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5 FAMÍLIA OU FAMÍLIAS: DE QUEM FALAMOS?

5.2 A situação socioeconômica e cultural das famílias

Em uma sociedade marcada pela desigualdade socioeconômica, como a nossa, a falta de oportunidade de muitos para viver dignamente é gritante. Falta emprego para muitos, e o salário da maioria não garante a satisfação das necessidades básicas, como moradia, alimentação, lazer, entre outras.

Nesse contexto inserem-se as famílias que participaram da investigação que ora apresentamos. Esclarecemos que as citadas famílias estão inseridas em um dos bairros de Fortaleza, com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH36), devido à incidência de

36 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida comparativa que engloba três dimensões:

riqueza (condicões socioeconômicas), educação (taxa de alfabetização de pessoas com 15 anos ou mais de idade) e longevidade (esperança de vida). É uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população. O índice foi desenvolvido em 1990 pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq, e vem

baixo nível de escolaridade, situação socioeconômica precária, alto índice de desemprego etc.

Vale ressaltar ainda que, por apresentar baixo IDH, a comunidade está incluída em programas de Políticas Sociais que têm por objetivo minimizar as consequências de tal situação. Dentre os investimentos sociais desenvolvidos na comunidade, identificamos o Projeto ABC, o Projeto Agentes de Leitura na Família e o Programa Bolsa Família.

O Projeto Aprender, Brincar e Crescer (ABC) integra crianças e adolescentes de sete a dezessete anos em atividades socioeducativas, esportivas, artísticas e profissionalizantes. O objetivo do Governo do Estado com esse projeto é fazer da arte e da educação um instrumento propulsor do desenvolvimento humano.

Apesar dessa oferta, dentre as famílias investigadas, apenas uma participa do Projeto ABC; seis participaram, mas desistiram; e onze ouviram falar, mas, sequer, chegaram a conhecer.

O Projeto Agentes de Leitura na Família surgiu de uma proposta da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (SECULT) ao Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP). É realizado em 15 municípios do interior cearense e em cinco (5) bairros da cidade de Fortaleza com baixo Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM) (dentre eles destaca-se o bairro das famílias investigadas), em parceria com a Secretaria de Educação (SEDUC) e a da Ação Social (SAS) do Estado, também com associações comunitárias, organizações não governamentais e com secretarias de cultura e de educação dos municípios envolvidos com o projeto. O objetivo desse projeto é promover a democratização do acesso ao livro e aos meios da leitura como ação cultural estratégica de inclusão social e de desenvolvimento humano. Através de atividades de socialização de acervo bibliográfico e de experiências de leituras compartilhadas, fomentam-se o exercício de cidadania, a compreensão de mundo e a possibilidade de apropriação do sistema alfabético de escrita.

Quanto à participação das famílias nesse projeto, quando interrogadas, apenas uma família soube falar a respeito do mesmo. “Eles vieram nas portas. Quando começou Edu nem sabia ler direito, a irmã é que lia”.

O Programa Bolsa Família (PBF) é uma ação de transferência direta de renda, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), com condicionalidades,

sendo usado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no seu relatório anual. (http://pt.wikipedia.org/wiki).

que beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 70,00 a R$ 140,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 70,00), cujo objetivo é combater a fome, promover a segurança alimentar e nutricional, combater a pobreza e outras formas de privação.

Identificamos oito famílias, dentre as investigadas, que já recebem Bolsa Família, as demais estão aguardando o benefício. Embora, esse tipo de ajuda não seja o mais adequado, porque não possibilita a autonomia das famílias na subsistência e gerenciamento de seu modo de viver, em muitos casos, a Bolsa Família é a única renda certa no final do mês.

Os dados apresentados a seguir mostram a realidade socioeconômica das dezoito famílias entrevistadas. O Quadro 13 situa as crianças conforme a renda de suas famílias, e o Gráfico 4 representa essa realidade em percentuais.

Quadro 13 - Crianças e renda familiar Nº. de

crianças

Crianças Renda familiar

(salário mínimo)

1 Dav ½

4 Drian, Ru, Est, Ma 1

2 Barb, Adri 1 e ½

8 Mul, Vic, Ry, Wan, Lori, Edu, Am, Fab 2

2 Vi, Yas 3

1 Eli 3 e ½

Vale ressaltar que os valores apresentados são estimados, uma vez que predomina como origem de renda o trabalho informal (diarista, manicure, servente etc.), exceto no caso dos aposentados e daqueles que trabalham formalmente e percebem um salário mínimo por mês, cujo valor é estabelecido nacionalmente. Também o valor do Bolsa Família foi declarado oralmente, durante as entrevistas.

