CAPÍTULO 2 Senzala de Pai Benedito
2.2 A Senzala é Angoleira
67 Retomarei este ponto no próximo capítulo, portanto, aqui sua apresentação serve como exemplificação e não como unidade de análise, o que será feito no capítulo sequente.
MUTALAMBÔ-Kabila
Aruê Nganga Kabila Mutalambô - Salve o Grande Senhor Caçador, Mutalambô Mukongo Duilo! - O Caçador Do Universo! Kiuá Mutalambo!
Cantigas do ritual em homenagem Ao Inquisse Mutalambô, o segudo Inquisse a ser saudado no Xirê. A Comunheira do terreiro de Manzo é um assentamento ao grande Cacador!!!
Faz-se primeiro: a oferenda ao Exu, o Nijila da rua nas encruzilhadas. É o Ebó de rua. É dado ao Exu que é o mensageiro que abre todos os trabalhos. Então faço a oferenda e a homenagem para ele na encruzilhada, prepara-se tudo e leva para ele os presentes e o filho que vai recolher e ai vem caminhando pelo mato, pela estrada, pelo Nkossi, pela água. Ai depois tem o Ebó, que se prepara e se dá na casa e entra na camarinha para iniciar os rituais de feitura. É muito bonita a religião. A feitura se inicia com o Nkudiá Mutuè que é uma mesa que se oferece para a cabeça. Quem come ali é Kaiaia e Nkausuté68 para fortalecer a mente e purificar os banhos da madrugada e a matéria do iniciante, para ele receber a energia do Nkise. Kaiaia e Nkausuté comandam as cabeças. Em qualquer nação que eu conheço é assim que funciona. Ai tem a primeira saída com sete dias, sai de branco, todo vestido de branco louvando a Oxalá. Inquisse Lembá, na nossa nação, no Jeje chama-se a saída de Saracopã, lá é todo vestido de chita colorida e com pena de Agudidé [ave]. Ele vem a sala faz se as cantigas e depois é recolhido de novo. E com 14 dias tem nova saída e com 21 dias já sai raspado e pintado. Já sai feito, mas isto é iniciação, tem-se um caminho grande pela frente de aprendizado. É como se você tivesse passado no vestibular, se matriculado e ai vem o caminho grande pela frente. O candomblé é movido pelos elementos da natureza. Que são as folhas, que são muito importantes em nossa religião, as
inçabas que são as folhas. A maza que é a água e as pedras que são os otás. Sem
estas três coisas não conseguimos fazer santo. E nem mover o Candomblé. Por este motivo que nós candomblecistas temos muita necessidade de preservar a natureza. Nós precisamos muito de preservar a natureza: que é a água que precisamos muito e as plantas. Aprendi muita coisa de Jeje, mas sou Angoleira. (Mãe Efigênia, julho de 2012)
68 Kaiaia é a Senhora das águas salgadas. Inquisse dos Oceanos. Para os Bantos é aquela que cuida da grande
Kalunga, o mar. Nkausuté Lembá é o Inquisse da criação. Foi o primeiro Inquisse criado por Nzambi, o ser supremo. E traz em seu caminho a representação dos muitos tempos passados e eternos, e se apoia em um
cajado ritual, por ser o mais Nkakulu dos Nkices(velho). Aruê Caçador
Caça Caça no Kaindé, Bulaê Buloô Caça Caça No Kaindé
Kabila É Um Berecô
Lá Na Aruanda Ê Ô Rêrê Kabila Keuala Tala
Manzuê É Um Tata Kambono Na Aruanda Ê Aruê Arerê, Gongombira Mutalê Aruê Arerê, Gongombira Mutalê Lambaranguange Matossibauê, Tauamim Tauamim Que Tauamim Izô Tala Popô Tauamim Que
Tauamim Oia Junça Male
Zinguê no Gangulê Tatê no Gangulá Ai Ai, Zingue no
Como dito Mãe Efigênia, achava o Candomblé muito “certinho e
arrumadinho”, e sua Umbanda era “a macumba comendo ali” para os que precisavam.
