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A utilização dos princípios freireanos na prática pedagógica

3 “BALÉ DOS CONCEITOS” NA FORMAÇÃO DO SER-SUJEITO-CRIANÇA: APORTES TEÓRICOS PARA UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITUAL

6 A EDUCAÇÃO FILOSÓFICA FREIREANA COM CRIANÇAS

6.1 Os princípios freireanos na formação do sujeito criança

6.1.2 A utilização dos princípios freireanos na prática pedagógica

Os princípios enunciados por Paulo Freire são colocados em práticas no ensino de filosofia com crianças de distintas formas. Deseja-se que elas aprendam não apenas ouvindo, mas vivenciando. Para que isto ocorra, nos planejamentos, os (as) educadores (as) buscam meios de sempre introduzir nas temáticas estudadas, metodologias que abarquem vídeos, músicas, jogos, brincadeiras, incitando uma relação de mais proximidade entre os (as) educandos (as). Para Antunes (2004, p. 35):

Não se separa a ideia do brincar da ideia do aprender e, dessa forma, brincando e jogando, a criança constrói conceitos, explora sua criatividade, inventa e reinventa, transformando a realidade de seu entorno, de suas emoções e de seu corpo.

Conforme a Educadora E, o uso dos princípios freireanos se apresenta na convivência com as crianças. Neste aspecto concorda a Educadora M ao analisar que é na ação que os princípios humanos éticos se realizam. Não estagnam no momento da aula, eles estão presentes nas relações diárias, nas deliberações que se toma, nas opções que se faz. Para as educadoras:

A ação é o elemento crucial para viver os princípios freireanos. Os princípios são praticados por mim não só no momento educativo, mas no exercício diário. (Ed. M). Esses princípios são utilizados na convivência junto aos alunos, assim como nas atividades repassadas e construídas junto aos alunos em sala de aula. (Ed. E).

A Educadora C, declara que a proposta pautada na teoria freireana contribui para que os (as) educandos (as) reflitam sobre a realidade na qual vivem, averiguando o porquê de acontecerem como acontecem as coisas ao seu redor, ou serem o que são, e pensando sobre as consequências desta situação atroz e desumana que transcorre por muitas vidas de crianças de áreas populares. A Educadora nos diz:

Não basta entregar tudo mastigado ao educando, pois para ele se assumir como dono da própria história, do próprio destino, é preciso que ele pense sobre a sua realidade e o meio em que está inserido. (Ed. C).

As expressões do Educador D se direcionam para fazer-nos entender que é aos poucos que o ensino de filosofia vai conquistando o ambiente e a confiança das crianças. Segundo ele, para conhecer a realidade das crianças é necessário ter cuidado, ser ponderado, para não ser invasivo, pois apenas quando elas acreditam é que dizem o que pensam, o que as faz ter medo, o que sonham.

Estes princípios são aglutinados nas práticas pedagógicas de várias formas. Primeiramente, buscamos conhecê-las, sem invadir sua privacidade, procuramos ouvir seus anseios, seus desejos, o que querem, o que sonham. Aos poucos vamos dialogando com as crianças, criando situações para que pensem sua realidade social, perguntando “porque isso e não aquilo”, “você acha que isso está certo”, “será que não poderia ser de outro jeito”. Assim, os princípios freireanos são nortes para explorarmos o potencial dessas crianças, incutir o caráter reflexivo nelas, atraí-las para a percepção crítica a partir da realidade social em que vivenciam. Tudo isso com doses de esperança, porque se uma ou duas crianças mostram resultado do nosso trabalho já nos é de grande satisfação. (Ed. D).

O Educador D também assevera que “os princípios freireanos são nortes para explorarmos o potencial dessas crianças”. Isto é, a prática freireana norteadora do trabalho do GETEFF-NEP permite que crianças aprendam com mais reflexão, alegria, criticidade e deste modo elas se expõem e falam como são, e não exclusivamente o que o educador quer ouvir ou ver.

