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O Regime Militar: repressão, anéis burocráticos e surto desenvolvimentista

3. A trajetória do sistema de representação de interesses no Brasil

3.1. Corporativismo, insulamento administrativo e a formação dos anéis burocráticos

3.1.3 O Regime Militar: repressão, anéis burocráticos e surto desenvolvimentista

crescimento acelerado. Na verdade, em meio a um surto desenvolvimentista. Na política, entretanto, o retrocesso é a marca.

“Sob o impacto do surto desenvolvimentista dos anos 70, desencadeado pelos governos militares, o País experimentou mudanças profundas, transformando-se na 8ª economia do mundo e alcançando um novo patamar de industrialização” (Diniz e Boschi, 1999)

As mudanças políticas com o advento do regime militar, com era de se esperar, transformaram também as relações entre os interesses organizados e o Estado. O primeiro ponto a refletir diz respeito à forma autoritária e violenta com que foram tratados os movimentos sociais. A estabilidade inicial do regime militar logo foi substituída por uma série de demandas reprimidas, sobretudo no campo da liberdade de expressão de organização. À medida que procuravam se reorganizar em torno da defesa de seus interesses, as organizações da sociedade civil eram duramente reprimidas e controladas. Por outro lado, o bipartidarismo forçado reunia sob a sigla do MDB as muitas facções de esquerda, enquanto que a ARENA, partido de apoio ao regime, dava sustentação aos militares.

O Congresso foi, dessa forma, sendo progressivamente controlado e, além de controlado, progressivamente esvaziado, tendo inclusive muitos de seus membros cassados, além, é claro, da retirada de uma série de suas prerrogativas institucionais com a Constituição de 1967. Entre as importantes características do desenho insitucional que nacionais em troca da preservação de tais práticas clientelistas. Assim, superando algumas visões, o que vemos na verdade é que o período não foi, tal como a anterior, marcado pela exclusão do Congresso Nacional. Na verdade as relações Executivo-legislativo no período foram muito mais de apoio, de delegação, do que de abdicação. Amorim Neto e Santos (2001) suprem uma lacuna da literatura acima citada ao analisarem as taxas de disciplina partidária em todas as votações nominais do Congresso Nacional no período de 46-64. Diante dos dados, estabelecem os determinantes da disciplina partidária deste período e confirmam uma hipótese bastante esclarecedora, a de que a disciplina partidária no Brasil deve ser explicada principalmente pelas estratégias dos presidentes para a formação de coalizões parlamentares por meio da distribuição de recursos de patronagem. (Amorim Neto e Santos, 2001).

esvaziava o legislativo estavam: o poder de decreto do Executivo que, caso não apreciado no prazo, obtinha aprovação definitiva por “decurso e prazo”; a iniciativa exclusiva do Executivo em matéria financeira; além do fato de que qualquer iniciativa do Executivo tramitava em condições especiais e com prazos encurtados (Boschi, Diniz e Santos, 2000). Como conseqüência disto

“a distância do Congresso, vis-a-vis o processo decisório, torna o apoio dos partidos à presidência menos importante do que era no período anterior a 1964” (Boschi, Diniz e Santos, 2000).

Por outro lado, registram os autores, que enquanto no período anterior o Parlamento era “rota obrigatória de passagem” para os quadros do governo, no período da ditadura a estratégia foi indicar ministros “sem vínculos com o mundo da representação político-partidária, além de diminuir o papel do Congresso como escola de socialização política” (Boschi, Diniz e Santos, 2000).

No que diz respeito à representação de interesses, já naquele momento as mudanças sociais apresentavam uma “evolução para um sistema híbrido, caracterizado pela coexistência de antigas e novas configurações organizacionais e institucionais” (Diniz e Boschi, 1999). O padrão dual da representação de interesses já começava a dar sinais.

Segundo Cardoso (1975), naquele momento as decisões políticas que realmente interessavam não passavam pelas estruturas tradicionais, como os partidos e o Parlamento, por exemplo. Isso porque havia um vínculo entre setores empresariais e setores da burocracia, constituindo aquilo que o autor denominou de anéis burocráticos. Chamando, inclusive, a atenção para o risco, naquele momento, da manipulação dos grupos de poder em detrimento da participação política.

Em seu recente trabalho de revisão da literatura, Mancuso apresenta resumidamente a idéia de anéis burocráticos elaborada por Cardoso (1975) para descrever as relações entre o empresariado e o Executivo

Segundo Cardoso, a burguesia industrial não participou diretamente, sob o regime militar, da “fração dirigente do topo do aparelho de Estado”, círculo restrito aos próprios militares e aos tecnoburocratas. No entanto, os grandes empresários do setor industrial participaram de decisões do Estado por meio dos “anéis burocráticos”, alianças momentâneas que os uniam a burocratas de agências governamentais e/ou a administradores de empresas públicas, em torno de questões específicas. (Mancuso, 2007).

Em resumo, os dois comportamentos que podem ser apontados como uma marca registrada da trajetória de representação de interesses no Brasil também aqui estão. O

primeiro é o padrão dual da representação dos empresários, sempre combinando pragmaticamente a participação via aparato estatal burocrático e, também, via organizações representativas e seus interesses. A outra regularidade é a fraqueza dos partidos políticos. Pela baixa institucionalização os partidos nunca conseguiram ser canais de representação de interesses as sociedade.

Num contexto de surto desenvolvimento, ou o milagre econômico, se preferir, o estado desenvolvimentista segue sua trajetória até que os choques do petróleo impõem duras restrições econômicas ao mundo e ao Brasil e, quando se iniciam os movimentos em favor da redemocratização, o cenário é de crise. Como se verá, os momentos posteriores são marcados por uma verdadeira mudança de contexto, forçando as empresas a buscar o mercado externo e interno.

Nos anos 80 inicia-se o processo de abertura política, com a reforma partidária, em 1985 as eleições para governador logo depois a campanha pelas diretas e em seguida a Assembléia Nacional Constituinte, em 1987/1988. Nesse momento a sociedade civil participou fortemente em defesa de suas liberdades políticas e da garantia de direitos sociais. A ampla participação da sociedade civil na Constituinte já dava sinais de que as organizações mudariam. Já nesse momento surgiam novos partidos e os industriais e a sociedade civil como um todo também aí tiveram um papel importante.