Mãe Efigênia recorda que “nesta época não conhecia bem o candomblé” e “a porta da
minha casa mal comparando parecia a de Chico Xavier, todo dia chegava um quebrado,
para benzer, um queimado”. Sua aproximação desconfiada do Candomblé: “resolvi ir, mas
muito desconfiada”, se deveu ao encontro com um iniciado no Candomblé da Nação Jeje,
que viria a ser seu futuro marido: “Ai eu cresci e conheci um ogã
69que veio a ser meu
marido e que já tinha feito o Santo e me convidou só par ir aos rituais públicos de
obrigação dele.”
Segundo Mãe Efigênia, apesar de acompanhar alguns dos rituais do
Candomblé, ela preferiu não fazer o processo de iniciação neste primeiro momento, pois
ainda sentia um desconforto: “todo mundo tomando cerveja, depois da festa, eu aquela
coisa da Umbanda, eu não conformava com aquilo.” Seu processo de iniciação, no
Candomblé, ocorreu de uma forma um tanto quanto semelhante ao seu processo de
iniciação na Umbanda. Talvez por isto a Mãe goste de afirmar “não escolhi, fui escolhida”.
Após sofrer uma série de desmaios, com possíveis consequências graves para ela e para a
sua família, ela resolveu entrar para o Candomblé:
Em abril daquele ano eu grávida de barrigão caí na rua. Com hemorragia interna, pressão alta, perda de placenta. Fui para o CTI e ai eu disse minha Mãe Iansã não me deixa morrer ainda: - oh minha Mãe Iansã são sete vidas que depende da
minha. Deixa-me criar meus filhos que eu vou raspar minha cabeça, para a
senhora este ano ainda. Na hora eu melhorei, fui melhorando, que dizer: melhorei assim entre aspas, sai do risco de vida. Ai quando foi no dia 25 de agosto eu entrei para raspar minha cabeça. Fiz meu santo, mas eu não conhecia nada de candomblé se falasse assim: “- vou matar um periquito, um sabiá, um
macaco na sua cabeça”, por mim, ficaria por isto mesmo, pois não conhecia
nada. (Mãe Efigênia, março de 2012).
69 No Candomblé o ogã realiza diversas atividades, como cuidar do Peji (altar dos santos), zelar pelos
assentamentos dos filhos da casa. Tocar os atabaques, realizar a sacralização dos animais votivos, auxiliar o
pai de santo nas diversas tarefas religiosas e sociais da Casa. Ele não vira no santo, e detém grande conhecimento das práticas religiosas. Como se verá mais a frente.
O relato de Mãe Efigênia é preciso não existe uma mudança religiosa da
Umbanda ao Candomblé e sim um caminho onde se faz as trocas com os santos. O
caminho cruzado entre Umbanda e Candomblé, portanto, não supõe uma partilha tão
demarcada e opositiva como quer nosso modo religioso - apresentar-se-á mais a frente de
maneira pormenorizada esta crítica, ao que considero um modo cristão de análise dos
outros campos religiosos, adotado pela antropologia - de analisar o campo das religiões.
O despertamento do Santo, por parte de Mãe Efigênia, algo que ela escolheu,
já estava por outro lado, dado, visto que ela já havia sido escolhida e não existe nenhuma
contradição (cosmo)lógica nesta afirmativa. A narrativa de Mãe Efigênia e Makota Cássia é
precisa: em uma dada situação, os Inquisses do Candomblé, se mostraram mais potentes
para resolver o momento de crise que se vivia. Ocorre que, conforme apresentado no
capítulo anterior, a mesma Makota Cássia, afirma, sobre a potência do Ngunzo dos Santos
da Umbanda:
Esta foi uma época de muita dificuldade, lembro que passamos até fome. Quando a Mãe fez 03 anos de santo, a Mãe achou que a vida estava péssima, sem luz, sem comida direito, enfim as coisas estavam ruins.(...) Ai neste momento o que a Mãe fez foi montar o altar de novo.
Ou seja, nesta outra crise foi a potência de Pai Benedito que veio socorrer a
aflição que o grupo passava. Portanto, o caminho entre a Umbanda e o Candomblé é
cruzado, não implica em exclusões e sim em arranjos variados. Assim sendo, antes mesmo
de fronteiras, que remete mais a quantidade, seria mais adequado falar em relações em
termos qualitativos, algo próximo a sugestão de Birman (1985:28)
As fronteiras entre os cultos, são pensadas em relação as qualidades diferenciais que cada um adquire nas casas a que se vinculam e também são avaliadas pelas ações rituais que cada um terá que enfrentar caso queira ultrapassá-la.
