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Acesso à informação por terceiros

2. O acesso à informação de saúde

2.3 Acesso à informação por terceiros

doente, bem como os casos de possível colisão entre o direito a não ser informado ou a não saber e o dever de informar por parte do médico, atendendo igualmente aos interesses de terceiros492.

Dependendo das normas específicas instituídas por cada Estado Membro, teremos um tipo de acesso à informação de saúde, por parte do titular de dados, eventualmente distinto. No nosso país, até inflexão da norma ocorrer, o acesso é, como observado, indirecto mas não impeditivo, revelando-se na nossa perspectiva restritivo.

subsistem casos em que se encontra patente a legitimidade para o conhecimento desses dados de cariz sensível, que interessa especificar.

Assim, no que concerne a pedidos de informação de seguradoras ou de

“subsistemas de saúde”, relativos a prestação de cuidados de saúde com a finalidade de pagamento de facturas, a CNPD entende que a entidade prestadora de cuidados tem necessariamente de facturar, de forma discriminada, os cuidados de saúde realizados, dependendo a comunicação dos mesmos, da vontade expressa do titular junto da entidade que prestou os cuidados. Reconhece igualmente que à luz do contrato que o titular estabeleceu com a seguradora ou por ser beneficiário de um subsistema de saúde que suporte os encargos com a assistência médica, haja necessidade da transmissão da informação sobre a facturação. Transmissão essa que, por seu turno, se encontra legitimada, na medida em que pode ser enquadrada na finalidade prevista pela Lei da Protecção de Dados Pessoais (art. 7º, nº 4) – “gestão de serviços de saúde”.

Assim, a Comissão concluiu:

“a) autorizar a comunicação dos dados estritamente necessários à facturação e cobrança dos cuidados prestados que permitam à seguradora ou aos sub-sistemas avaliar, com rigor, os montantes a pagar” (esta não deve conter dados sobre o diagnóstico ou que permitam uma violação da privacidade)495;

“b) a comunicação deve ser feita a ‘profissional de saúde obrigado ao sigilo profissional ou a outra pessoa igualmente sujeita a segredo profissional’, devendo as entidades (subsistemas ou seguradoras) indicar um profissional de saúde ao cuidado de quem são comunicados os dados”.

Relativamente aos pedidos efectuados por instituições de saúde e seguradoras, com a finalidade de continuação de prestação de cuidados, a CNPD considera que “deve ser enviada a documentação clínica, com a salvaguarda da confidencialidade dos dados, ao ‘médico assistente’ que assegurar a continuidade de cuidados”.

No que respeita a pedidos para efeitos de reforma e aposentação, todo o sistema de verificação da incapacidade deve assentar, segundo a CNPD, “na necessidade de apreciar com rigor o grau de incapacidade e efectiva capacidade para o trabalho”. Daí que, tendo em atenção de que está em causa um “interesse público”, aponte para a obtenção de todos os dados clínicos relevantes (documentação em poder dos serviços hospitalares, do médico assistente, assim como solicitações de pareceres a médicos

495 Já se preconiza a codificação dos cuidados de saúde prestados de forma a não haver violação da privacidade.

especialistas). Deste modo, a Comissão considera que a solicitação e disponibilização de informação deve obedecer a pressupostos fundamentais a observar pelos vários intervenientes:

“a) a junta médica ou entidade requisitante, em pedido fundamentado, especifica a natureza da lesão por forma a permitir que o Hospital, Centro de Saúde, médico assistente ou director clínico possam enviar, toda a documentação clínica necessária às finalidades (apreciação da natureza e grau de incapacidade);

b) o Hospital, tendo em conta o pedido formulado, deve limitar-se a enviar a informação estritamente necessária a satisfazer a solicitação;

c) a entidade requisitante deve indicar o médico à ordem de quem deve ser enviada a documentação clínica assegurando, assim, a circulação confidencial da informação”.

