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A sensibilidade dos dados de saúde

1. Protecção de dados de saúde

1.2 A sensibilidade dos dados de saúde

própria informação genética quando relacionada com a saúde da pessoa, seja ela relativa ao presente ou ao futuro do indivíduo346.

Na perspectiva de CARMEN CARAZO os dados administrativos relativos a doentes que recorram a unidades de saúde, são considerados dados de saúde. Esta Autora considera ainda, que o facto de um doente figurar na lista da actividade económica de uma unidade de saúde, significa que terá tido ou tem um problema nessa área.

Paralelamente, os custos inerentes a essa actividade, ou seja, à prestação de cuidados de saúde, são com frequência, remetidos a entidades seguradoras que facilmente associam o custo, a determinado problema de saúde, a uma doença (por exemplo, o montante de uma prótese cardíaca, associado a uma patologia especifica do foro cardíaco)347.

deficiências, etc.), são, pelas suas características, os mais sensíveis dentro das várias categorias de dados sensíveis”351.

Na verdade, o elenco de dados supracitado, corresponde a informação que pela sua especificidade ou sensibilidade, pode constituir um perigo agravado para a privacidade, sendo por isso de forma genérica, proibido o seu tratamento. Essa restrição é aliás mencionada nos diferentes instrumentos normativos.

A CRP, no seu artigo 35º, nº 3, evidencia que “a informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei com garantias de não discriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis”.

A Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, no nº 1, do seu artigo 8º, epigrafado “Tratamento de certas categorias específicas de dados”, refere que

“os Estados-membros proibirão o tratamento de dados pessoais que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, bem como o tratamento de dados relativos à saúde ou à vida sexual”.

A Lei que regula a protecção de dados pessoais no nosso país é pois, expressiva quando efectiva no seu artigo 7º, nº 1, que “é proibido o tratamento de dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos”352.

Na expressão destas normas, ressalta de imediato um aspecto, o facto da CRP não mencionar na sua restrição, de forma concreta, os dados relativos à saúde, à vida sexual e genéticos e, simultaneamente a Directiva 95/46/CE não englobar no elenco de “certas categorias específicas de dados”, os referentes à vida privada, sendo a Lei da Protecção de Dados Pessoais, aquela que efectiva a “aglutinação” de ambos353.

De acordo com alguns autores, uma possível explicação para a solução adoptada parece estar no facto dos dados de saúde, genéticos e relativos à vida sexual (que a lei autonomiza no elenco de dados sensíveis), serem eles próprios dados referentes à vida

351 FARIA, Paula Lobato de(1997), “Dados de Saúde Informatizados – o Impasse”, Revista Portuguesa de Saúde Pública, Vol. 15, nº 3, Julho – Setembro de 1997, Lisboa, p. 74.

352 Lei nº 67/98, p. 5537.

353 Em 1981, a Convenção nº 108 do Conselho da Europa já se referia, no seu artigo 6º, a “Categorias Especiais de Dados”, reportando-se especificamente aos dados relativos a condenações penais, à origem racial, a opiniões políticas, a convicções religiosas, à saúde e à vida sexual.

privada, estando dessa forma, igualmente abrangidos na CRP. Relativamente à questão da lei incluir o dado “vida privada” terá como fundamento a possibilidade de se integrar nessa cláusula mais geral, outros dados. Na verdade, existe informação que não pertencendo ao elenco de dados atinentes à vida sexual, genéticos e de saúde, faz parte integrante da vida privada, sendo como tal, considerada informação sensível ou dados sensíveis. Vejamos os exemplos do consumo de tabaco e consequentemente o dado

“fumador”, da gravidez, do consumo de drogas ou de bebidas alcoólicas354.

