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A responsabilidade na formação do sujeito criança

3 “BALÉ DOS CONCEITOS” NA FORMAÇÃO DO SER-SUJEITO-CRIANÇA: APORTES TEÓRICOS PARA UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITUAL

6 A EDUCAÇÃO FILOSÓFICA FREIREANA COM CRIANÇAS

6.2. Elementos metodológicos na formação do ser-sujeito-criança

6.2.4. A responsabilidade na formação do sujeito criança

Dentre os traços característicos de uma educação freireana está a responsabilidade. Paulo Freire (2004, p. 290) nos diz que cada um de nós tem que ter a responsabilidade com o mundo. “Você é tão responsável pelo mundo quanto eu, quanto você outro, só que em níveis

diferentes. Nós somos essa responsabilidade”. A responsabilidade é tarefa indispensável na prática educativa, seja ela qual for e no ensino de filosofia com crianças não se dá diferente.

Para a Educadora B ensinar e aprender são tarefas que demandam intensa responsabilidade. destacou um ponto que às vezes é esquecido pelo professor, que este é uma referência para o aluno, informando ser importante nos manter constantemente vigilantes sobre o que dizemos ou fazemos na sala de aula.

Todo professor tem um papel importante na vida de uma criança, para ela o professor é alguém sábio, então tudo o que ele fizer terá um reflexo direto com a vida da criança. (Ed. B).

Nesta linha reflexiva, a Educadora C cita algo que todas as pessoas que objetivam trabalho com seres humanos precisariam ter em mente: investigar, mas dar o retorno para os pesquisados. Realça ao mesmo tempo, que enquanto integrante do GETEFF-NEP, busca formas para que os educandos pratiquem a leitura do mundo deles. Esta empreitada pode a princípio parecer bucólica, mas não é. Fazer com que crianças que estão “acostumadas” à sua vida a inventem de uma outra forma é entrar em um campo que exige cuidado e preparação dos educadores freireanos.

A minha responsabilidade, além de pesquisar e dar um retorno à sociedade, fazendo que com que a universidade se integre a ela, é permitir ao educando a leitura de mundo, do seu mundo. Infelizmente não pudemos dar uma devolutiva do nosso trabalho na Ida Oliveira, missão que eu considero como pendente para toda a vida [...] Na época em que o GETEFF atuava na Ida Oliveira, a professora R. dialogava conosco sobre os integrantes da turma e demais personagens que faziam parte do universo da escola, porém não participava de nossas atividades e entregava a turma em nossas mãos, sob nossa responsabilidade. Creio que se ela tivesse participado mais poderíamos ter feito um trabalho ainda melhor. (Ed. C).

Paulo Freire (1997, p.32) expressa que “podemos, também, com nossa responsabilidade, preparo científico e gosto do ensino, com nossa seriedade e testemunho de luta contra as injustiças, contribuir para que os educandos vão se tornando presenças marcantes no mundo”.

De posse dessas informações todos (as) os (as) educadores (as) responderam de maneira afirmativa que se sentiam responsáveis pelo GETEFF-NEP e pelos sujeitos crianças. A Educadora L enuncia duas responsabilidades enquanto participante do GETEFF-NEP: o ato de valorizar as crianças com que se trabalha e isso implica interesse sincero no que elas/eles têm a dizer e a mostrar, e também, uma vigilância no Grupo afim de que as práticas educativas e filosóficas sejam incluídas e estimuladas. Neste caso, a união e a colaboração dos integrantes tornam-se fundamental. Ela expressa porque considera importante:

Quando fui educadora do GETEFF a minha responsabilidade era desenvolver uma prática que vislumbrasse a participação e valorização dos sujeitos, compreendendo suas dimensões humanas. Tinha também como responsabilidade, manter uma vigilância epistemológica rigorosa com o trabalho desenvolvido no/com o grupo. Sempre fortalecendo o sentido de práticas coletivas[...] Não teria como não se sentir responsável. Tudo o que se falava e fazia necessitava de um preparo acadêmico/intelectual. Como mencionei antes, a vigilância era uma constante, o cuidado ético com a criança e com a sua fala era primordial. A principal responsabilidade era quanto a formação educacional e humana das crianças. (Ed. L).

Planejar com rigor e seriedade, conforme o Educador S implica em um trabalho educativo que se direciona para a formação humana:

Minha responsabilidade como educador do GETEFF esteve pautada em contribuir na formação humana da criança, respeitando-a enquanto “outro” e não como um “mesmo”. Esta premissa traz como corolário outras responsabilidades, como a de, por exemplo, planejar com rigor e seriedade as atividades propostas respeitando o universo cultural imediato das crianças, mas procurando contribuir em uma formação humanizante, crítica, e da autonomia. Aliás, esse é o motivo pela qual me sentia, responsável pelas crianças, observando-se o limite de atuações enquanto membro do GETEFF. (Ed. S).

