• Nenhum resultado encontrado

3 MODELO ANALÍTICO: DESISÃO EM POLÍTICA EXTERNA, HEGEMONIA

3.3 Hegemonia Cooperativa

A presente pesquisa lança mão da Teoria da Hegemonia Cooperativa (PEDERSEN, 2002) para explicar a conduta do Brasil enquanto potência média regional. Esta é, essencialmente, uma abordagem neorrealista que explica a integração regional como uma estratégia de médio-longo termo empregada pelas chamadas “grandes potências regionais”.

O principal elemento constituinte da hegemonia cooperativa é o que Thomas Pedersen denomina “capacidade de agregação de poder” (power aggregation capacity). O autor define essa aptidão como a “capacidade de uma grande potência regional de fazer com que uma série de Estados vizinhos convirja em torno de seu projeto político” (PEDERSEN, 2002, p. 698). Em termos gerais, tais capacidades são limitadas por fatores externos estruturais, influenciados por elementos psicológicos (da personalidade e das preferências dos líderes políticos) e estratégias de liderança.

De acordo com Pedersen (2002), a hegemonia cooperativa é utilizada, principalmente, pelos principais poderes regionais que são fracos ou enfraquecidos militarmente e não pelos grandes poderes estabelecidos na ordem internacional. Tais Estados procuraram maximizar ou estabilizar a sua influência utilizando meios não coercitivos, exercendo a sua hegemonia dentro de uma estrutura de cooperação multilateral.

O Brasil, assim como outros poderes locais, prefere esse instrumento por conta de sua tradição diplomática e insuficiência de elementos para agir unilateralmente. Esses países não dispõem de suficientes recursos de hard power que lhes permitam impor seus objetivos, ainda que os alvos de sua projeção de capacidades não queiram e resistam. Muito embora o nível de preparação militar, tamanho da economia e grau de desenvolvimento tecnológico do Brasil lhe coloque em uma posição destacada diante dos Estados mais fracos que compõem o seu horizonte geoestratégico imediato, suas capacidades são muito modestas e limitadas se pensadas em termos globais, sobretudo, diante das grandes potências.

É possível afirmar que, no geral, as grandes potências preferem empregar o hard power e as médias, o soft power. Enquanto as principais ferramentas daquele são medidas coercivas, intervenções militares e sanções econômicas, os meios empregados por esse último são muito mais complexos. De acordo com Joseph Nye (2002), as bases do soft power são a cultura, os valores e o poder de atração (atratividade) da política externa. Tendo em vista que atuam por meio da persuasão e cooperação com outros Estados, as potências médias apresentam a propensão de agir no bojo de instituições regionais ou foros internacionais, criando alianças entre Estados (GRATIUS96, 2007, p. 04).

Pedersen (2002) considera que a estabilidade hegemônica unilateral é demasiado instável e extremamente onerosa, motivo pelo qual, para os poderes regionais, é muito mais adequado e factível o emprego de um modelo de hegemonia cooperativa baseado na capacidade de agregação e divisão de poder, preservando a capacidade de se furtar dos free riders.

96 GRATIUS, Susanne. Brasil en las Américas:¿ Una potencia regional pacificadora?. Fundacion para las Rela- ciones Internacionales y el Dialogo Exterior, 2007.

A Hegemonia unilateral é, portanto, menos estável do que a hegemonia cooperativa, a qual representa um significativo retrocesso para Estados com massivos investimentos extraterritoriais. Em segundo lugar, a hegemonia cooperativa inclui extensivas práticas de free-rider, a menos que o poder hegemônico opte pela coerção,o que, nesse caso, gera o risco de promover um balanceamento precoce ou provocar tentativas de deserção. Por outro lado, dada às incertezas futuras, possibilidade de articulação-política e a jogos intrincados em um cenário institucionalizado, um hegemônico cooperativo deve ser capaz de evitar os free riders sem incorrer em altos custos (PEDERSEN, 2002, p. 688, tradução nossa97).

