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CAPÍTULO I – DEPENDÊNCIA E EDUCAÇÃO NO BRASIL

1.3. Desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo

Neste item, analisamos o que se convencionou chamar de desenvolvimentismo latino-americano, após a década de 1930, e suas relações com o chamado “neodesenvolvimentismo”. Aproximamo-nos, assim, das análises sobre o desenvolvimento do capitalismo no Brasil no período pós-ditadura militar, chegando aos anos 2000. Nesse sentido, partimos da análise de Estado e da organização da tecnoestrutura estatal no país,

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realizadas no item anterior, para compreender as configurações que adquiriram o planejamento social e econômico nas últimas décadas.

Após o último período ditatorial (1964-1984), ocorreu um abandono sistemático por parte dos governos de um projeto de desenvolvimento capitalista em bases nacionais, consolidando a implantação de um projeto de capitalismo que Octavio Ianni (2000) denominou de transnacional.

É possível demonstrar que o modelo de capitalismo transnacional instalou-se por etapas. Nos anos 1964-85 a ditadura militar, consciente ou inconscientemente, destroçou lideranças e organizações políticas comprometidas com o modelo de capitalismo nacional. Nos anos 1985-94 os diversos governos adotaram medidas econômico-financeiras de cunho neoliberal. E desde 1994 o governo emprenha-se totalmente na concretização das instituições e diretrizes econômico-financeira destinadas a completar a instalação do projeto de capitalismo transnacionalizado, segundo as diretrizes teóricas, práticas e ideológicas do neoliberalismo (IANNI, 2000, p.52).

Nesta direção, a chamada “Reforma do Estado”, ocorrida, posteriormente, na década de 1990 e fundamentada numa concepção de “Estado mínimo” decorrente das diretrizes do Consenso de Washington (1989)13, representa o processo de consolidação deste projeto de capitalismo transnacional. Todo o aparato estatal construído em torno da política de industrialização substitutiva de importações, que, grosso modo, se estendeu da década de 1930 à ditadura militar de 1964, é reorientado à intensificação da transnacionalização da produção.

Os governantes em conformidade com as diretrizes e injunções das estruturas mundiais de poder, isto é, corporações transnacionais, Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BIRD) e Organização Mundial do Comércio (OMC), entre outras, emprenham-se em “reformar” o Estado e o conjunto das instituições nacionais, com o objetivo de acentuar a acomodação do “mercado emergente” com o mercado mundial (IANNI, 2000, p.53).

Na década de 1990, mesmo as formas de sociabilidade da população entram em crise na sociedade brasileira. Modos mundialmente consolidados de organização social, como o sindicato e os partidos políticos, que vinham ganhando espaço na década de 1980, no processo de redemocratização do país, começaram a perder terreno na década seguinte.

13 Cf. PAULANI, Leda. O projeto neoliberal para a sociedade brasileira: sua dinâmica e seus impasses. In:

FRANÇA, Júlio César e NEVES, Lúcia M. V. Fundamentos da educação escolar do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2006.

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Analisando este processo, Octavio Ianni (2000) destaca a ação das mídias populares, como a televisão, que ganharam espaço em detrimento da participação da população em organizações sociais, mesmo em relação à igreja. “Em lugar do espaço público, enquanto lugar privilegiado da política, colocam-se os programas de auditórios, os eventos da cultura mundial de massa, as competições, os shows, tudo isso crescentemente transnacional” (IANNI, 2000, p.54).

A soberania nacional, núcleo para o desenvolvimento do Estado Nação e de projetos de desenvolvimento capitalista nacional são solapados pela implantação progressiva de um projeto de capitalismo transnacional. Com isso, a soberania torna-se apenas retórica política. “A sociedade nacional se vê impossibilitada de pôr em prática qualquer projeto nacional que dependa da vigência efetiva do princípio jurídico-político da soberania nacional” (IANNI, 2000, p.56).

Este processo afasta das preocupações das classes dominantes o agravamento e a resolução das desigualdades sociais internas, do desemprego estrutural, da precarização do trabalho, da intensa privatização dos serviços estatais, em suma, daquilo que envolve a chamada “questão social”, provocando um aprofundamento da cisão entre Estado e sociedade civil.

Parecem utilizar a generalização da violência e do medo como técnicas de criminalização da Sociedade civil, o que ajuda a manter e fortalecer os aparelhos

de repressão e de intimidação generalizada de amplos setores sociais; precisamente dos setores empenhados em construir formas alternativas de hegemonia (IANNI, 200, p.57, grifos do autor).

