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Aportes marxistas para a formação do Ser-Sujeito Criança

3 “BALÉ DOS CONCEITOS” NA FORMAÇÃO DO SER-SUJEITO-CRIANÇA: APORTES TEÓRICOS PARA UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITUAL

3.5. Aportes marxistas para a formação do Ser-Sujeito Criança

Freire identificou-se e fez uso de muitos aportes marxistas, desde o início de sua militância. Em diálogo com Freire, Betto (2004), afirma como o marxismo passou a se fazer presente em sua vida: “e aí vem o marxismo com uma explicação mais científica e mais consistente de como funcionam as relações de produção dentro do sistema capitalista, o problema do conceito de classes. Tudo isso vai-se abrindo para nós”. (FREIRE; BETTO, 2004, p. 27).

Para Caron (2010) “a imersão de Freire no ideário marxiano, além de continuar um debate inconcluso, precisa ser analisada a partir da investigação da própria natureza do seu método em relação aos postulados centrais do materialismo histórico dialético”. (p. 254). De forma sucinta, o materialismo histórico é uma teoria cientifica materialista desenvolvida por Karl Marx (1818-1883) com intuito de analisar a realidade concreta da sociedade nos aspectos: político, ideológico e principalmente econômico, fazendo uma análise sobre o todo social, em que há a predominância do nível econômico em relação aos demais níveis: jurídico-político e ideológico.

É uma investigação rigorosa sobre a realidade histórica da sociedade e do homem, retirando dela conceitos sobre os regimes políticos, ou organizações sociais e econômicas, modo de produção, como se comportam junto com as suas contradições que produzem ao

longo da história. Não fazendo apenas um trabalho de teorização, mas também preparando as bases para tentar mudar a realidade de exploração econômica e social.

Então o materialismo histórico se caracteriza por ser um método que proporciona a obtenção de teorias sobre aspecto material da sociedade. “O método dialético que desenvolveu Marx, o método materialista histórico dialético, é método de interpretação da realidade, visão de mundo e práxis”. (PIRES, 1997, p. 86). Forma um corpo de conceitos que mais ou menos sistematizados dão alicerces às ciências (humanas e social) ou a filosofia. E o marxismo torna possível a realização desse exame social (produção de bens de consumo e a divisão do trabalho) como a parte filosófica (modo de vida, ideologia e revolução), com isso abrangendo todo objeto de análise que é a vida humana na sua história.

Assim, o marxismo do qual Freire fez uso, principalmente nos aspectos de práxis, visão de mundo, classes sociais, ideologia, são alicerces para que possamos assentar a discussão em torno da formação do ser-sujeito-criança, pois estes estão também inclusos quando se trata da totalidade do ser humano.

A totalidade a qual se debate é representada pelo conceito do modo de produção, entendida como unidade dos contrários, ao mesmo tempo que síntese de múltiplas determinações que conforme Harnecker e Ostrovitiano (1978), pensadores do marxismo, este conceito de modo de produção é o que nos permite pensar e conhecer uma totalidade social.

Há uma grande diferença entre descrever uma coisa- mostrar suas características visíveis – e conhecer uma coisa. Donde pondera-se que o materialismo histórico põe os fatos concretos a disposição para explicar uma situação social e a relação entre as estruturas. Neste sentido é que Pires (1997) enfatiza a formação do ser sujeito, e quiçá a formação do ser- sujeito-criança, no seguinte prisma.

Considerando que os homens se caracterizam por um permanente vir a ser, a relação entre os homens não está dada, mas precisa ser construída (vir a ser), construída material (trabalho social) e historicamente (organização social do trabalho). O trabalho, como princípio educativo, traz para a educação a tarefa de educar pelo trabalho e não para o trabalho, isto é, para o trabalho amplo, filosófico, trabalho que se expressa na práxis (articulação da dimensão prática com a dimensão teórica, pensada). É claro que em alguns momentos deste processo educacional, especialmente no que diz respeito à formação profissional, a aprendizagem de habilidades, práticas e ações imediatas são necessárias, mas o que aqui se quer destacar, como contribuição do Método à educação, é que o processo educacional é mais amplo, não se esgota na dimensão prática, exige a construção da formação em sua totalidade, tem que contribuir para a formação de homens plenos, plenos de humanidade. (PIRES, p. 91).

Segundo Benedito Nunes (1991), Karl Marx formulou as bases do método de investigação científica: o materialismo histórico, como uma filosofia materialista que pretende

interpretar e conhecer a realidade histórica e social para que possa identificar os princípios da existência social da pessoa.