Portanto, olha-se para um processo interessante, no qual a reflexão crítica proporciona uma ‘responsabilidade ética, política e profissional’, descrita por Freire (1997, p. 19):

O fato, porém, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo conteúdo não deve significar, de modo algum, que o ensinante se aventure a ensinar sem competência para fazê-lo. Não o autoriza a ensinar o que não sabe. A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe colocam o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação, sua formação, se tornem processos permanentes. Sua experiência docente', se bem percebida e bem vivida, vai deixando claro que ela requer uma formação permanente do ensinante. Formação que se funda na análise crítica de sua prática.

Este entendimento faz com que compreendamos as palavras da Educadora L e do Educador S, para quem a principal responsabilidade era quanto a formação educacional e humana das crianças, e é isto o que o GETEFF visa.

Os (as) educadores (as) comumente se perguntam de que maneira o tema a ser discutido com os (as) educandos (as) irá beneficiar a formação humana, ética e educativa? Se na escola não se ensina a praticar a discriminação, a violência, os maus tratos aos diversos seres, onde as crianças aprendem? E mais que isso, que tipo de educação estão recebendo na escola? Aliás, o que aprendem é educação ou instrução conteudista? O que estamos fazendo para contribuir com essa formação educacional e humanista? Estas são perguntas que envolvem este trabalho.

Freire (1997) nos mostra que a responsabilidade dos (as) educadores (as) perante as pessoas com quem se envolvem é muito grande.

A responsabilidade que temos, enquanto seres sociais e históricos, portadores de uma subjetividade que joga papel importante na História, no processo deste

movimento contraditório entre autoridade e liberdade, é de indiscutível importância.

Responsabilidade política, social, pedagógica, ética, estética, científica. Mas, ao reconhecer a responsabilidade política, superemos a politiquice, ao sublinhar a responsabilidade social, digamos “não” aos interesses puramente individualistas, ao reconhecer os deveres pedagógicos, deixemos de lado as ilusões pedagogistas, ao demandar a eticidade, fujamos da feiura do puritanismo e nos entreguemos à invenção da boniteza da pureza. Finalmente ao aceitarmos a responsabilidade científica, recusemos a distorção cientificista. (FREIRE, 1997, p. 77-78).

Segundo os dizeres da Educadora B, uma de suas ansiedades é fazer nas aulas atividades que instiguem a criatividade, a estética e que façam os (as) educandos (as) compreenderem a diversidade de artes que nos cercam.

Elaboração de planos de aula e atividades artísticas, com ênfase em Estética [...] Quando construímos um forte laço empático com os educando, muitas crianças nos têm como exemplo. Isto faz com que eu me esforce em dar o meu melhor tanto como uma educadora de filosofia, como pessoa. (Ed. B).

A relação afetiva merece destaque no que concerne à relação de responsabilidade entre professores e alunos. Para a Educadora B, isso faz com que ela se esforce em dar o que há de melhor em si, como pessoa e como educadora de filosofia.

Outra questão mencionada foi a problematização da realidade. Nisto, a Educadora E se sente responsável pelas crianças com quem trabalha e por isso busca realizar nos Encontros uma formação que contemple os (as) educandos (as) no que se refere a buscar alternativas no próprio cotidiano de mudar seu mundo, a tornar-se um cidadão consciente e a viver da melhor forma imaginável na sociedade.

A responsabilidade está em trabalhar com os educandos uma educação problematizadora da realidade em que vivem, incentivando-os a ser além de crítico um ser que busca agir de forma a melhorar o mundo ao seu redor. Aprender a ser ético, a ter empatia, tornar-se cidadão, de forma a viver bem em sociedade. (Ed. E).

A responsabilidade está conectada à liberdade, que na concepção do Educador D alicerça o trabalho de filosofia com crianças. Em suas palavras, a presença do GETEFF-NEP contribui para a formação dos sujeitos crianças no que concerne à sua vida, porque de alguma forma exercemos influência sobre elas, e é uma influência de vida, que vai além da situação da sala de aula. Importante são as palavras do Educador porque revelam o comprometimento dos (as) educadores (as) com os (as) educandos (as).