Acentua que na realização das atividades filosóficas, educadores e educadoras também aprendem com as crianças. Certamente, as crianças também ensinam. E esta afirmação está de acordo com os dizeres de Freire (1996) quando ele revela:

É por isso, repito, que ensinar não é transferir conteúdo a ninguém, assim como aprender não é memorizar o perfil do conteúdo transferido no discurso vertical do professor. Ensinar e aprender têm que ver com o esforço metodicamente crítico do professor de desvelar a compreensão de algo e com o empenho igualmente crítico do aluno de ir entrando como sujeito em aprendizagem, no processo de desvelamento que o professor ou professora deve deflagrar. Isso não tem nada que ver com a transferência de conteúdo e fala da dificuldade, mas, ao mesmo tempo, da boniteza da docência e da discência. (FREIRE, 1996, p. 118-119).

É importante destacar que em relação aos conteúdos escolares não podemos confrontar uma criança com um professor, contudo, é possível aprender coisas que nem se imaginam, unicamente deixando a criança demonstrar.

Fazemos isso buscando ajudá-las, descobrindo elas e nos descobrindo também, uma vez que não estamos nos Encontros para meramente ensinar o que sabemos, mas para aprendermos juntos, porque as crianças também sabem e nos ensinam. (Ed. D).

Diálogo e pergunta são princípios indispensáveis para o ensino de filosofia com crianças. E para que a pergunta e o diálogo se realizem é fundamental a utilização de diferentes princípios éticos humanos freireanos. Como declara o Educador S:

Para ocorrer o diálogo freireano é preciso haver uma confluência de categorias relacionais mobilizadas por um objetivo comum: contribuir no processo educativo libertador do ser humano. Essa é a razão pelo qual para existir diálogo, antes é preciso respeitar o momento das falas de cada um. O respeito também evoca outra importante categoria relacional ao diálogo: o escutar8. Com base nesses pressupostos, o diálogo contribui para uma educação para a alteridade. Na prática pedagógica do GETEFF utilizávamos técnicas de dinâmica de grupo que envolvesse os educandos em atividades de colagem, recorte, representações desenhadas, leituras coletivas, interpretações de situações. Em todas essas atividades interpessoais o diálogo figurava como categoria central.

O Educador S assinalou o ato de escutar em consonância com o que afirma Ana Freire (1999, p. 147), para quem “escutar o Outro, escutar o povo não é só ouvir sons emitidos. É ouvir a voz de dor das necessidades, recolhê-la, comparti-la e devolvê-la, sistematizada pela reflexão rigorosa e dialeticamente comprometida com o povo”. A autora complementa: ouvir o Outro, “é sentir, sofrer junto, entender, pensar e apresentar soluções de superação. Nunca prescrições, receitas ou “pacotes” prontos” (idem).

Fundamentados na perspectiva de Freire (1996), escutar as crianças é sinônimo de consideração às diferenças. É também sinônimo de valorização do ser que quer lhe falar. Ao escutar as dúvidas e os receios das crianças, se aprende a falar com elas. Nas palavras de Freire (1996, p. 119):

Escutar é obviamente algo que vai mais além da possibilidade auditiva de cada um. Escutar, no sentido aqui discutido, significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro. Isto não quer dizer, evidentemente, que escutar exija de quem realmente escuta sua redução ao outro que fala. Isto não seria escuta, mas auto-anulação. A verdadeira escuta não diminui em mim, em nada, a capacidade de exercer o direito de discordar, de me opor, de me posicionar. Pelo contrário, é escutando bem que me preparo para melhor me colocar ou melhor me situar do ponto de vista das ideias. Como sujeito que se dá ao discurso do outro, sem preconceitos, o bom escutador fala e diz de sua posição com desenvoltura. Precisamente porque escuta, sua fala discordante, em sendo afirmativa, porque escuta, jamais é autoritária.