Tratando da mesma problemática, Plínio A. Sampaio Júnior (2007) acrescenta que aderir ou não ao que ele denomina de globalização, é um falso dilema no Brasil.

O impacto da globalização depende das características específicas do desenvolvimento desigual do capitalismo e da natureza de seus efeitos sobre as estruturas de cada formação social. (...) Porque o reconhecimento da transnacionalização do capitalismo como realidade histórica, cuja existência extrapola o controle de nações individuais, não significa que as sociedades da periferia estejam condenadas a ajustar-se passivamente às suas exigências. O Estado nacional pode selecionar as tendências que pretende absorver e bloquear aquelas que considera nocivas para seu desenvolvimento (SAMPAIO JÚNIOR, 2007, p.145).

O autor também chega à conclusão de que há uma tendência de perda da soberania nacional e agravamento das desigualdades sociais desde a década de 1990. Na mesma direção de Octavio Ianni (2000), o autor aponta que o aprofundamento da

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transnacionalização do capitalismo, a partir da década de 1970, seus conflitos políticos e econômicos, levou a desestabilização das bases do Estado nacional (SAMPAIO JÚNIOR, 2007, p.145).

O problema central é que o novo contexto histórico reduz dramaticamente os graus de liberdade das burguesias das economias periféricas diante do capital internacional. Como as empresas transnacionais passaram a operar com tecnologias concebias para mercados supranacionais, com renda média muito elevada, a natureza de seus vínculos com as economias dependentes tornou-se mais fluida (SAMPAIO JÚNIOR, 2007, p.146).

O autor acrescenta que também o impacto do colapso da União Soviética acabou com uma espécie de “poder de barganha” que possuíam os países periféricos, com isso, os países centrais sentiram-se livres para ultrapassar os limites e princípios mais elementares da autodeterminação dos povos.

Na ordem internacional emergente, o desenvolvimento nacional não está no horizonte de possibilidades dos países periféricos. A comunidade internacional reduziu tudo o que estiver fora dos megablocos regionais a cobiçados mercados

emergentes ou reles zonas de pobreza. Na nova divisão internacional do trabalho,

cabem às economias periféricas fundamentalmente três papéis: franquear seu espaço econômico à penetração das grandes empresas transnacionais; coibir as correntes migratórias que possam causar instabilidade nos países centrais; e aceitar a triste e paradoxal função de pulmão e lixo da civilização ocidental (SAMPAIO JÚNIOR, 2007, p.147, grifos do autor).

Desta forma, os países latino-americanos estariam sujeitos a um processo de neocolonização, que configura uma “nova dependência” dos países periféricos em relação aos países centrais, decorrente da transnacionalização da produção. Plínio A. Sampaio Júnior (2007) caracteriza esta tese a partir de três pontos: 1) a difusão desigual do progresso técnico, que aumentou a defasagem tecnológica das economias periféricas14; 2) a ampliação da dependência financeira dos países periféricos em decorrência da transnacionalização do capitalismo; 3) a intensificação da dependência cultural em razão das transformações no padrão do desenvolvimento do capitalismo.

À mercê das vicissitudes das finanças internacionais, as economias da região veem-se forçadas ora a gerar megaestruturas comerciais, destinadas a pagar o serviço da dívida externa, ora a produzir megadéficits comerciais, a fim de viabilizar a compra maciça de produtos estrangeiros e a absorção indiscriminada de empréstimos internacionais. Nessas circunstâncias, o mercado interno deixa de ser o centro dinâmico da economia e a instabilidade econômica torna-se uma fonte permanente de crise social e política (SAMPAIO JÚNIOR, 2007, p. 148).

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“A incapacidade estrutural de suportar a concorrência internacional deixou a periferia extremamente vulnerável a processos catastróficos de desestruturação produtiva” (SAMPAIO JÚNIOR, 2007, p.147).

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O processo de transnacionalização, ocorrido sob os auspícios ideológicos do neoliberalismo, aumentou ainda mais o hiato existente entre os países centrais e os países dependentes, portanto, aumentou as desigualdades em âmbito mundial.

No Brasil, a exaustão do processo de substituição de importações iniciou um período de estagnação da renda per capita, obsolescência das forças produtivas, enfraquecimento da estrutura de capital das empresas nacionais e desmantelamento do Estado desenvolvimentista (SAMPAIO JÚNIOR, 2007, p.149).

