deputados exercem seu direito individual de voto. Os partidos políticos na Câmara não são peças de ficção. A filiação partidária nos diz muito a respeito do voto provável do parlamentar”. (Figueiredo e Limongi, 1996).

Diante desta constatação pelo menos duas importantes conclusões foram possíveis naquele momento: que as votações dividiam o Plenário de acordo com padrões ideológicos clássicos; que os partidos tinham um grau de coesão interna suficiente para tornar a ação do Plenário previsível. Em suma, “o comportamento do Plenário é previsível e consistente” (Figueiredo e Limongi, 1996). Assim, focando a distribuição de direitos e recursos parlamentares, ou seja, utilizando-se da premissa de Polsby de que a estrutura faz a legislatura, os autores passam a oferecer uma forma diferente de ver os partidos políticos na arena parlamentar.

3.3.2.3 Partidos fracos na arena eleitoral e fortes na arena legislativa

Outra importante referência é a recente interpretação bastante singular do papel dos partidos no sistema político brasileiro. Trata-se da interpretação de Pereira e Müeller (2003), que defendem que diferentes incentivos institucionais originários tanto da arena eleitoral quanto da arena legislativa atuam simultaneamente no nosso sistema político. Mais precisamente, a questão levantada pelos autores foi: “é possível a simultaneidade de partidos fracos na arena eleitoral e partidos fortes dentro do Congresso?” (Pereira e Mueller, 2003).

A resposta é sim, e dela deriva uma interpretação bastante interessante, segundo a qual o sistema político brasileiro condensa duas diferentes e antagônicas forças e incentivos institucionais. De um lado o sistema eleitoral, induzindo o comportamento individual e de outro a organização do Executivo e do legislativo induzindo a ação coletiva pela intervenção dos líderes partidários. O sistema político está em um

equilíbrio de incentivos paradoxais (Pereira e Mueller, 2003).

Segundo os autores, a chave para entender o sistema político brasileiro são os incentivos paradoxais, pois o grande dilema enfrentado pelos parlamentares brasileiros é como conciliar as duas pressões. Mais do que isto, eles sustentam que

“(...) é perfeitamente possível a coexistência do comportamento partidário dentro do Congresso e do comportamento pessoal na esfera eleitoral, principalmente por meio de políticas locais do tipo pork barrel. Como vimos, o sistema político brasileiro, condensando por um sistema eleitoral que fragiliza os partidos e regras internas que fortalecem os partidos, gera o seu próprio equilíbrio” (Pereira e Mueller, 2003).

Para Amorin Neto (2000), após cuidadoso escrutínio da composição dos ministérios, é importante chamar a atenção para mais um elemento institucional no presidencialismo brasileiro, a formação do gabinete ministerial.

“Uma alocação judiciosa dos postos ministeriais entre os partidos, baseada na regra da proporcionalidade, especialmente no início do mandato presidencial, aproxima o comportamento legislativo dos partidos que integram o gabinete multipartidário ao dos partidos em um sistema parlamentarista.” (Amorin Neto 2000)

Assim, o que se vê, nesse contexto, é um comportamento altamente disciplinado da coalizão nas votações no interior do legislativo. Há uma variação significativa nas estratégias de composição dos ministérios nesse período, mas não há exagero em afirmar que, bem ou mal, todos os presidentes, à exceção de Collor, jogaram o jogo do presidencialismo de coalizão razoavelmente bem.

Isso não quer dizer que essas colizões sejam perenes e sempre estáveis. A interpretação do autor, embora matizada, vai no mesmo sentido dos demais

“(...) o fato de um presidente brasileiro contar com uma coalizão disciplinada, em virtude da distribuição judiciosa de postos ministeriais entre os partidos não significa que ele tenha maioria no Congresso (...) quase todos os ministérios brasileiros tiveram o controle nominal de uma maioria na Câmara dos Deputados, mas os presidentes estão sempre lutando para reunir maiorias legislativas. No entanto, se o contingente parlamentar do presidente se comporta de modo disciplinado, isso certamente o ajuda a negociar uma maioria com os partidos de oposição por que lhe dá condições mais sólidas de barganha. È por isso que os presidentes que nomeiam gabinetes mais coalescentes tendem a ser mais estáveis no Brasil”. (Amorin Neto, 2000)

Esse padrão de atuação dos partidos na arena legislativa está associado, obviamente, à recuperação das prerrogativas do Poder Legislativo a partir do novo desenho institucional. Nesse mesmo contexto, não apenas os partidos mas também os interesses organizados passam a interagir no Parlamento. O quadro institucional nesse caso também provoca mudanças significativas nas relações entre estado e sociedade, e mais especificamente, entre representantes e representados.