Makota Cássia recorda-se parcialmente deste momento:
Lembro-me que as pessoas falavam que ela devia fazer o Santo, pois Iansã estava gritando na cabeça dela, que ela já era uma boa mãe de santo da Umbanda. (...) Nesta época a mãe adoeceu, sofreu um aborto natural, mas foi algo que ficou grave e a Mãe precisou ir para o hospital. Que eu me lembre, foi à primeira vez dela ser internada. Pois nós nascemos em casa. A mãe achava que estava na beira da morte e diziam a ela que o santo queria a feitura. Ela teve em termos médicos uma eclampse. Para minha mãe foi como um último aviso. (...) Ela foi procurar o terreiro deste companheiro dela. Lá o zelador de santo que era
Jeje entregou a Mãe aos cuidados de um pai de santo amigo e de confiança, pois ele não poderia cuidar diretamente da minha mãe, pois é tabu, mas ficou supervisionando. O pessoal de Jeje não tem muita ligação com a umbanda, ou pelo menos esta nossa umbanda meio macumba. Então ele disse para a mãe que ela deveria confirmar logo o Santo e mudar para o Candomblé. Minha mãe foi fazer o santo assim; lembro-me que saíamos com balaio na cabeça esmolando para conseguir dinheiro e comprar coisas para o processo de iniciação, pois ela já estava recolhida na Camarinha. (Makota Cássia, janeiro de 2014).
Mãe Efigênia foi iniciada em uma Casa Jeje, razão pela qual possui bastante
conhecimento de rituais desta Nação, mas seu pai de santo era da Nação AngolaO
Candomblé da Nação Angola também chamado de Candomblé Bantu. Banto é uma grande
família linguística com mais de 250 línguas aparentadas. Em geral os estudiosos, utilizam
o termo Candomblé Bantu para se referir tanto aos praticantes da Ngola quanto do
Congo, que utilizam o Kimbundo e o Kicongo além de variações dialetais como língua
cerimonial e ritualística. As línguas quimbumdo e quicongo se assimilaram ao português
falado no Brasil, sendo fornecedores de diversos vocábulos e expressões a nossa língua.
Em relação ao tabu de que nos fala Makota Cássia, deve se evitar a relação
sexual entre os membros da comunidade do Terreiro. Aqueles que passam pelo processo
de “despertamento do santo”, para valer-me da expressão êmica, torna-se filhos de sua
mãe ou pai de santo, e nesta condição tornam-se irmãos de santo de outros filhos de
santo de sua mãe ou pai de santo. A terminológia não deixa dúvidas e criará a hierarquia
que deve existir no comportamento e nas relações entre os parentes de santo. A família
de santo tem característica extensa, sendo comum ao iniciado falar em uma rede de
parentesco ritual: via de regra, um filho de santo saberá indicar e manterá relações
hierárquicas com seu avô ou avó de santo, bisavô ou bisavó de santo, bem como com os
terreiros destes. Certa vez, Makota Cássia me contou com alegria que alguém havia
cumprimentado-a efusivamente e respeitosamente nos termos do Santo e solicitado que
ela enviasse saudações calorosas a Mãe Efigênia, através de uma mensagem em uma rede
social. Após retribuir o cumprimento ela pediu mais informações sobre o jovem que se
dirigia daquela forma a ela e a sua Mãe. Ele então exclamou: “devo muito a Mãe Efigênia
de quem sou neto de santo”.
Makota então me disse algo, na seguinte direção: é assim, somos uma grande
família a mãe tem dezenas de filhos, já deve ter muitos e muitos netos de santo e
bisnetos. Alguns frequentam mais, outros menos, mas existe esta rede. De fato, pude
observar em festas em outros terreiros dos parentes de Santo de Manzo, que a visitação
principalmente nos toques aos irmãos de santos, primos de santos, filhos, netos e
afilhados de santo são bastante comuns. É também perceptível nas famílias certa
rivalidade competitiva entre os filhos na ocasião das festas, sendo sempre a presença de
um irmão, dos pais ou avôs de santos ou parentes principalmente os de maior hierarquia
ansiada, esperada e comemorada, mas também um momento de tensão com os
inevitáveis comentários avaliativos a respeito de como se realizou a festa, o paramento
dos santos, o toque e a ausência de parentes um grande desprestigio para o Pai ou Mãe
de Santo e seu Ngunzo. De fato, poder-se-ia dizer que faz parte da festa, os comentários
sobre a mesma. Em geral com tons de cobrança em relação àquilo que em sua casa seria
feito de maneira mais adequada.
