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A retomada do ensino médio integrado ao técnico

CAPÍTULO IV – RESISTÊNCIA E CONFORMAÇÃO NA REFORMA E NA

4.5. A retomada do ensino médio integrado ao técnico

A maioria dos professores entrevistados reconhece em seus depoimentos que, historicamente, o Brasil possui uma posição subalterna na divisão internacional do trabalho. Para eles a quantidade de mudanças na educação profissional entre 1997 e 2010 está muito vinculada às mudanças na organização do trabalho e às transformações no setor produtivo no país como parte do conjunto dos países “subdesenvolvidos”.

Os professores tratam dessas questões, em especial, quando analisam as transformações que envolvem a retomada do ensino médio integrado ao ensino técnico. Afirmam que o tipo de ensino médio desenvolvido oferece condições para os estudantes continuarem os estudos no ensino superior em instituições públicas, mesmo naquelas que possuem processos seletivos disputados. Nessa direção, argumentam que o ensino médio elitiza a escola, atendendo àqueles jovens que não seguirão a carreira de técnico, pelo contrário, continuarão os estudos em nível superior. Uma das professoras entrevistadas frisou em seu depoimento que parte considerável das famílias dos estudantes do ensino médio integrado ao técnico poderia custear os estudos em escolas privadas. Os professores afirmam que há sim uma divisão de classe entre os cursos oferecidos pela instituição, o integrado e o concomitante/subsequente atendem públicos diferentes.

O relatório da auditoria do TCU quando faz observações em torno das possibilidades de combate à evasão no ensino técnico, afirma que “nem sempre os Institutos Federais são utilizados para obter formação profissional”, concluindo que os estudantes cursam o ensino médio integrado ao técnico como “trampolim” para a universidade. Na opinião do Tribunal, essa situação deveria ser evitada. Entretanto, o relatório não discorre sobre como fazê-lo, assim como não reconhece que essa seria uma forma de cercear o direito à continuidade dos estudos daqueles que cursam o ensino técnico.

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O início da expansão de cursos e vagas do ensino técnico de nível médio veio acompanhado pela possibilidade de retomada do ensino médio integrado ao ensino técnico, que havia sido impedida no final de década de 1990. O Instituto Federal de São Paulo voltou a oferecer o curso integrado apenas em 2008, embora o Decreto nº. 5.154 tenha possibilitado esta retomada já em 2004. O Professor A argumentou que houve uma postergação da retomada pela reitoria por dois motivos centrais: 1) o retorno do curso integrado só seria possível com a diminuição dos cursos técnicos concomitantes ou subsequentes ao ensino médio; e 2) o curso integrado “drena muita força de trabalho”, o que não se apresentava como a estratégia mais interessante para a instituição, na visão do grupo que ocupava a administração do IFSP.

No geral, os professores entrevistados apontam que o retorno do ensino médio integrado ao técnico retoma uma questão que sempre esteve em debate na instituição, mesmo quando essa modalidade de ensino foi extinta na década de 1990. Na mesma direção do relatório da auditoria do TCU, os professores afirmam que a instituição oferece condições para os estudantes continuarem os seus estudos no ensino superior, com isso, há uma procura muito grande pelos cursos integrados ao ensino técnico por determinadas camadas da população. O processo seletivo contribui com esse corte de classe.

No nosso modelo de escola aqui, o integrado elitiza a escola. O pior é que a intenção do governo ao voltar o integrado é exatamente oposta. Isso, talvez, para o interior de um estado do Nordeste148 e tal, seria a única oportunidade de profissionalização com qualidade daquela população. Mas aqui em São Paulo, onde você tem dez milhões de habitantes e com regras meritocráticas no ingresso, serão o melhores que vão vir para cá, a classe média prefere que o filho faça um curso que tenha um ano a mais. De um lado, é de graça e de, outro lado, é muito bom (Entrevista com Professor A).

Na direção oposta, o Professor B apresenta outra análise sobre as características socioeconômicas dos estudantes.

Hoje, infelizmente, nós temos um processo seletivo que ele pode até ser algumas vezes elitista, escolher alguns alunos de uma classe que não vai precisar trabalhar. Mas nós temos muitos alunos da classe trabalhadora que precisam trabalhar, que esse trabalho vai ser aquele utilizado para eles depois poderem se manter num curso universitário (Entrevista com o Professor B).

148 O relatório da auditoria do TCU indica que na região Nordeste do país ocorre o mesmo problema. “(...) Foi

apontado como causa da evasão, comum entre as regiões do Nordeste afastadas dos grandes centros e desprovidas de escolas públicas de qualidade, o interesse de muitos alunos pela qualidade do ensino de nível médio ofertado pelos Institutos, não priorizando a formação profissionalizante (BRASIL, 2012, p.15).

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A Professora C observa que, como membro da equipe da pró-reitoria, realizou visitas aos diferentes campi e pode concluir que “a forma como o integrado está sendo encaminhado [no IFSP] e como os campi foram construídos dá a impressão que não há essa preocupação em construir um integrado interno” (Entrevista com Professora C). A professora exemplifica com o fato de os novos campi não possuírem quadras de educação física, pois se trata de uma exigência legal para o funcionamento da educação básica.

Quando questionamos o ex-secretário da educação profissional e tecnológica se a constituição de Institutos Federais representaria uma cisão entre ensino superior acadêmico e ensino superior profissional, ele respondeu que não, argumentando com o exemplo do ensino médio integrado ao técnico.