No que respeita aos pedidos efectuados por Autoridades Judiciárias (Juízes e Ministério Público) e estando em causa a comunicação de dados de saúde, susceptíveis, por um lado, de integrar a vida privada e, por outro, sujeitos ao dever de sigilo profissional, a CNPD admite a cedência de informação a pedido da autoridade judiciária competente, com observância dos seguintes princípios:

“a) o despacho da autoridade judiciária deve ser fundamentado e especificar os motivos determinantes do pedido de colaboração, por forma a permitir que o responsável pelo tratamento ou alguém por ele mandatado (vg. o director clínico) possa pronunciar-se e ponderar sobre a relevância do pedido, podendo nos termos legais (cf.

art. 135º e 192º nº 1 e 2 do CPP e art. 519º nº 4 do CPC) ‘escusar-se’ a fornecer os elementos, por terem invocado o segredo profissional;

b) havendo ‘dúvidas fundadas sobre a ilegitimidade da escusa’, a autoridade judiciária, depois de proceder às ‘averiguações necessárias pode ordenar a prestação de informações (cf. art. 135º nº 2 e 182º nº 1 e 2 do CPP e art. 519º nº 4 do CPC)ou suscitar a resolução do incidente no Tribunal Superior”.

Relativamente aos pedidos efectuados por Autoridades Policiais (Polícia Judiciária - PJ, Polícia de Segurança Pública – PSP, Guarda Nacional Republicana –

GNR), a Comissão entende que “não existe ordenação expressa que legitime uma obrigação de fornecimento da informação de saúde” às autoridades policiais, pelo que não se deve facultar a mesma.

Note-se contudo, que o reconhecimento pela Comissão de que o facto de não se fornecer informações clínicas às autoridades policiais, não significa que essas entidades,

no exercício das suas competências como “órgão de polícia criminal”, não possam participar factos susceptíveis de procedimento criminal. E como tal, necessitem de identificar os utentes, solicitando para o efeito, a colaboração em relação aos seus elementos de identificação (nome, idade, profissão, morada, número do bilhete de identidade, lesões visíveis ou averiguadas) necessários à elaboração da participação.

No que respeita aos pedidos efectuados por advogados do próprio com apresentação de procuração forense, uma vez que a informação clínica tem carácter reservado, admite-se que o advogado tenha acesso à mesma, quando munido de procuração com poderes especiais para o efeito.

Relativamente aos pedidos de familiares de doentes falecidos, a CNPD considera que os dados eventualmente a disponibilizar, só podem ser comunicados às pessoas indicadas no art. 71º do CC – cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido496. Face à posição em que se encontram ser-lhes-à de reconhecer, desde logo, um “direito à curiosidade” sobre a causa de morte do seu familiar. Assim, o acesso só se justifica em relação à causa de morte ou ao relatório da autópsia.

Relativamente aos dados de saúde do falecido, entende a entidade independente que, por princípio, não deve ser facultado o acesso dos familiares à informação patente na ficha clínica, por razões que se prendem com o dever de confidencialidade por parte dos serviços de saúde e com a necessária reserva da intimidade da vida privada dos titulares dos dados.

Ainda assim, reconhece a subsistência de razões dignas de protecção, determinantes para fundamentar o direito de acesso:

a) O acesso para fins judiciais – apuramento da responsabilidade da Administração em relação à qualidade dos cuidados de saúde prestados ao falecido ou apuramento de eventual negligência na prestação desses cuidados. Deste modo, se os familiares invocarem a necessidade de acesso para processo judicial, será legítimo o mesmo, por força do art. 7º, nº 3, alínea d), da Lei nº 67/98497. Realce-se contudo, que a informação só poderá ser utilizada para esse fim;

496 Cf. art. 71º, nº 2, do CC. Vid. na matéria LIMA, Pires de e VARELA, Antunes (1987), pp. 104-105 e BASTOS, Jacinto Rodrigues (2005), p. 62.