Com isso, interrompeu-se um processo de expansão das forças produtivas no Brasil, que cristalizou as bases do Estado nacional burguês. Vinculado a este fato estava o esgotamento do financiamento externo principalmente a partir dos anos 1980, que evidenciava a crise do padrão de financiamento externo e interno para a sustentação do desenvolvimento econômico e social.

O Brasil ficou vulnerável e foi engolfado pelo neoliberalismo que crescia mundialmente, e passou a aceitar paulatinamente as pressões da comunidade financeira internacional por medidas de liberalização econômica e social. Desta forma, as recomendações do Consenso de Washington (1989) foram incorporadas rapidamente, voltando o país ao atendimento das necessidades da mundialização do capital.

A crise no padrão de industrialização pesada desarticulou um dos principais mecanismos de legitimação ideológica do status quo junto às classes operárias e às camadas mais desfavorecidas da população: a ilusão de classificação social provocada pela elevada mobilidade social verificada ao longo do ciclo de substituição de importações. A falta de dinamismo do novo modelo econômico e sua elevada instabilidade diminuíram significativamente o multiplicador de emprego dos setores mais produtivos da economia. A liberalização da economia e os efeitos destrutivos da nova onda tecnológica sobre as estruturas da Segunda Revolução Industrial elevaram dramaticamente a heterogeneidade estrutural da base produtiva, bem como a importância relativa do desemprego tecnológico provocado pela modernização das forças produtivas e pela concorrência de produtos importados. A década de noventa marcou, assim, uma inflexão no lento e tortuoso processo de formação de um mercado de trabalho relativamente homogêneo (SAMPAIO JÚNIOR, 2007, p.152)15.

Na década de 2000, o governo do Partido dos Trabalhadores (2003-2010) recoloca no centro do debate a necessidade de construção de um projeto de desenvolvimento social e econômico do país, que se pretende “pós-neoliberal” e que seja emanado do Estado. Trata-

15 Para o autor a incapacidade de resistir à crise da industrialização pesada e da desagregação das bases

materiais, sociais e políticas do Estado nacional, ocorrida entre as décadas de 1970 e 1980, irrompeu no país a ameaça de crise de reversão neocolonial (SAMPAIO JÚNIOR, 2007, p.153). Na visão do autor, essa crise só seria evitada pela superação de três principais mazelas da sociedade brasileira: 1) o caráter dependente do seu sistema econômico; 2) a natureza assimétrica do seu regime de classes; e 3) o pesado fardo de uma cultura colonialista.

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se de uma tática de superação da crise social e econômica decorrente da década de 1990. O governo do Partido dos Trabalhadores apresentou como resposta a esta necessidade a criação do denominado projeto “neodesenvolvimentista”.

Para pensar o neodesenvolvimentismo – um fenômeno brasileiro – é preciso pensar o que significou o desenvolvimentismo na América Latina. Plínio A. Sampaio Júnior (2012, p.673) define o desenvolvimentismo latino-americano como um projeto das economias da região enredadas pela dependência e pelo subdesenvolvimento, que procuraram estabelecer planos de ação voltados ao desenvolvimento das forças produtivas associadas à resolução dos problemas fundamentais da população.

Nessa perspectiva, acumulação de capital, avanço das forças produtivas e integração nacional constituem aspectos insolúveis de um mesmo problema: criar as bases materiais, sociais e culturais de uma sociedade nacional capaz de controlar o sentido, o ritmo e a intensidade do desenvolvimento capitalista (SAMPAIO JÚNIOR, 2012, p. 673-674).

A principal preocupação no desenvolvimentismo era associar industrialização e formação da economia nacional, o que acabou redundando num aprofundamento da dependência externa em favor da industrialização. Entretanto, é neste processo que foi se reforçando a dupla articulação, a qual se refere Florestan Fernandes nas análises sobre a Revolução Burguesa no Brasil (1976; 2008), que impedem as sociedades latino-americanas de controlar o desenvolvimento nacional, qual seja: 1) a situação de dependência externa; 2) a extrema desigualdade entre as classes sociais decorrente da superexploração do trabalho.

O desenvolvimentismo foi, portanto, uma arma ideológica das forças econômicas e sociais, que no momento decisivo de cristalização das estruturas da economia e da sociedade burguesa, se batiam pela utopia de um capitalismo domesticado, subordinado aos desígnios da sociedade nacional (SAMPAIO JÚNIOR, 2012, p. 674).