A partir dessa constatação, o autor identifica três grandes capacidades como condições necessárias ao exercício da hegemonia cooperativa: a capacidade de agregação de poder, a capacidade de comprometimento e a capacidade de divisão de poder. Dispondo desse conjunto de competências, um poder regional torna-se, nessa perspectiva, capaz de, simultaneamente, exercer a sua hegemonia98 sobre os países menos empoderados e de assegurar a manutenção da estabilidade regional, a todos indispensável. Soma-se a isso que o modelo cooperativo previne defecções e assimetrias exageradas entre os membros de um processo de integração, preservando ganhos mútuos, ainda que de forma não equânime. Estes três elementos-chave são definidos pelo teórico nos seguintes termos:

A Capacidade de agregação de poder refere-se à capacidade de uma grande potência regional para fazer com que uma certa quantidade de Estados vizinhos se agrupem em torno de seu projeto político. Muito embora esta capacidade seja limitada por fatores estruturais externos, a nível regional e global, ela também depende de fatores psicológicos e habilidades de liderança. A capacidade de compartilhamento de poder refere-se a uma grande capacidade de um Estado de compartilhar o poder com os seus vizinhos em bases duradouras, dentro de instituições comuns dotadas de competências

97 “Unilateral hegemony is thus less stable than co-operative hegemony which is a significant drawback for states with massive extra-territorial investments. Second, it involves extensive free-riding, unless the hegemonic power opts for coercion, in which case it risks prompting early balancing or attempts at defection. By contrast, given the long shadow of the future and the possibility of linkage-politics and nested games in an institutional- ised setting, a co-operative hegemon should be capable of preventing free riding without the hegemon incurring high costs.”.

98 A expressão hegemonia corresponde à condição da supremacia de um povo sobre outro. Tal processo pode ocorrer através da sutil difusão dos valores de sua cultura ou por intermédio do emprego violento de meios militares para fins de coerção e dominação. Em história política, o conceito de hegemonia deita raízes na Grécia Antiga, onde era empregado para fazer referência ao predomínio de uma Cidade-Estado sobre as demais na Penínssula Ática. Do ponto de vista do pensamento político, o conceito ganhou sentido e propriedade através das elaborações conceituais de Antonio Gramsci, que empregou o termo para descrever o processo de dominação ideológica de uma classe social sobre outra na sociedade capitalista. A hegemonia, no sentido gramsciano, corresponde a um processo complexo de coerção e consentimento, destinado a permitir a supremacia da ordem social e política vigente. A Ciência Política e a História contemporâneas definem a hegemonia em termos amplos, apontando para a predominância, tanto de elementos materiais quanto imateriais, de um Estado sobre os demais no cenário internacional. DUBOIS, Thomas David. Hegemony, imperialism, and the construction of religion in East and Southeast Asia. History and Theory, v. 44, n. 4, 2005, p. 113-131.

significativas. O compartilhamento do poder pode ser transformacional ou encapsulado. A partilha encapsulada de poder deixa o Estado (s) hegemônico inalterado, ao passo que o compartilhamento de poder transformacional muda a identidade do Estado (s) predominante (s). Finalmente, a capacidade de compromisso refere-se à habilidade de uma grande potência regional de vincular o seu país à uma política de institucionalização regional de longo prazo.... É importante ressaltar que os Estados diferem tanto em termos de sua divisão de poder, quanto de sua capacidade de compromisso, ao passo que a sua capacidade de agregação de poder se encontra em um determinado nível mais estruturalmente elevado. Ao dizer isso, eu baseio o meu argumento em um realismo atento à relevância dos fatores domésticos, mas que insiste na importância contínua dos atores estatais e na racionalidade dos ganhos relativos. Cada fator é influenciado por um certo número de fatores subsidiários. A capacidade de agregação depende dos seguintes fatores: a unipolaridade regional pode facilitar a agregação de poder. No entanto, a distribuição de poder em uma região que caminha em direção à uma hegemonia cooperativa não deve ser muito assimétrica, uma extrema assimetria tenderá a afastar os Estados menores e criar uma constelação, na qual o núcleo regional pode esperar para atingir seus objetivos de poder com segurança sem a necessidade das instituições regionais. Por outro lado, se a assimetria regional é muito pequena, isto também será prejudicial para a institucionalização regional baseda na hegemonia cooperativa. A razão que subjaz é que uma dinâmica central nesse tipo de integração regional é mais provável diante da existência de um núcleo regional com a capacidade para forjar barganhas regionais entre aliados através de pagamentos laterais. A postura externa de uma unidade regional agregadora de poder tende a ser reativa, especialmente se o núcleo regional é composto. (PEDERSEN, 2002, p. 689, tradução nossa99).