Hodiernamente já se fala na imagem térmica das pessoas, como um dado pertencente à vida privada e até mesmo ao âmbito da saúde. Em função das novas tecnologias ao dispor do ser humano, é possível com o auxílio de um scanner, capturar a imagem de calor de uma pessoa. Este procedimento é aliás, utilizado em alguns aeroportos como meio de controlo da temperatura corporal, com o propósito de detecção de potenciais doentes, como o caso da temida pneumonia atípica. E talvez, num futuro muito próximo, como forma de detecção de prováveis situações de infectados pelo H5N1 ou mais vulgarmente pela “gripe das aves” - considerada como uma séria e actual ameaça à humanidade. Nestes casos, a imagem térmica dos passageiros servirá, para determinar aqueles que se apresentam em estado febril, tendo os mesmos que se submeter a exames médicos.

Importa ainda e de acordo com a classificação da Lei, fazer a diferenciação entre dados referentes à vida sexual e dados genéticos, como informação possivelmente distinta da atinente à saúde, muito embora seja, em algumas situações, parte integrante da mesma.

A Recomendação do Conselho da Europa Nº R (97) 5, relativa à Protecção dos Dados Médicos, considera dados genéticos “todos os dados qualquer que seja o seu tipo, que digam respeito às características hereditárias de uma pessoa ou relacionado com essas características, constituindo património de um grupo de indivíduos aparentados”, refere-se igualmente a “todos os dados que afectem o intercâmbio de informação

354 A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) alude a alguns destes dados. Pronunciou-se em relação ao dado “fumador” como revelador de hábitos de consumo e como tal, passível de comportamentos discriminatórios, evidenciando que o tratamento desse dado de carácter pessoal se integra na fórmula legal de vida privada (nº 3, do artigo 35º, da CRP e nº 1, do artigo 7º, da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro). Vid. COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS (2004), Principais Orientações da Comissão Nacional de Protecção de Dados 1994-2004, Lisboa: Comissão Nacional de Protecção de Dados, p. 62 e COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS (2002), “Deliberação nº 163/2002”, disponível in http://www.cnpd.pt. Em 2003 a CNPD considerou que o tratamento do dado fumador por uma clínica de fisioterapia, revestia as características de dado sensível, fazendo então parte do conceito de vida privada. Vid. na matéria COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS (2003), “Autorização nº 10/2003”, disponível in http://www.cnpd.pt.

genética (genes) de um indivíduo ou de uma linha genética respeitantes a aspectos de saúde ou de uma doença, constitua ou não um carácter identificável” sendo “a linha genética é constituída por semelhanças genéticas resultantes de uma procriação e partilhadas por dois ou mais indivíduos”355. A definição merece de imediato uma atenção particular, na medida em que coloca em evidência não só informação pessoal relativa ao titular, mas também à sua própria família.

A informação genética, além do carácter individual, patente na identidade de cada um, tem uma impressão mais abrangente reportando-se a um grupo de pessoas relacionadas entre si por laços familiares e até mesmo por zonas geográficas356. AMADEU GUERRA refere-se a esta realidade ao afirmar que “o ‘dossier’ genético individual está inter-relacionado com os dossiers da mesma família ou, até, de indivíduos das mesmas zonas geográficas ou com características genéticas similares”357. Com efeito, a informação genética tem um carácter mais abrangente, dir-se-ia colectivo, além de corresponder a uma informação estrutural e permanente. Porém, esta não possui um carácter exclusivamente identificativo, sem tradução patológica (como a patente, por exemplo, na cor dos olhos, do cabelo ou da pele), englobando simultaneamente, indicadores que permitem revelar o estado de saúde ou, como é proferido pela CNPD, “possibilitam ou facilitam diagnósticos que identificam eventuais estados patológicos, designadamente quanto a factores de risco para o desenvolvimento de determinadas doenças”358.

Na actual Lei sobre a Informação Genética Pessoal e Informação de Saúde (Lei nº 12/2005, de 26 de Janeiro), está igualmente patente o conceito de informação genética como informação de saúde: “a informação genética é a informação de saúde que verse as características hereditárias de uma ou várias pessoas, aparentadas entre si

355 Recomendação Nº R (97) 5 do Comité de Ministros do Conselho da Europa e Estados Membros relativa à Protecção de Dados Médicos.