A relação sexual entre irmãos do mesmo barco, aqueles que foram recolhidos
e iniciados ao mesmo tempo na camarinha sofre rigores ainda maiores por serem “irmãos
e irmãs de decisa
70”, ou seja, de esteiras. Iniciação pode ser feita com o recolhimento a
camarinha de apenas uma pessoa ou pode ser o recolhimento de várias pessoas, neste
caso dá-se o nome de barco a esse conjunto de iniciantes. Entretanto alguns Santos
podem não permitir a iniciação conjunta. Cabe ainda registrar que existe uma ordem
hierárquica no barco, por ordem de entrada na camarinha, cabendo, portanto aos irmãos
de decisa além do característico respeito mútuo o respeito hierárquico de iniciação.
70 Decisa é a esteira que cada iniciante possui e sobre a qual dorme, senta e realiza a maioria das atividades enquanto encontra-se recolhido na camarinha. A Decisa é posta sobre ervas e folhas sagradas. A decisa como outros objetos usados nos rituais carrega consigo o Ngunzo, portanto a decisa é pessoal e recomenda- se que não se deixe qualquer outra pessoa sentar ou deitar sobre ela.
A interdição atinge idealmente os demais membros da casa, mesmo
pertencentes a outros barcos, pois neste caso desencoraja a relação sexual entre irmãos –
ou seja, filhos de um mesmo pai ou mãe, nestes casos de santo. A regra também busca
normatizar a relação entre os kambonos
71e makotas com demais membros, do Terreiro.
Como todo Kambono é pai – ver-se-á mais a frente – e toda Makota é mãe – ver-se-á mais
a frente – neste caso a relação sexual entre estes e os demais membros da casa, seria
considerado uma relação não desejada entre pais e os filhos. Outra regra de interdição,
diz respeito ao casamento entre pessoas que possuem o mesmo santo de cabeça. Um
exemplo, em geral filhos de Nkossi são interditados de manter relações sexuais com outro
filho de Nkossi. Ainda que formais todas estas regras estejam passiveis de ser negociadas,
autorizadas ou solicitadas com e pelas deidades, mas são casos específicos e mais raros.
Os tabus – não somente do incesto - fazem parte da vida cotidiana dos
iniciados no Candomblé e são chamados de preceitos, interdições ou quizilas – kijila na
língua Banto: aquilo que não é bom – e visam a proteção dos filhos de santo das
influências que possam cruzar de forma dissipatória a proteção do Ngunzo: força sagrada
que impulsiona, as coisas, os objetos, as pessoas, que cada filho de santo carrega consigo.
Os preceitos, interdições e as quizilas são, portanto tipos de comportamentos litúrgicos,
cotidianos, verbais, sexuais, alimentares, gestuais, de vestimenta, de procedimentos que
devem ser seguidos ou evitados pelos filhos de santo em consonância com os Santos
assentados na cabeça de cada qual, ou seja, o dono de seu Ori- cabeça, daí a frase “é
quizila do meu Santo” ou então “é preceito” bastante comum na conversa com os
membros do Candomblé.
71 Tata Kambono. Tata - Pai e Kambono e suas variações Kambondo ou ainda Kambundu significa algo como:
aquele que possui grandes responsabilidades. São os que cortam, rezam, cantam para o santo, bem como
Entretanto, se o tabu é importante, a maneira como cada Abassá
72lida com as
transgressões aos tabus é especifica. Lucas, companheiro de Mãe Efigênia, sempre afirma:
“Cada Casa é uma Casa.” Ou então: “Cada Candomblé é único, não existe um certo e
errado universal” para em seguida apresentar uma série de regras implícitas e complexas.
Na qual a palavra final será sempre do Santo. É este que define o preceito, a interdição, a
quizila ou sua suspensão. Assim, como dito acima, apesar das interdições matrimoniais a
sua prática poderá ser autorizada ou determinada pelo Santo, por exemplo, para o bem
de um filho.