A responsabilidade é grande, e ela reside no fato de que contribuímos na formação dessas crianças, porque de algum modo nós a influenciamos. Formação que não é apenas escolar, mas formação de vida, para a vida. A responsabilidade está em que ajudamos na construção de um ser humano. Isso ninguém nunca disse que é fácil. A responsabilidade

está, como o termo já diz, em educar. E o que seria educar senão ajudar, dar a mão, caminhar junto, não reprimir, não abandonar, prezar pelo humano? A responsabilidade está em que defrontamos com a base, com aqueles que serão o mundo adulto. (Ed. D).

Analisando as respostas, o Educador D ainda revela algumas astúcias acerca das crianças, que segundo ele, “esperam” pelos Encontros.

Apesar de apenas uma vez por semana, a responsabilidade está em que as crianças esperam de e por nós. Não são todas as crianças que contagiamos, mas as poucas que podem nos encontrar um dia e dizer “professor, professora, você marcou minha vida” expressam a responsabilidade que temos. (Ed. D).

Assim, afirma que cada Encontro é em si, uma responsabilidade, uma provocação e uma oportunidade que traz consigo uma gama de diferenças e saberes próprios da afinidade humana entre adultos e crianças. Ele acrescenta:

Com toda certeza. Cada Encontro é sempre uma responsabilidade, um novo desafio e uma nova oportunidade. Cada Encontro tem suas particularidades, com emoções e exigências próprias. (Ed. D).

Notamos a responsabilidade abarcada pelos educadores e educadoras do GETEFF– NEP, na qual realizam este ensino de uma forma amorosa, lembrando que professores (as) são referências para seus (suas) educandos (as). Permanecem apreciando os saberes e problematizando a realidade social e emocional que estas crianças, não esquecendo, especialmente, que o ensino precisa se realizar de uma forma provocante da dignidade destes seres humanos, pois só assim se estará realizando uma filosofia freireana.

A grande importância de se analisar como válido e extremamente atual, quer seja para o Brasil como para outros inúmeros países, nos quais Paulo Freire foi pessoalmente, ou que seus escritos chegaram, é que a mudança do ser sujeito negado, oprimido passa pelos contextos históricos nos quais estes seres humanos estão inseridos.

A formação freireana está associada a uma prática de liberdade, e assim, entende-se que ela atua diretamente nas atividades culturais e tem como principal intencionalidade a intervenção e a modificação da realidade social injusta e desumana, visando o oposto, em se tratando do Brasil, um país mais humano e justo.

Por isso, considera-se de grande relevância contribuir para o desenvolvimento do ser- sujeito-criança através da educação filosófica. Para concretizar esse trabalho, os (as) educadores (as) do GETEFF-NEP desempenham, como vimos, os planejamentos que melhor se adéquam à realidade social, cultural e infantil dos (as) educandos (as) com quem se trabalha. Para tanto, diversas são as estratégias pedagógicas realizadas nos Encontros com as crianças que viabilizam a prática da educação popular em escolas públicas.

Educadoras e educadores freireanos também citaram como se sentem ao assumirem a responsabilidade no ensino de filosofia com crianças e quais seus desafios e realizações pessoais ao aprenderem e ensinarem com seus alunos (as). Em concordância com os pressupostos de Paulo Freire, todos nós somos responsáveis por aqueles com quem nos envolvemos. É neste sentido, que ao avaliarem o ensino de filosofia com crianças e adolescentes, avaliam através do diálogo, da pergunta e analisando a realidade das crianças, buscando alternativas para melhorar a prática e não para punir, acolhendo os (as) alunos (as), amando-os (as), compreendendo-os (as).

A contribuição para a formação do ser-sujeito-criança durante o processo educativo filosófico é notável, pois estes pequenos seres humanos passam a participar das atividades considerando a diversidade de colegas,a respeitar mais as pessoas que os rodeiam, dando a vez quando necessário, sendo pacientes, ouvindo, mas esperando o momento de falar, não brigando, ajudando, conversando.

Nesta perspectiva freireana de imaginar e vivenciar a educação como um processo, e de entender o ser humano, e neste inclui-se as crianças como seres em constante formação e inacabamento, o GETEFF-NEP atuando na escola pública e em outros espaços educacionais pode contribuir para que essa consciência de que estamos sendo se expanda e considere as crianças enquanto crianças, tratando-as com consideração e observando suas particularidades, posto que ainda não são adultos, muito menos adulto em miniaturas, como avalia Rousseau, mas são crianças e devem ser ensinadas, vistas e amadas como tal.

Afirma-se, portanto, que em Paulo Freire, a educação implica uma atitude formativa, onde os sujeitos envolvidos no processo se redescobrem com sujeitos históricos, dando sentido para a sua existência, reconstruindo o seu destino.

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