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2 DA REPRESENTAÇÃO E DE SEUS LAÇOS COM A AÇÃO E COM A IMAGEM

2.1 A REPRESENTAÇÃO COMO CONCEITO NA TEORIA POLÍTICA

2.1.1 As diversas origens do termo

Hanna Fenichel Pitkin é uma das pensadoras mais empenhadas na reflexão contemporânea dos problemas conexos à questão da representação como atividade política. Isto bem demonstra o seu The concept of the representation (2006b), publicado em 1967. Nele, acompanhamos uma sistematização ampla, de caráter filológico-etimológico, que abarca a origem e evolução do termo em inglês, francês, alemão e latim.

O idioma alemão, por exemplo, possui três palavras que são freqüentemente traduzidas por termos ingleses derivados do radical represent-. A primeira delas, darstellen, possui em alemão um sentido próximo a retratar, pôr

algo no lugar de. Já o vocábulo vertreten ocorre quando se deseja expressar algo

como estar atuando no lugar de alguém, atuar como agente para alguém. Por fim, repräsentieren ocorre em contextos nos quais vertreten não traduz adequada e simultaneamente uma conotação elevada e um sentido rigidamente formal. Percebe-se, de imediato, a imprecisão oriunda de uma tradução sistemática, por exemplo, que opte sempre pelo mesmo termo inglês, represent39.

O Oxford English Dictionary, segundo Pitkin, registra o aparecimento de

represent no século XIV, quando o termo significava trazer a própria pessoa, ou outra pessoa, à presença de alguém, simbolizar ou encarnar concretamente

[alguém] ou trazer à mente [de alguém]. Um século depois, o verbo passaria

39

Uma síntese da obra de Hanna Pitkin foi publicada em português, no Brasil, em 2006. Cf. PITKIN, Hanna Fenichel. Representação: palavras, instituições e idéias. Lua nova, São Paulo, n. 67, p. 15-47, 2006a.

também a designar os conteúdos semânticos próprios de retratar, figurar ou

delinear e passa a empregar-se também relativamente a objeto inanimados. Neste

mesmo século XV, “surge” o sentido de figuração no palco e o vocábulo

representation, significando imagem, figura ou pintura.

Ocorre que, em latim, o termo repraesentare significa tornar presente ou

manifesto, apresentar novamente e seu uso no latim clássico se restringe a seres

inanimados. “Pode significar torná-los literalmente presentes, trazê-los à presença de alguém. Também pode significar apresentar-se à corte em resposta a uma convocação; literalmente, tornar-se presente.” (PITKIN, 2006a, p. 17). Entre as inúmeras outras significações elencadas por Pitkin, nenhuma se refere a uma pessoa representando outras ou o Estado. Todavia, na Idade Média, paralelamente, a atividade dos canonistas, no século XIII, começa a captar um sentido prático para o conceito teológico da encarnação mística: o pensamento eclesiástico alegórico se prepara para parir a idéia de representação como princípio organizador da autoridade na vida religiosa comunal. Raia, nesse horizonte, um sentido primitivamente político para o termo representação, e papa e cardeais passam a ser tomados como representantes da pessoa de Cristo e dos apóstolos.

Tal desenvolvimento é semelhante ao ocorrido no idioma francês, em que, segundo Pitkin registra no Littré, répresenter somente passa do estágio em que “objetos inanimados encarnam abstrações” para significar algo como “pessoas agindo por outras” a partir do século XIII.

Tal síntese etimológica inicial é importante, em nossa pesquisa, por compartilharmos da concepção pitkiniana de que para

... compreender como o conceito de representação entrou no campo da agência e da atividade política, deve-se ter em mente o desenvolvimento histórico de instituições, o desenvolvimento correspondente no pensamento interpretativo sobre aquelas instituições e o desenvolvimento etimológico dessa família de palavras. (PITKIN, 2006a, p. 21)

Sob esse aspecto, é bastante pertinente a consideração do caso inglês. Quando convocados pelo Rei, cavaleiros e burgueses reuniam-se no Parlamento com o próprio Rei e com os lordes. Acredita-se que, inicialmente, tal estratégia tinha conteúdo legitimatório, tanto do ponto de vista administrativo quanto político, sobretudo quando se tratava de dar consentimento à cobrança de tributos e para levar de volta as decisões às comunidades de que provinham os convocados. Do tensionamento causado pela presença de cavaleiros e burgueses no Parlamento, na passagem do século XIV ao XV, em virtude de as comunidades começarem a entender que podiam se servir daquela situação para apresentar queixas ao Rei, avançou-se para a interpretação de que cavaleiros e burgueses “começaram a ser vistos como servidores ou agentes de suas comunidades. Eles eram pagos pelas comunidades e, quando retornavam, podiam ser solicitados a prestar contas do que haviam feito no Parlamento.” (PITKIN, 2006a, p. 22). Não demorou para que o poder de comprometer suas comunidades fosse sendo restrito e que, excepcionalmente, a comunidade devesse ser consultada antes de o enviado comprometer-se, por exemplo, com o consentimento a um tributo atípico. Posteriormente, cavaleiros e burgueses percebem que têm interesses comuns e passam a agir em conjunto, diminuindo a freqüência com que apresentavam petições separadamente. Freqüentemente, agiam em oposição ao monarca, situação que vinha se desenvolvendo mais acentuadamente depois de que se passou a considerá-los “membros” do Parlamento. Pitkin acrescenta que esse desenvolvimento:

culminou no Período da Guerra Civil, do Protetorado e da República (Commonwealth), quando não havia Rei ao qual se opor ou com o qual consentir. Repentinamente, havia apenas o Parlamento para governar a nação e para escolher o líder do governo, em nome da nação. (PITKIN, 2006a, p. 23)

Podemos afirmar que, no aspecto da evolução semântica do termo, gradualmente, o sentido tardio de “pôr-se no lugar de outros” apresentou uma derivação importante: “agir em lugar de outros”, “atuar para outros”, ou seja, o sentido de agência legal, ainda plenamente ligado ao Parlamento e seus membros. Agrega-se, contudo, que tal derivação não deve ser entendida, inicialmente, como o vínculo do representante com o representado. Seu valor mais proeminente é o da “autoridade, poder e prestígio”. (PITKIN, 2006a, p. 27)