Nós utilizamos, prioritariamente, o ensino médio integrado. Digo prioritariamente porque às vezes não é possível, o próprio aluno não está interessado, mas prioritariamente é o ensino médio integrado, é aquele que ele recebe a formação profissional, mas ele recebe uma formação geral também sólida. O papel do Estado não é formar trabalhador para o mercado, o papel do Estado é formar cidadão, esse cidadão pode ser um técnico, pode ser um poeta, um filósofo. O Estado formou o cidadão que eventualmente vai ser técnico (Entrevista com prof. Eliezer Pacheco).

As afirmações do professor Eliezer Pacheco podem ser contrapostas a constatação da Professora C de que justamente os campi criados pelos planos de expansão da Rede Federal, em São Paulo, não possuem condições infraestruturais para alocarem os cursos integrados. Entretanto, o relatório do TCU aponta que a Rede Federal em conjunto está priorizando o oferecimento do ensino médio integrado ao técnico, como ressaltamos anteriormente.

A retomada do ensino médio integrado ao técnico também coloca em questão o projeto de integração. Como pudemos perceber na análise do PDI (2009-2013), as contradições presentes no processo de elaboração da política de integração do ensino médio com a educação profissional também se refletem nas opções feitas pela escola. A questão que se colocou foi: quando o ensino médio integrado foi retomado, os currículos e estratégias adotadas se assemelharam a configuração que esta modalidade de ensino possuía antes do Decreto nº. 2.208/1997, que separou educação básica e profissional? Todos os professores afirmaram que sim, há semelhanças. Com a exceção do professor que

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não trabalhava na instituição quando vigia a configuração anterior do ensino técnico integrado ao médio, todos os outros também ressaltaram a qualidade do ensino integrado oferecido anteriormente.

A Professora C ressalta que durante a elaboração do Plano de Desenvolvimento Institucional do IFSP foram colocadas algumas diretrizes para a organização do ensino médio integrado ao técnico, mas não foram definidas as estruturas dos cursos. As possíveis estruturas do curso integrado foi tema de disputas na instituição, visto que muitos professores entendiam que se tratava de recuperar a estrutura dos cursos integrados oferecidos durante a vigência da Lei nº. 5.692/71.

Ao analisar os documentos que orientaram as transformações na educação profissional na década de 2000, durante o governo Lula da Silva, observamos que a proposta inicial não é retomar aquele projeto de ensino médio integrado ao ensino técnico. Como vimos no capítulo anterior, em especial nos primeiros documentos elaborados pelo MEC, no contexto dos anos iniciais daquele governo, a proposta apontava para outra direção. Projetava-se a construção do que se denominava de formação integral do trabalhador, que envolvesse uma formação básica completa, possibilitando a continuidade dos estudos e uma formação profissional que oferecesse condições para o ingresso no mercado de trabalho e/ou possibilidades de organização em cooperativas ou em pequenas empresas.

Os professores afirmaram em seus depoimentos que conheciam os documentos oficiais e o referencial teórico-metodológico que embasaram as primeiras ações no governo Lula da Silva, citaram autores, como Gaudêncio Frigotto, Marise Ramos, Maria Ciavatta e Antônio Gramsci. Ao ponderarem a retomada do ensino integrado desde o projeto inicial do MEC, suas transformações no percurso, até o oferecimento em si da modalidade de ensino naquela instituição, entre 2008 e 2011, afirmaram que as contingências levaram a instituição a retomar o modelo de integração anterior a década de 1990, que já era valorizado pela comunidade devido ao histórico de formação de técnicos na cidade de São Paulo.

Observamos nos depoimentos dos professores que a retomada do médio integrado não foi consensual, alguns grupos não acreditavam na viabilidade desta modalidade de

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ensino. A área de edificações do campus São Paulo, por exemplo, não aceitou a proposta de oferecimento do ensino técnico integrado. Optou por continuar oferecendo cursos somente nas modalidades concomitante ou subsequente ao médio.

Observamos que os professores entrevistados acompanham as mudanças na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica e demonstraram conhecer a legislação, os documentos oficiais e referenciais. Para eles é claro que o projeto de ensino médio integrado sofreu modificações de concepção no decorrer do governo Lula da Silva e que a estrutura adotada se assemelha ao modelo anterior. Ao mesmo tempo entendem que a retomada dessa modalidade de ensino é importante para a escola enquanto projeto de formação de técnicos de nível médio. Ressaltam que a evasão é muito pequena e que há certo contentamento dos professores em trabalhar no ensino médio integrado.

A retomada do ensino técnico ocorreu concomitante à elaboração da primeira fase da expansão da educação profissional e tecnológica no governo Lula da Silva. As instituições da Rede Federal de Educação Profissional foram impelidas a pensar uma reestruturação curricular paralelamente a um projeto de expansão. Logo após o término da fase um do plano de expansão, no segundo governo do Partido dos Trabalhadores, a fase dois ocorreu ao mesmo tempo em que os Centros Federais de Educação Profissional e Tecnológica e as Escolas Agrotécnicas foram transformados por adesão em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. A adesão significava também a possibilidade do aumento de recursos para a expansão das unidades.

Observamos que as marcas das diferentes orientações para a retomada do ensino médio integrado entre 2003 e 2010 e as consequências da rápida expansão do ensino técnico que atingiu todo o país estão presentes nos depoimentos dos professores. Há muitas contradições, os professores demonstraram que concordam com a mudança para IF, a expansão e a retomada do integrado, mas resistiram, principalmente, a forma que elas adquiriram quando chegaram às instituições. Na visão dos professores, as mudanças possuíam uma dimensão política importante, relacionada aos objetivos do projeto neodesenvolvimentista do governo Lula da Silva, mas a rápida execução e o abandono dos objetivos iniciais tem gerado resistência por parte dos profissionais que trabalham no

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4.6. De Centro Federal de Educação Tecnológica a Instituto Federal de Educação,