A concretização do chamado projeto desenvolvimentista implicaria na superação de laços com o imperialismo que determinavam o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo no Brasil. Assim como implicaria a superação da extrema desigualdade, da produção baseada no latifúndio, etc. O desenvolvimentismo pressupunha que a superação dos elementos que impediam o desenvolvimento econômico nacional, na direção dos países centrais, seria uma questão de vontade política nacional e que seria possível a conciliação entre capitalismo, democracia e soberania nacional nos países de capitalismo dependente.

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A expressão máxima dessa corrente de pensamento (...) está associada aos trabalhos de Raul Prebisch que estabeleceu as bases da Economia Política da CEPAL. No Brasil, a crítica ao subdesenvolvimento alcançou sua forma mais elaborada nos trabalhos teóricos e nas análises históricas de Celso Furtado (SAMPAIO JÚNIOR, 2012, p.676).

As ditaduras latino-americanas representaram o fechamento do ciclo desenvolvimentista da região. Como observamos anteriormente nas análises de Florestan Fernandes (1976; 2008), com as ditaduras ocorreu o desfecho do processo de Revolução Burguesa (atrasada) no Brasil como contrarrevolução permanente, que consolidou o capitalismo dependente. O desenvolvimentismo cedeu espaço à conciliação (e não à superação) entre desenvolvimento capitalista, dependência do imperialismo, e superexploração do trabalho. “Acabava a ilusão de um capitalismo civilizado. O brutal desequilíbrio na correlação de forças entre capital e trabalho tornou-se premissa fundamental do capitalismo no continente” (SAMPAIO JÚNIOR, 2012, p. 676-677).

Não se tratava mais de superar as mazelas da “questão social”, pelo contrário, as contradições foram diluídas e passou-se a buscar uma espécie de harmonização entre imperialismo, extrema pobreza, e desenvolvimento autodeterminado. Os trabalhos de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (Dependência e Desenvolvimento), Maria da Conceição Tavares e José Serra (Além da estagnação) são referências dessa “nova concepção” que oculta essas contradições (SAMPAIO JÚNIOR, 2012, p. 677).

Ao reduzir desenvolvimento ao simples processo de industrialização e modernização, deixando de lado a questão da autonomia nacional e o problema da integração social, lançavam-se as bases para uma profunda resignificação do próprio conceito de desenvolvimento (SAMPAIO JÚNIOR, 2012, p. 677).

Nas décadas de 1980 e 1990, a transformação do desenvolvimentismo foi impulsionada pela onde neoliberal em âmbito mundial, como apontamos anteriormente. No Brasil, o transformismo dessa concepção significou o abandono da perspectiva de desenvolvimento autodeterminado do capitalismo.

O processo de transformação do desenvolvimentismo e a sua incorporação pelo neoliberalismo, tal como estava acontecendo, arrastou-se no Brasil até o início dos anos 2000, com o primeiro governo do Partido dos Trabalhadores. No segundo governo de Lula da Silva (2007-2010), em especial, a partir de um aumento do crescimento econômico, outra perspectiva de desenvolvimento social e econômico começa a se esboçar no país, o chamado neodesenvolvimentismo.

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Plínio A. Sampaio Júnior (2012) aponta que o neodesenvolvimentismo se trata de um fenômeno recente, circunscrito ao Brasil e que, em termos econômicos, estaria relacionado às consequências das disputas entre “os monetaristas – braço direito do neoliberalismo – e os auto proclamados desenvolvimentistas – braço esquerdo da ordem” (SAMPAIO JÚNIOR, 2012, p.678).

O chamado neodesenvolvimentismo seria, assim, uma expressão teórica desse novo tempo [representado pelo governo Lula da Silva]. Para alguns de seus adeptos mais ingênuos que acreditam fervorosamente no poder criador das fórmulas abstratas, as novas ideias seriam, na verdade, a própria causa determinante da guinada qualitativa na trajetória da economia brasileira (SAMPAIO JÚNIOR, 2012, p. 679).

O neodesenvolvimentismo parece querer conciliar os pressupostos neoliberais, com a garantia de um vantajoso processo de acumulação de capital nos países dependentes, com pressupostos desenvolvimentistas progressistas, que querem desenvolvimento capitalista e resolução dos problemas mais fundamentais da população. Com isso, seria preciso produzir, acima de tudo, crescimento econômico. “Nessa perspectiva, desenvolvimento e crescimento confundem-se como fenômenos indiferenciados” (SAMPAIO JÚNIOR, 2012, p. 679) e a dupla articulação não constitui um problema a ser resolvido. O objetivo fundamental é conciliar o inconciliável: crescimento econômico com igualdade social na periferia do capitalismo.

