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2 RELAÇÕES INTERNACIONAIS E ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA –

2.6 A Ruptura dos Anos 1990 e a Emergência da Análise de Política Externa

A Primeira metade dos anos 1990 representa um momento crítico para a análise de política externa enquanto domínio específico de disciplinas acadêmicas como a Ciência Política e as Relações Internacionais. As redefinições pelas quais o cenário internacional e a comunidade acadêmica passam no final do século XX geram a necessidade de adequar o estudo

74 MINTZ, Alex; DEROUEN JR., Karl. Understanding foreign policy decision making. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.

da política externa a uma nova construção contextual. Diante de intensas e dinâmicas transformações do sistema político mundial e da emergência de novos paradigmas analíticos, os analistas de política externa se viram obrigados a rever seus pressupostos, promovendo uma atualização das categorias analíticas amiúde empregadas e criando novas ferramentas explicativas. Sobretudo, os pesquisadores da área se viram diante da necessidade de promover mais explicações de caráter multicausal e ampliar a análise em múltiplos níveis. As três grandes tradições analíticas continuam a existir. No entanto, as abordagens contemporâneas são caracterizadas pela presença de mais pontes epistemológicas entre si, havendo, portanto, uma maior integração entre as vertentes analíticas da APE do que nas gerações anteriores.

O desmantelamento do bloco soviético e o fim do conflito bipolar são vistos pelos analistas como a grande transformação para o estudo da política internacional durante esse período. O declíno relativo das questões de segurança tradicionais75 e a emergência de uma ordem multipolar do ponto de vista político e econômico representaram uma experiência de grande alcance para o estudo da política externa. O término da Guerra Fria se soma com a redefinição de tempo e espaço propiciada pela tecnologia de informação (revolução telemática) e o processo de intensificação da mobilidade do capital financeiro sobrevindas igualmente no último quartel do século XX.

Nesse período de transição e grandes metamorfoses na arena internacional, Hermann (1990) lançou um trabalho que se tornou um clássico contemporâneo. O autor propõe classificações para as causas das mudanças de política externa e para as mudanças em si. Segundo Hermann (1990, p. 5-6), as mudanças em política externa podem ser divididas em quatro categorias fundamentais: a) pequenos ajustes, b) alterações de programa, c) redefinição de objetivos/problemas e e) reorientação internacional. A primeira categoria corresponde ao processo de intensificação ou arrefecimento que se intensifica ou se abranda na busca por uma determinada meta de política exterior previamente estabelecida. A segunda diz respeito a uma alteração dos métodos ou dos meios empregados pelos atores políticos na busca de um objetivo específico ou na resolução de determinado problema de política externa. A terceira classe de mudanças ocorre quando o objetivo que se buscava realizar ou o problema que se buscava resolver são substituídos ou abandonados em face de novas construções contextuais e factuais que colocam um novo horizonte estratégico para os decision-makers. O último tipo corresponde a uma transformação radical e profunda do perfil de atividade de atuação internacional de um Estado ao perseguir suas metas de política externa.

75 Ameaças à segurança internacional provenientes de disputa militarizada entre Estados possuidores de arsenais atômicos e outras armas de destruição em massa.

Fenômenos de alcance mundial, como as crises econômicas internacionais ocorridas nos anos 1990 e nos anos 2000, passaram a importar para os analistas de política externa, ávidos por compreender as relações entre a tomada de decisão e os choques do mercado internacional globalizado. As relações entre os planos doméstico e externo tornaram-se muito mais difusas, gerando um ambiente dotado de maior complexidade para os estudiosos das relações exteriores dos Estados. Soma-se a isso que em período mais recente às novas questões de segurança que se seguiram a Guerra Fria, tais como as guerras irregulares, conflitos assimétricos, movimentos de resistência e principalmente o chamado terrorismo global pós 11 de setembro descortinaram uma nova seara de estudos para os analistas de política externa.

O estabelecimento de uma ordem uni-multipolar (HUNTINGTON, 199876) demandou uma revitalização das abordagens já consagradas no estudo da política externa. Da mesma maneira, o novo contexto tornou necessário o desenvolvimento de novos instrumentos analíticos para entender o comportamento dos Estados no plano político internacional. Essas continuidades e as rupturas no campo da análise de política externa foram sumarizados no importante volume organizado por Neack, Key e Haney, 199577. O livro traz um conjunto de artigos que conta com contribuições de grandes especialistas como Charles Hermann e apresenta o estado geral desse domínio de atividade acadêmica no período pós Guerra Fria. Evidencia-se, claramente, o interesse dos autores em preservar o acumulado teórico da APE promovendo, contudo, a adequação e atualização desse ferramental analítico para o cenário internacional em transformação. A maior preocupação dos autores consiste justamente em estabelecer um link entre os atores investigados (sejam eles burocracias, indivíduos, grupos, ou o próprio Estado pensado em uma acepção mais ampla) e a teoria empregada para entender o seu comportamento no plano político internacional. A pluralidade de métodos e perspectivas epistemológicas também pode ser verificada no referido trabalho, refletindo bem o espírito da nova geração dos estudiosos da área. Assim, o livro conta com abordagens quantitativistas e de metodologia qualitativa empregadas no estudo da política externa. As contribuições se devotam ao entendimento tanto de elementos empíricos, mensuráveis da política externa, quanto de elementos simbólicos e representacionais associados à tomada de decisão.

A esse respeito notabiliza-se a apreciação do estado da arte nesse campo de estudo fornecido por Valerie Hudson (1995, 2006). A referida autora sintetizou os cinco grandes compromissos teóricos da análise de política externa, que foram estabelecidos pela comunidade

76 HUNTINGTON, Samuel. A unimultipolar world. American Enterprise Institute, jul., 1998.

77 NEACK, Laura, HEY, Jeane e HANEY, Patrick. J. (Eds.) foreign policy analysis: continuity and change in its second generation. New Jersey: Prentice Hall, 1995.

acadêmica depois do colapso do sistema bipolar: a) o compromisso de olhar abaixo do nível de análise do Estado Nacional, reunindo informações sobre atores específicos; b) o desenvolvimento de teorias de médio alcance capazes de estabelecer uma interface entre as abordagens generalistas centradas nos atores e a complexidade do mundo real; c) a busca por explicações multicausais, contemplando múltiplos níveis de análise; d) a utilização de teorias e achados empíricos provenientes do espectro amplo das Ciências Sociais e e) a compreensão do processo decisório (inputs) em política externa como se tratando de um elemento tão importante quanto os resultados (outputs) dele decorrentes.