356 Um exemplo ilustrativo desta realidade encontra-se patente em áreas que tiveram, ou têm, grande incidência de plasmódio, como a África Central. Nesta zona, onde a malária é endémica, os indivíduos heterozigóticos para a anemia falciforme apresentam grande resistência à infecção pela malária.

357 GUERRA, Amadeu (2004), pp. 228-229. No mesmo sentido a CNPD ao admitir que a informação genética implica informações de família. PAULA LOBATO DE FARIA a este propósito, refere que “os dados genéticos de saúde, em contraposição aos dados médicos típicos, são informações ‘constitutivas’ ou

‘permanentes’ sobre a pessoa ou pessoas em questão” e que “o estado de saúde genético é primordialmente composto de elementos ‘hereditários’”. Cf. COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS (2003), “Parecer 2/2003”, disponível in http://www.cnpd.pt. e FARIA, Paula Lobato de(1997),

“Confidencialidade da Informação Genética – Breves Notas sobre o ‘Segredo Genético’ e a Genetic Privacy”, Revista Portuguesa de Saúde Pública, Vol. 15, nº 4, Outubro – Dezembro de 1997, Lisboa, p.

72.

358 COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS (2004), Principais Orientações da Comissão Nacional de Protecção de Dados 1994-2004, p. 90.

ou com características comuns daquele tipo, excluindo-se desta definição a informação derivada de testes de parentesco ou estudos de zigotia em gémeos, dos estudos de identificação genética para fins criminais, bem como do estudo das mutações genéticas somáticas no cancro”359.

Deste modo, os dados genéticos podem, em algumas circunstâncias, ser considerados dados de saúde360, uma vez que são reveladores de informações acerca desse mesmo estado, sendo com frequência designados de “dados genéticos de saúde”.

Não devem contudo, e de forma indiscriminada, ser apelidados como tal. Ainda assim, a denominação pela lei de dados sensíveis é irrefutável, quer correspondam, ou não, a dados pessoais concernentes ao âmbito da saúde.

Na verdade, os dados de foro genético constituem, tal como sublinha STELA

BARBAS “o núcleo duro da intimidade”, tornando possível o conhecimento do indivíduo naquilo tem de mais íntimo, ou seja, a sua identidade genética, de forma que qualquer tipo de intromissão a este nível afecta a intimidade biológica mais profunda do indivíduo, constitutiva da essência do ser humano361. Esta essência íntima patente em cada pessoa, adquirindo ou não o cariz de dado de saúde, pode converter-se em informação, passível de causar sérios danos quando nas mãos de terceiros, nomeadamente companhias de seguros, entidades patronais, bancos, entre outros.

Analogamente, podemos considerar, mediante determinadas circunstâncias, os dados pessoais atinentes à vida sexual como pertencentes ao âmbito dos dados de saúde.

Veja-se o exemplo das doenças sexualmente transmissíveis, que assumem a característica de dados de saúde, sendo simultaneamente reveladoras da vida sexual do titular e na mesma linha, informação cujo conhecimento é susceptível de causar graves situações de discriminação.

359 Art. 6º, nº 1, da Lei nº 12/2005.

360 A CNPD já se pronunciou acerca dos dados genéticos como um tipo especial de dados de saúde, considerando que “constituem, isolada ou cruzadamente, indicadores que permitem revelar o estado de saúde, ou pelo menos possibilitam ou facilitam diagnósticos que identificam eventuais estados patológicos, designadamente quanto a factores de risco para o desenvolvimento de determinadas doenças, incluindo as que têm carácter hereditário ou com possibilidade de transmissão”. Cf. COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS (2000), “Autorização nº 9/2000”, disponível in http://www.cnpd.pt.

Anteriormente, a Comissão já se havia pronunciado sobre a problemática de dados genéticos na

“Autorização nº 67/97”, na “Deliberação nº 86/98” e na “Autorização nº 2/99”, disponíveis in http://www.cnpd.pt.

361BARBAS, Stela (2000), “Da Privacidade dos Dados Genéticos”, Fórum Iustitiae, nº 15, Setembro de 2000, Lisboa, p. 56.