Toda reflexão neodesenvolvimentista enquadra-se perfeitamente na pauta neoliberal. Na prática, a terceira via torna-se uma espécie de versão ultra-light da estratégia de ajuste da economia brasileira aos imperativos do capital financeiro. O diferencial do neodesenvolvimentismo se resume ao esforço de atenuar os efeitos mais deletérios da ordem global sobre o crescimento, o parque industrial nacional e a desigualdade social (SAMPAIO JÚNIOR, 2012, p. 680).

A concepção neodesenvolvimentista condiciona as possibilidades de mudança ao crescimento econômico sem mudanças estruturais. “Sem colocar em evidência os poderosos interesses burgueses externos e internos que devem ser enfrentados para que se possam abrir novos horizontes para o desenvolvimento, os neodesenvolvimentistas ficam presos ao fim da história” (SAMPAIO JÚNIOR, 2012, p. 682).

A expectativa delirante de que o Brasil venha a patrocinar o milagre do desenvolvimento capitalista em um só país, em meio a mais grave crise econômica da história do capitalismo monopolista, somente é possível porque o neodesenvolvimentismo desconsidera completamente os efeitos perversos de uma conjuntura econômica marcada pela necessidade de gerir um monumental excedente absoluto de capital, pelo caráter ultra-regressivo da solução americana para a crise (que implica numa aposta dobrada no liberalismo), pelo impacto devastador do movimento de desdobramento da crise pelo mundo (que combina

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especulação e ajuste estrutural com formas perversas de transferência de ônus da crise para o elo fraco do sistema capitalista mundial) (SAMPAIO JÚNIOR, 2012, p.684).

Enquanto o desenvolvimentismo propunha um caminho de reformas estruturais que apontavam para a resolução da dupla articulação, o neodesenvolvimentismo a naturaliza, fortalecendo com isso a presença do capital internacional no país e o crescimento econômico apoiado no agronegócio.

Como afirma Plínio A. Sampaio Júnior (2012), na nova concepção o desenvolvimentismo e o fim da história caminham juntos, cumprindo um papel ideológico importante no atual contexto histórico do país, diferenciar o governo Lula da Silva do governo Fernando Henrique Cardoso, ou seja, neoliberalismo versus

neodesenvolvimentismo. Segundo o autor é falsa a ideia de que se está recuperando o projeto desenvolvimentista do capitalismo latino-americano. “O resgate do pensamento crítico latino-americano passa pela superação de toda ilusão em relação à existência de uma solução burguesa para a tragédia do subdesenvolvimento e da dependência” (SAMPAIO JÚNIOR, 2012, 686).

As discussões sobre o sucesso do “neodesenvolvimentismo” no Brasil giram em torno, principalmente, das políticas sociais engendradas no governo Lula da Silva (2003- 2010)16. O fato do Partido dos Trabalhadores, construído no campo da esquerda, ter sido eleito para a presidência da República conduziu aos debates as expectativas da “nação autônoma”, confrontadas com as condições objetivas das transformações políticas e econômicas de um governo recém-eleito. O projeto neodesenvolvimentista expressa essa contradição. O fato do PT ter chegado à presidência em coligação com seus adversários históricos já anunciava os limites de uma ruptura com o neoliberalismo

Plínio A. Sampaio Júnior (2004) aponta que o início do governo Lula da Silva foi marcado por uma impermeabilidade às críticas dos movimentos sociais, da intelectualidade e de segmentos mais críticos, que naquele momento, ainda pertenciam ao Partido dos Trabalhadores. O que demonstrou a característica do autoritarismo do Estado brasileiro.

16 Cf: SADER, Emir. 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma. São Paulo, SP: Boitempo;

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O governo do PT parece ter aderido ao “mito do desenvolvimento”, fundamentando os seus projetos na ilusão do crescimento econômico vinculado a criação de políticas sociais, como distribuição de renda, aumento do salário mínimo, aumento dos empregos. É inegável que mudanças ocorrem, em especial para aqueles atingidos por políticas sociais, entretanto, são pequenas, intersubjetivas, e ancoradas num projeto que não pretende superar a dependência externa e a superexploração do trabalho, portanto, limitadas. O projeto neodesenvolvimentista é visto como a solução para os problemas sociais e econômicos do país, com mudanças acanhadas, mas que se pretendem continuadas, mas não alteraram as estruturas da economia e da sociedade brasileira. O maior exemplo é a manutenção do pagamento da dívida externa – nem mesmo uma auditoria da dívida foi realizada no governo do PT – assim como a obediência inconteste aos ditames do capital financeiro internacional representado pelas agências mundiais.