Os dados apresentados confirmam o que já havia sido diagnosticado pelo IDH da comunidade. Porém, apesar disso, o que se observa é que algumas famílias, mais que outras, vivem em situação de extrema pobreza, como é o caso da família de Dav, em que cada um dos quatro membros percebe menos de R$ 20,00.

Mesmo nos casos em que a família percebe mais, ao final do mês, como a família de Eli, a renda não passa de R$ 163,00 por pessoa. Há família de dez integrantes, como a de Adri, que percebe renda mensal de R$ 70,00 por pessoa, por exemplo.

O gráfico a seguir indica a origem da renda das famílias e a quantidade de pessoas que sobrevivem com essa renda.

Gráfico3 – Salário, fonte de renda e Nº. de pessoas por domicilio.

Conforme o exposto, as famílias vivem de renda que varia entre meio e três e meio salários mínimos. A maioria, 44% (8 famílias), quando somam as rendas oriundas de diferentes fontes (trabalho formal e informal, aposentadoria e Bolsa Família), totalizam valores compreendidos entre um salário mínimo e meio a dois salários mínimos e meio. Nestas, a quantidade de membros que dependem dessa renda varia entre 5 e 7 (dentre elas, apenas três famílias recebem Bolsa Família que varia entre vinte e oitenta e quatro reais).

Em 33% (6) famílias, cuja quantidade de membros varia entre quatro (4) e doze (12), percebem renda de até um salário mínimo e meio. Dentre elas, apenas duas contam com a ajuda do Bolsa Família - uma recebe vinte reais (R$ 20,00) e a outra recebe cento e dois reais (R$ 102,00).

Em três famílias, 17% (3), a renda mensal chega a três salários mínimos e meio. Uma delas, a família de Vi e Yas, cujo desenho familiar é de multifamília, vive com renda de três salários mínimos e não recebe ajuda do Programa Bolsa Família; a outra, a família de Eli, família nuclear, formada por cinco membros, a renda mensal totaliza três salários mínimos e meio, incluindo os setenta reais (R$ 70,00) do Programa Bolsa Família.

Embora nem todas as famílias recebam Bolsa Família, esse tipo de ajuda é crucial. Na família de Dav, por exemplo, que vive em situação de extrema pobreza, o Bolsa Família é a única renda certa para suprir as necessidades básicas da mãe e dos três filhos, cujo valor não passa de meio salário mínimo.

Uma família (6%), já mencionada anteriormente, tem renda mensal, certa, de meio salário mínimo.

Por ocasião da visita ao domicílio dessa família, foi constrangedor ouvir o desabafo da entrevistada. Tenho até vergonha de não poder mandar entrar... Não tenho nem um banco pra sentar (mãe de Dav). O pequeno espaço físico de um único vão servia de morada para essa família, mobiliado com uma cama, um fogão e uma mesa. Inclusive a entrevista foi realizada em pé, do lado de fora da casa, literalmente no meio da rua, devido à sua localização.

Com base nos dados coletados por meio das entrevistas e das observações in loco, percebeu-se que, apesar das políticas públicas implantadas e implementadas na comunidade, estão sendo nagadas a essas famílias as efetivas condições para que vivam dignamente e com qualidade. A forma de viver evidencia que essas famílias deixam de usufruir das vantagens que o patrimônio econômico e cultural mínimo proporciona e não garantem às gerações mais novas o patrimônio de que necessitam para seguirem autonomamente.

Alia-se à realidade socioeconômica dessas famílias o baixo nível de escolaridade e, até mesmo, a falta de habilidade de muitos para decifrar a língua escrita. São raras as famílias em que não há, pelo menos, uma pessoa analfabeta. E, além da impossibilidade de decifração de textos, há ainda o analfabetismo político, que impede a decifração da própria vida, vista como condição mais agravante, conforme assevera Freire (1982, p. 90):

Se, do ponto de vista lingüístico, o analfabeto é aquele ou aquela que não sabe

ler e escrever, o “analfabeto” político – não importa se sabe ler e escrever ou não – é aquele ou aquela que têm uma percepção ingênua dos seres humanos em suas

relações com o mundo, ou uma percepção ingênua da realidade social, que para ele ou ela, é um fato dado, é algo que é não e não que está sendo.

Essa não é uma escolha de vida, mas uma condição construída ao longo da história política, econômica e social de nosso País.

Quanto ao nível de escolaridade dos responsáveis pelo cuidado e pela educação das crianças envolvidas na investigação, apresentá-lo-emos na seção seguinte.