O modelo básico proposto por Pedersen (2002) se estabelece através de uma perspectiva que contrapõe a chamada hegemonia cooperativa, enquanto estratégia empregada pelas potências regionais em período mais atual e a hegemonia unilateral, enquanto práticas de

99 “Power aggregation capacity refers to the capacity of a regional big power to make a number of neighbouring states rally around its political project. While this capacity is constrained by external structural factors at the regional and global level, it also depends upon psychological factors and leadership skills. Power sharing ca- pacity refers to a big power's capacity to share power with its neighbours on a durable basis within common institutions with significant competences. Power sharing can be transformational and encapsulated. Encapsu- lated power-sharing leaves the hegemonic state(s) unchanged, whereas transformational power-sharing changes the identity of the predominant state(s). Commitment capacity finally refers to a regional big power's capacity to commit its country to a long-term policy of regional institutionalisation.... It is important to point out that states differ in terms of both their power sharing and their commitment capacity, whereas their power aggrega- tion capacity is to a higher degree structurally determined. In saying so, I base my argument on a realism atten- tive to the relevance of domestic factors but insistent upon the continuing importance of state actors and relative gains rationality. […] Each factor is influenced by a number of subsidiary. The power aggregation capacity depends upon the following factors: regional unipolarity can be expected to facilitate power aggregation. How- ever, the power distribution in a region moving towards co-operative hegemony must not be too asymmetrical, as extreme asymmetry will tend to alienate smaller states and create a constellation, in which the regional core may expect to achieve its power-security goals without the need for regional institutions. On the other hand, if the regional asymmetry is very small, this will also be detrimental to regional institutionalisation based upon cooperative hegemony. The reason is that a central dynamics in this type of regional integration is likely to be the existence of a regional core with the capacity to forge regional bargains inter alia through side payments. The external posture of a power aggregating regional unit is likely to be reactive, especially if the regional core is composite.”.

política externa historicamente identificadas com a projeção de poder e capacidades das grandes potências centrais no cenário internacional. Segundo Thomas Pedersen, cada um dos dois modelos envolve uma necessária estrutura de custos e de ganhos potenciais, que são considerados pelos formuladores de política e tomadores de decisão, quando estes optam por adotar um curso de ação específico na condução das relações exteriores de um Estado com pretensões a hegemonia. Essa diferenciação é ilustrada pelo Quadro 1, abaixo:

Quadro 1 – Hegemonia Unilateral x Hegemonia Cooperativa (Ganhos e Custos)

Tipo de Hegemonia Ganhos Custos

Hegemonia Unilateral ➢ Permite ampla liberdade de ação; ➢ Estabelece influência direta e imediata através de coerção. ➢ Estimula o balanceamento (balancing);

➢ Envolve um alto nível de free-riding.

Hegemonia Cooperativa

➢ Cria regras estáveis e legítimas; ➢ Gera previsibilidade e reduz incertezas; ➢ Agrega poder; ➢ Previne um grau elevado de free-riding. ➢ Compartilha poder; ➢ Envolve pagamentos laterais custosos; ➢ Demanda um comprometimento de longo prazo. Fonte: (Pedersen, 2002, p. 687).

Assim sendo, a situação do Brasil enquanto Estado intermediário, na qual notabiliza-se a falta de grandes recursos de hard power e a sua condição de líder regional, faz com que a ideia de hegemonia cooperativa propicie um entendimento mais adequado da estratégia brasileira para o Mercosul e o regionalismo sul-americano.