A obediência aos preceitos e quizilas é bastante grande, mas não se trata de
uma obediência definida por razões apenas protocolares ou convenções exteriorizadas,
ela é fundamentada na relação pessoal do filho de santo com seus Inquisses. Sua força
reside neste caráter de dom e contra-dom com o Santo. Tanto as quizilas, os preceitos
como as chamadas obrigações para com o santo, podem ser negociados caso a caso.
Como por exemplo, o oferecimento de Bori aos santos como recompensa pelo atraso no
processo de feitura do santo, que explicitarei mais a frente.
Portanto, existem quizilas e tabus que são pessoais, ou seja, só se aplica a uma
determinada pessoa, e são determinados pelos odus – caminhos, presságios, destinos e
predestinações - daquela pessoa. Algumas quizilas e alguns preceitos não são estáveis
mudando, de acordo com o desenvolvimento do iniciado, com a situação, o lugar, o
contexto, dentre outros. Disto temos que: Um filho de santo em etapa inicial possuirá
mais interdições que um filho que já alcançou mais graus hierárquicos no santo.
Os tabus, interdições, quizilas, preceitos e obrigações servem também como
temas jocosos, sendo estes momentos bastante propiciatórios para aprendizados. É
comum, a formação de rodas de conversas antes da realização de atividades no
72 Salão onde se realizam as cerimônias públicas do candomblé, também chamado de terreiro, roça de santo, barracão.
Candomblé, e se existe um respeito nos atos e etiquetas bastante rigoroso, como tão bem
registrou a literatura do tema, existe também nestas rodas, - pode presenciar
principalmente aquelas formadas por kambonos - uma forte relação de jocosidade que
funciona como uma “relação séria” para usarmos os termos de R. Lowie (1920) “Os
gozadores de um homem são também seus censores morais”
73.
É interessante notar que se os preceitos e interdições – e suas violações –
cumprem através de suas transgressões uma função pedagógica, pois servem de exemplo
para todos os membros da Casa, cumprem antes um papel de regra de aprendizado das
coisas do santo. Cabe aos noviços observarem os comportamentos dos mais velhos e a
partir desta observação e de erros e acertos cumprir um processo educativo que se baseia
na práxis mais do que na teoria.
Como me disseram alguns iniciados de Manzo, as coisas do santo se aprendem
no fundo da roça, ou seja, ao longo do processo iniciático, através da vivência. Sendo que
o descumprimento de preceitos e quizilas muitas das vezes por desconhecimento dos
mesmos torna-se um momento importante de aprendizado. Que pode acontecer através
73 Entre os kambonos existe um tipo específico de socialidade que se organizam, em torno de visitas as
macumbas, sendo este momento de tocar o instrumento de percussão e a participação na festa um dos
principais divertimentos dos ogãs. As festas funcionam, portanto, para além de seu aspecto religioso como momento privilegiado de socialidade e lazer. Algo bastante semelhante foi visto por Birman em sua pesquisa em Umbandas e Candomblés do Rio de Janeiro do começo dos anos 80: “Há uma circulação jovem e
masculina. Aquela que “corre macumbas” em busca de festa e principalmente em torno do interesse que despertam os intrumentos de percussão. “Tocar tambor”, de casa em casa, ganhando bebida em troca, é algo corriqueiro entre jovens e certamente é vivido como uma grande diversão.” (Birman, 1995:10) A
afirmação de Birman acrescentaria que para o universo das macumbas de Belo Horizonte, a presença nas festas não é somente motivada pelo ganho na forma de bebida; existindo também, principalmente nas casas mais novas ou de menor prestígio a contratação mediante troca financeira de kambonos músicos. Os Kambonos criaram grupos exclusivos de conversas nas redes sociais, como o facebook e o whatsapp onde combinam a participação nestes eventos, onde comentam sobre festas, rituais, sobre outros filhos de santo, trocam fotos, comentam de vestimentas, bem como é um espaço para a exibição e defesa das qualidades de determinados tocadores, enfim um espaço em que se pode exercer uma das atividades importantes da vida no santo, o fuxico. Para além das festas nos Terreiros, outro momento em que se é possível encontrar muitos kambonos são as rodas de samba.