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A revolução dos materiais

3.1 Materiais e Inovação

3.1.1 A revolução dos materiais

«Durante aproximadamente um milhão de anos após o seu aparecimento, o homem serviu-se essencialmente de cinco materiais para produzir utensílios e objectos: madeira, pedra, osso, chifre e pele. No princípio do Neolítico, operou-se uma complexa série de transformações radicais (a “revolução neolítica”), que conduziu também a um enriquecimento dos materiais empregues: argila, lã, fibras vegetais e – em épocas relativamente recentes – os primeiros metais. Durante todo o período seguinte, e por cerca de 9.000 anos de história, foram estes os materiais utilizados pela humanidade para construir o seu ambiente artificial. Mais tarde, a revolução industrial, com as suas profundas transformações culturais, sociais e económicas, levou à súbita e acelerada multiplicação dos materiais disponíveis para a produção. Um material – o aço – tornou-se mesmo o símbolo da primeira vaga da revolução industrial.» (Manzini, 1986, p.41).

Desde cerca de 1900, o número de materiais disponíveis proliferou. É já impossível determinar o número de materiais existentes, porque são ilimitados, como são também ilimitadas as possíveis combinações destes em materiais compósitos (Manzini, 1986, p.42). Actualmente, deparamo-nos com inúmeras possibilidades na escolha de um material e processo para uma dada aplicação; trata-se já de um processo de “hiperselecção”, ou mesmo, em algumas situações, do

design de um material, “feito por medida”. Por outro lado, considera-se que já não há um material que surja como a escolha óbvia para um produto (Manzini, 1986, p.41). Em consequência da crescente multiplicação de materiais, Manzini identifica a necessidade de um serviço intermediário no âmbito da sua selecção, e de bases de dados de materiais, essencialmente filtros de informação, e que a sua apresentação tenha significado para o design (Manzini, 1986, p.47 e p.61). Actualmente, existem já várias empresas orientadas para a prestação deste serviço, de que são um exemplo a Material Connexion e a Materio; existem também bases de dados de materiais promovidas por entidades diversas que se destinam ao mesmo efeito, nomeadamente o Material Explorer.

Ashby e Johnson (2002) expõem o seguinte:

«…today is not the age of just one material; it is the age of an immense range of materials and the combinations these allow. There has never been an era in which the evolution of materials was faster and the sweep of their properties more varied … innovative design, is enabled by the imaginative exploitation of new or improved materials.» (Ashby e Johnson, 2002, p.174).

Até recentemente, cada família de materiais ocupava um espaço distinto, caracterizado por certas propriedades; esta situação alterou-se: «A competição entre famílias de materiais levou cada uma delas a aumentar as suas características e a alargar as suas competências, invadindo campos tradicionalmente ocupados por outras famílias.» (Manzini, 1986, pp.42-43). Defende-se que a tradicional divisão das famílias de materiais se está a desmantelar, na medida em que estas se agrupam, cada vez mais em torno de questões de design. Consequentemente, defende-se que também as fronteiras de utilização de materiais de certos sectores estão a desaparecer:

«…as indústrias tradicionalmente sectoriais estão a alargar o seu leque de interesses: a indústria siderúrgica adquire participações no sector dos compósitos e da cerâmica, a indústria química vira-se para os semicondutores ou para as fibras ópticas. Até mesmo a indústria automóvel tenta adaptar-se às novas escolhas possíveis, abrindo brechas na mono- utilização do aço, que era a sua base.» (Manzini, 1986, p.48).

Segundo Manzini (1986), a competição entre materiais não é um fenómeno recente; os novos materiais introduzidos no percurso da evolução foram aplicados em domínios de outros materiais já estabelecidos; no entanto, defende-se que a cerrada competição de materiais a que hoje assistimos se acentuou com a introdução dos materiais plásticos (materiais orgânicos sintéticos), que entraram em concorrência com os existentes, e suscitaram desenvolvimentos mútuos. Salienta-se que actualmente o novo é introduzido muito mais rapidamente, e que os tempos de

investigação são menores, devido, essencialmente, a uma maior integração da ciência na tecnologia (Manzini, 1986, p.42).

Também em Janszen e Vloemans (1997) se refere que até a algumas décadas atrás, os metais, madeiras, cerâmicos e plásticos, tinham as suas próprias áreas específicas de aplicação bem definidas; durante muito tempo, esta divisão foi suficientemente rígida para permitir que os produtores defendessem os seus mercados contra materiais substitutos (Janszen e Vloemans, 1997, p.550). Defende-se que durante a 2ª metade do século XX, surgiu uma nova forma de competição entre as indústrias dos materiais básicos, uma competição inter-material, entre materiais (Janszen e Vloemans, 1997, p.550 baseados em Kaounides20, 1990). Em vez de as empresas competirem no sector de um dado material, são os sectores de materiais, como um todo, que competem entre si; neste contexto, distingue-se o facto de os metais estarem sob ameaça de materiais poliméricos, compósitos e cerâmicos. E, salienta-se que esta situação competitiva alterou significativamente a escala e natureza do comportamento estratégico das indústrias dos materiais básicos (Janszen e Vloemans, 1997, p.550).