497 No aludido artigo é enunciado que o tratamento de dados relativos à saúde é permitido quando for

“necessário à declaração, exercício ou defesa de um direito em processo judicial e for efectuado exclusivamente para essa finalidade”.

b) acção de indemnização no contexto de um seguro de vida – a mesma disposição da Lei da Protecção de Dados Pessoais permitirá o fornecimento da documentação clínica, se a Companhia de Seguradora se recusar a pagar a indemnização devida e o beneficiário, para solucionar a questão, intentar para o efeito, em processo judicial;

c) medidas de prevenção relativamente a doenças hereditárias ou genéticas – nas situações, em que o médico assistente do requerente (um dos familiares referidos no art.

71º do CC) pretende relacionar a doença da pessoa falecida, com a sintomatologia apresentada pelo interessado (efectuar medidas preventivas ou estabelecer um diagnóstico), será legítimo o fornecimento da informação clínica (nos termos do art. 7º, nº 3, alínea a)498. Note-se porém, que a disponibilização dessa informação será efectuada através do médico assistente do interessado, “uma vez que está em causa a protecção de um ‘interesse vital’ do requerente, digno de protecção legal”.

No que concerne a pedidos de Companhias de Seguros relativos a pessoas falecidas titulares de seguros de vida, a CNPD declara que não existe na Lei nº 67/98, ou noutra disposição legal, qualquer norma que autorize as referidas Companhias, sem consentimento (não havendo clausula contratual) e depois da morte do titular de seguro, a aceder à informação clínica em poder dos hospitais ou centros de saúde, para efeito de instrução de processo relativo a seguro de vida499.

O dever de confidencialidade da informação deve prevalecer, salvaguardando o direito de privacidade do doente, mesmo depois da morte500, por exigência de interesse público e para defesa da confiança que deve predominar em toda a organização do sistema e da prestação de cuidados de saúde.

A CNPD é, de facto, “incisa” nas orientações vigentes na deliberação que tem servido de base a este ponto - “Acesso à informação por terceiros”, sobretudo quando

498 O tratamento dos dados de saúde é também permitido quando for “necessário para proteger interesses vitais do titular de dados ou de uma outra pessoa e o titular dos dados estiver física ou legalmente incapaz de dar o seu consentimento”.

499 COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS (2004) “Principais Orientações da Comissão Nacional de Protecção de Dados 1994-2004”, p. 44; COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS (2004), “Relatório de Auditoria ao Tratamento de Informação de Saúde nos Hospitais”, p. 64. Em vida, o acesso à informação de saúde do titular, por parte das seguradoras, implica necessariamente o

“consentimento expresso” do mesmo, de acordo com o disposto no art. 7º, nº 2, da Lei nº 67/98.

500 O art. 71º, nº 1, do Código Civil, evidencia que “os direitos de personalidade gozam igualmente de protecção depois da morte do respectivo titular”. A nossa lei fixa, nalguns casos, um período para a defesa da personalidade da pessoa que morreu. O Decreto-Lei nº 16/93, no art. 17º, nº 2, estabelece um prazo de cinquenta anos sobre a data da morte e o crime de “difamação à memória do falecido”. Cf.

Decreto-Lei nº 16/93, de 23 de Janeiro, que estabelece o regime geral dos arquivos e do património arquivístico, publ. in Diário da República, I Série–A, nº 19, p. 266.

afirma que “este interesse público geral não pode ser sacrificado por hipotéticos e, muitas vezes mal definidos ‘interesses’ privados de um dos contraentes que pretende satisfazer interesses económicos unilaterais, à custa da violação da intimidade do outro contraente”501. Assim sendo, resta-nos reafirmar a posição da Comissão, evidenciando que não deve ser facultado o acesso das Companhias Seguradoras à informação clínica de um segurado, para efeito de instrução em processo relativo a seguro de vida.