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2 DA REPRESENTAÇÃO E DE SEUS LAÇOS COM A AÇÃO E COM A IMAGEM

2.2 A REPRESENTAÇÃO COMO CONCEITO NA PSICANÁLISE E NAS PSICOLOGIAS COGNOSCITIVA E SOCIAL

2.2.5 A representação e a moderna Psicologia Social: Serge Moscovic

Alguns comentadores — talvez ansiando, legitimamente, que a teoria alcance o nível da explicação — costumam asseverar que Serge Moscovici não propõe uma definição do conceito de representação social, sobre o qual erige uma escola, a partir dos estudos que engendraram o seu La psycanalyse: son

image et son public (1961). De fato, da leitura de sua tradução brasileira, que

corresponde à primeira parte de sua tese, pode-se admitir que, da profusão de elementos empíricos mobilizados e do rigor argumentativo a que eles são submetidos, seria justo admitir que o anseio pelo nível explicativo tem fundamentos bem razoáveis. Afinal, é de Moscovici, no fecho da sua obra seminal, a afirmação de que “o papel imediato dos conceitos e das interpretações que expusemos foi o de relatar o material recolhido, ordená-lo e elucidá-lo para os leitores” (1978, p. 291). Todavia, é a própria evolução posta em movimento, no campo da Psicologia Social, pelo estudo de Moscovici, que serve de evidência mais que suficiente para nos perfilar no acerto que consiste em uma posição mais equilibrada: Moscovici propõe-nos, de fato, uma teoria e, sob este aspecto, o conceito de representação social é exemplarmente investigado e dessa obra inaugural, publicada na alvorada dos anos 60, emergem importantes aproximações definitórias deste fenômeno.

Em suas observações preliminares, Moscovici retoma Émile Durkheim, que, em As regras do método sociológico, cunha a expressão representação

incontornável para a sociologia da época, entre individual e social. Durkheim, como Moscovici esclarece, fugia, contudo, do reducionismo, ao pontificar que assim como a representação no indivíduo era fenômeno psíquico sem reduzir-se à idéia contida na noção de atividade cerebral, que todavia a circunscreve, a idéia de representação coletiva não seria a mera soma de todas as representações individuais de uma dada sociedade (1978, p. 25). Mas é fato que Durkheim conclui pela necessidade de a Psicologia Social descrever o modo particular como essas representações se “atraem e se excluem, se fundem umas com as outras ou se distinguem” (DURKHEIM citado por MOSCOVICI; 1978, p. 25).

O psicossociólogo romeno, todavia, não descura do cuidado metodológico, atendendo às recomendações do eminente sociólogo do século XIX:

Ao se abordar esse estudo, percebe-se que a noção precisa ser circunscrita com maior rigor. Toda representação é composta de figuras e de expressões socializadas. Conjuntamente, uma representação social é a organização de imagens e linguagem, porque ela realça e simboliza atos e situações que nos são ou se nos tornam comuns. Encarada de um modo passivo, ela é apreendida a título de reflexo, na consciência individual ou coletiva, de um objeto, de um feixe de idéias que lhe são exteriores. A analogia com uma fotografia captada e alojada no cérebro é fascinante; a delicadeza de uma representação é, por conseguinte, comparada ao grau de definição e nitidez ótica de uma imagem. É nesse sentido que nos referimos, freqüentemente, à representação (imagem) do espaço, da cidade, da mulher, da criança, da ciência, do cientista, e assim por diante. A bem dizer, devemos encará-la de um modo ativo, pois seu papel consiste em modelar o que dado do exterior, na medida em que os indivíduos e os grupos se relacionam de preferência com os objetos, os atos e as situações constituídos por (e no decurso de) miríades de interações sociais. Mas essa reprodução implica um remanejamento das estruturas, uma remodelação dos elementos, uma verdadeira reconstrução do dado no contexto dos valores, das noções e das regras, de que ele se torna doravante solidário. Aliás, o dado externo jamais é algo acabado e unívoco; ele deixa muita liberdade de jogo à atividade mental que se empenha em empreendê-lo. A linguagem aproveita-se disso para circunscrevê-lo, para arrastá- lo no fluxo de suas associações, para impregná-lo de suas

metáforas e projetá-lo em seu verdadeiro espaço, que é simbólico. Por isso, uma representação fala tanto quanto mostra, comunica tanto quanto exprime. No final das contas, ela produz e determina os comportamentos, pois define simultaneamente a natureza dos estímulos que nos cercam e nos provocam, e o significado das respostas a dar-lhes. Em poucas palavras, a representação social é uma modalidade de conhecimento

particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos. (1978, p. 25-26, grifos do

autor).

Nesta curta passagem, podemos identificar como Moscovici mobiliza, no arco definitório-conceitual da representação, a imagem, a linguagem, o processo “em entrada” e “em saída” e, sutilmente, na admissão do jogo das interações sociais, até mesmo a encenação dramatúrgica, além de pôr em evidente relevo um caráter de regulação dos comportamentos sociais, regulação esta que, de alguma forma, estaria contida nas noções complementares de processo “em entrada” e processo “em saída”, embora considerada apenas quanto à remodelação que imporiam aos processos psíquicos, portanto, internos.

É importante, ao situar sua contribuição teórica, observar como Moscovici encara o conceito de imagem, que difere da noção de reflexo passivo da realidade exterior. Recusa-se, com veemência, a analogia com a fotografia, como se percebe no trecho citado acima, mas seu ponto de vista se esclarece, com maior exatidão, na passagem que citamos a seguir:

Podemos supor que essas imagens são espécies de “sensações mentais”, de impressões que os objetos e as pessoas deixam em nosso cérebro. Ao mesmo tempo, elas mantêm vivos os traços do passado, ocupam os espaços de nossa memória para protegê- los contra a barafunda da mudança e reforçam o sentimento de continuidade do meio ambiente e das experiências individuais e coletivas. Pode-se, para esse efeito, revocá-las, reanimá-las no espírito, do mesmo modo que comemoramos um evento, evocamos uma paisagem ou contamos um encontro que teve lugar outrora (1978, p. 47).

Ainda mais vantajosa, na formulação do renomado psicossociólogo, é essa compreensão que invalida o espaço de corte ou ruptura entre a realidade interior e exterior ao indivíduo. Para Moscovici, objeto e sujeito não são categoricamente heterogêneos em seu campo comum, uma vez que o contexto que emoldura o objeto é fruto, mesmo que apenas parcialmente, da concepção do indivíduo ou da coletividade. Assim, as representações sociais são vistas sob um prisma que lhes realça o dinamismo de seu conjunto, cujo status “[...] é o de uma produção de comportamentos e de relações com o meio ambiente, de uma ação que modifica aqueles e estas, e não de uma reprodução desses comportamentos ou dessas relações [...]” (1978, p. 50).