Distinguem-se alguns factores que terão contribuído para o despoletar desta revolução dos materiais: por um lado, no âmbito da ciência dos materiais, houve uma melhoria da compreensão da origem das propriedades dos materiais, aos níveis micro e macroscópicos, e que terá sido possível pela disponibilidade de melhores computadores; por outro lado, os desenvolvimentos das tecnologias produtivas, permitiram desenvolver novas características de design e engenharia, através de uma manipulação da matéria mais precisa e previsível (Janszen e Vloemans, 1997, p.550).

Wield e Roy (1995) identificam também algumas tendências /factores que têm influenciado o desenvolvimento de materiais recentemente: o aumento da variedade de materiais e da sua substituição; um aumento da procura de materiais que constituem já uma aplicação final, portanto uma espécie de materiais-produtos; o desenvolvimento de materiais para satisfazer necessidades específicas, portanto de “materiais por medida”; em consequência desta crescente complexidade, as empresas intensificam as colaborações entre diversos departamentos internos, bem como com o exterior (Wield e Roy, 1995, pp.198-199; é referido que estas tendências já haviam sido identificadas em Turner et al.21, 1990).

20 Kaounides, L. (1990) New issues and current negotiations: the materials revolution and economic

development. IDS Bulletin 2, pp.16-27.

21 Turner, C., Roy, R., Wield, D. (1990), Materials: A new revolutionary generic technology? Conditions

Confrontados com estes novos materiais de engenharia, os produtores de materiais tradicionais como o aço, o cimento, e a madeira, enfrentam um sério desafio destes substitutos; da revolução dos materiais, resultou uma maior quantidade destes, retirando alguns materiais das suas aplicações tradicionais, e transformando os mercados destes num ambiente competitivo (Janszen e Vloemans, 1997, p.550). Essencialmente, são os materiais plásticos, compósitos, e o alumínio, que ameaçam os diversos segmentos de mercado dos materiais tradicionais como o aço, o betão, o ferro e a madeira (Janszen e Vloemans, 1997, p.551).

«The struggle for survival and market share in construction, automotive and transport is fought on the basis of technical functionality and price. Although the substitutes are, in overall volumes, still a fraction of those for steel and concrete, they seem to be here to stay. The fact that these relatively new materials are still early in their life cycle will guarantee that there is still room for improvement, thereby increasing the pressure on the traditional material suppliers. The potential for development with regard to functionalities will ultimately broaden their application horizon, which in turn translates into lower prices. Further price decrease can be expected through increases in process development.» (Janszen e Vloemans, 1997, p.551). Janszen e Vloemans (1997) observam que com uma maior sofisticação dos materiais, a ciência dos materiais se alterou, passando de uma actividade centrada nos constrangimentos do fornecimento, para uma disciplina orientada /impulsionada pelas aplicações dos materiais; sendo que, também o mercado, previamente dominado pelos fornecedores, passou a ser mais influenciado pelos requisitos dos clientes (Janszen e Vloemans, 1997, p.551).

Tidd et al. (2001) identificam três áreas tecnológicas que se consideram revolucionárias, ou que constituem os campos com maiores potencialidades: a biotecnologia, os materiais, e as tecnologias da informação (Tidd et al., 2001, p.120). No que respeita à revolução dos materiais, salienta-se o importante contributo do desenvolvimento do conhecimento científico, e mais recentemente, a tendência para as relações entre ciência e tecnologia dos materiais serem mais próximas e produtivas (Tidd et al., 2001, p.122 baseados em Liedl22, 1986).

Tidd et al. caracterizam as principais trajectórias tecnológicas encontradas nas empresas: as empresas dominadas pelos fornecedores, as de escala-intensiva, as suportadas na ciência, as de informação-intensiva, e as fornecedoras especializadas (Tidd et al., 2001, pp.116-120), e cuja síntese é apresentada no quadro seguinte:

Figura 4 – As principais trajectórias tecnológicas das empresas, Tidd et al., 2001, p.118.

De um modo geral, poder-se-á considerar, que esta revolução dos materiais representa para as empresas produtoras /fornecedoras de materiais, o desafio de transitar de uma trajectória tecnológica de escala-intensiva, para uma de fornecimento especializado.