Esta maneira de pensar, respeitar e aceitar a diferença é uma dessas virtudes freireanas sem as quais, a escuta não pode acontecer. “Se discrimino o menino ou menina pobre, a menina ou o menino negro, o menino índio, a menina rica [...] não posso evidentemente escutá-las”, é o que ajuíza Freire (1996, p. 120), ao que ele continua dizendo:“e se não as escuto, não posso falar com eles, mas a eles, de cima para baixo. Sobretudo, me proíbo entendê-los. Se me sinto superior ao diferente, não importa quem seja, recuso-me escutá-lo ou

escutá-la”. (FREIRE, 1996, p. 120-121).

Outro quesito freireano é a pergunta e sobre o emprego da pergunta, o Educador S relata:

8

Fazer a pergunta freireana implica em compreender que a dúvida é uma das raízes de nossa inconclusão e meio de formar para a curiosidade epistemológica. Nas atividades do GETEFF não respondíamos ou chegávamos a iniciar uma atividade dizendo “a” é “a”. Antes, discutíamos um contexto mais amplo no qual podia-se compreender a razão de ser de “a”. E ainda assim, os alunos eram levados a se questionarem por nossas problematizações que os levava a dar respostas que envolviam suas compreensões de sociedade, mundo, que filosoficamente remetiam à campos da filosofia como a ética, a política, a estética etc.

A partir desta análise, nas concepções de Freire (1996), educadores e educandos aprendem uns com os outros, são comunicados e comunicam. Sem a existência desta dialeticidade no ensino das crianças não é possível praticar uma educação freireana.

No olhar da Educadora L, praticar os princípios éticos freireanos, seja no ambiente que for não é tarefa simples, mas é preciso, é de suma importância que se exercite, pois assim, se olhará para o ser humano, criança ou não, de uma forma mais humana, mais respeitosa, mais digna.

É uma pergunta interessante [...] Penso que trabalhar com os princípios do legado de Paulo Freire nos impulsiona repensar não somente a ação pedagógica, mas também as nossas vivências socioculturais, haja vista que o pensamento freireano não é apenas teórico-conceitual, mas também está diretamente ligado com vida.9 Então eu busco ser coerente com a formação que tive pelo Núcleo de Educação Popular Paulo Freire. Concretamente falando, busco na minha prática, enquanto educadora, estabelecer uma relação horizontal fundamentada no diálogo e respeito com os educandos, compreendendo sua condição enquanto seres humanos. Obviamente que não se trata de algo simples, porém é um desafio permanente de fundamental importância. (Ed. L).

Oliveira e Matos (2015, p. 5), estudiosas de Paulo Freire e integrantes do NEP, declaram sobre os princípios freireanos que conduzem as práticas dos diversos Grupos de Estudo e Trabalho vinculados ao NEP, dentre eles o GETEFF. Elas asseveram:

O trabalho do grupo de filosofia com crianças tem como princípios e diretrizes do pensamento freireano: o diálogo (como condição humana e interação entre os sujeitos); a oralidade (forma que o sujeito tem para demonstrar o seu existir); a pergunta (como incentivo de conhecimento); a criticidade (meio de problematizar a realidade); a autonomia (como subsídio de participação na construção do conhecimento); a práxis (processo de aliança entre teoria e prática); a rigorosidade (compromisso ético, político e pedagógico) e, uma educação ético política (ação abrangente que envolve a convivência democrática e compreende os sujeitos como participantes da dinâmica social).

Este ponto de vista é também apontado por Freire quando assume: “não é possível estar no mundo, enquanto ser humano, sem estar com ele e estar com o mundo e estar com os outros é fazer política. Fazer política é assim a forma natural de os seres humanos estarem no mundo e com ele”. (FREIRE, 2014, p. 112).

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Das exposições feitas pelas autoras deduz-se que ao basear as práticas filosóficas na formação do sujeito criança, esta auxilia na relação entre os (as) educandos (as), pois proporcionam que eles (as) sintam-se valorizados (as), e indaguem sobre questões que lhes azucrinem. Além desta questão, as autoras assentam que as práticas desenvolvidas têm como base os anseios educacionais, políticos e éticos.

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