Em Marx, o ser humano existe quando ele percebe e se conscientiza de que é um ser sujeito real, material, concreto, formado pela realidade social que o cerca. A pessoa se constrói pela sua práxis no mundo. A formação do ser humano não está relacionada com o ideal ou com a perfeição do ente externo, mas sim com realidade política e social empírica, que expõe os indivíduos ao mundo de possibilidades concretas. Isto é, as crianças enquanto sujeitos que se constroem, vivenciam uma relação social que envolve inúmeras esferas como o convívio intersubjetivo que promove a prática coletiva concreta, partindo daí a formação humana real.

A filosofia marxista que é materialista, parte da realidade concreta, da cultura, da política fazendo o processo de existir numa sociedade um procedimento comum a todas as pessoas. Assim torna possível construir as raízes da conscientização e do fazer (práxis) onde o humano assume papel de protagonista da própria história, ou seja, formador do ser-sujeito.

Nas palavras de Oliveira (2015, p. 52) este ser humano “é um Sujeito concreto, que existe no mundo e com o mundo e nesta relação se dimensiona como um ser de práxis (reflexão-ação), ou seja, capaz de pensar e transformar o mundo”. Por sua vez, Nunes (1991, p. 54) afirma que “é que produzindo, pela atividade prática, os meios materiais de subsistência, o homem produz também a forma histórica e social da sua existência, e é esta que dá sentido à Natureza exterior”.

O materialismo histórico vai criticar e se contrapor a ideologia dominante, denunciando a falsidade dela. Afirmando que é o homem que é o sujeito da própria história, possui intencionalidade no que condiz a criar e recriar o seu ser de necessidade na realidade empírica. Como afirma Nogare (1977) no comentário que ele faz do Marxismo histórico:

Compreende-se melhor este caráter militante do homem marxista, levando-se em conta que os marxismos de todos os tipos e de todos os tempos concordam no conceito do homo faber, isto é, criado pelo trabalho e, pelo trabalho que cria, criador da história. O pensamento de Marx, nesta parte, se articula da maneira seguinte: o ponto de partida da história e a situação fundamental do homem é a relação dialética Homem-Natureza, relação que domina todo o devir histórico. Nesta relação elementar, o homem aparece como ser de necessidade, ou seja, um complexo de necessidades orientadas para satisfação, e a natureza como possibilidade de satisfação dessas necessidades. Há entre os dois termos oposição, mas também intencionalidade mútua, como é normal na oposição dialética. A mediação é dada pelo trabalho, que suprime aposição e realiza a intencionalidade. Com efeito, pelo trabalho o homem estabelece a relação certa entre si e a natureza. Ele, sujeitando-a e moldando-a: a natureza, servindo o homem, tornando-o humana, seja porque se torna apta a satisfazer a necessidade do homem, seja pelo fato de que se molda segundo a ideia do homo faber que a trabalha. (NOGARE, 1977, p. 101-102).

A partir das palavras de Nogare (1977) compreendemos que o sujeito é responsável pelo processo histórico de criação material e social. Dando ao ser humano existência social, que por si mesmo constitui fato real registrado ao longo da história.

Como um dos conceitos do materialismo histórico é tentar fazer com que o homem volte a ter consciência histórica que ele é responsável pela transformação social, isto atinge também amplitude ontológica do ser. O ser-sujeito-criança se encontra na sociedade, a sua essência é constituída pela vivência social que tem na coletividade. Não está no idealismo, numa ideia de perfeição, mas no sujeito-criança imperfeito que procura e forma a própria história e a da sociedade.

Um ser real que se ergue da realidade e da prática nela. Como se fosse um ser-fazer e um fazer-ser, numa dialética que envolverá o todo, ou seja, durante toda a vida. Essa formação do ser torna-se possível, pois o materialismo histórico não estuda somente a questão econômica do modo de produção, mas vai, além disso. Marx não teve o objetivo de dizer que a existência da pessoa apenas é determinada exclusivamente pelos aspectos econômicos, mas também dizer que o homem possuir outras oportunidades.

As investigações por meio do materialismo histórico estão ancoradas em “aberturas” ou “oportunidades” e demonstram a produção do ser real e com isso a afirmação da existência social da criança em que a economia se mostra importante, mas não é o único fato, ou seja, o marxismo por ser um aporte teórico fundamental nas formulações freireanas, constitui mais um elemento neste ‘balé dos conceitos’ para se compreender a formação do ser-sujeito- criança.

3.6. Interculturalidade, multiculturalidade e interdisciplinaridade na educação

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