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5 FAMÍLIA OU FAMÍLIAS: DE QUEM FALAMOS?

5.1 Os tipos de arranjos familiares

A família não é um sistema fechado em si mesmo, mas um complexo ator social, mergulhado em múltiplos processos interativos com a sociedade em que se insere: nem puramente passiva nem absolutamente autônoma. No entanto, cada família encontra um jeito próprio para viver conforme suas condições. É o que se apreende a partir da análise dos tipos de arranjos familiares, identificados no universo de dezoito famílias.

Embora o número de famílias investigadas seja pequeno, é importante esclarecer que os arranjos familiares categorizados por nós possuem além de singularidades, nuances que deixamos de considerar, pois, embora significativas, não comprometem a qualidade do estudo.

Por exemplo, algumas crianças passam o dia com os avós e/ou com outros parentes, ou seja, fazem parte de multifamílias, porém, à noite, dormem com a mãe e com os irmãos em outro domicílio, como é o caso de Drian, Ry e Wan. Em casos como esses, a

categorização das unidades familiares teve como critério o tempo de vigília em cada um dos domicílios. Se a criança passa o dia com os avós e, apenas, dorme com a mãe, ela foi considerada fazendo parte da família dos avós porque a possibilidade de interação no ambiente familiar é crucial neste estudo.

O quadro, a seguir, mostra a criança e tipo de arranjo familiar do qual faz parte, bem como os tipos de vínculos.

Quadro 11 – Crianças, arranjos familiar e familiares

Criança Desenho familiar Vínculos (biológicos, parentais...)

Eli, Adri, Est, Ma

Família nuclear Pai, mãe e filhos da mesma união

Vic Família monoparental Mãe e filhos

Drian, Yas, Dav Vi, Am, Mul, Lori,

Ru, Wan, Ryn Barb, Edu, Fab

Multifamílias: nuclear, monoparental e pessoa sozinha

Avós, mães, pais, companheiros (madrastas e padrastos), tios, filhos, netos e primos, conhecida.

Dentre as dezoito famílias, apenas quatro (22%) possuem estrutura nuclear, ou seja, são formadas por pai, mãe e filhos (biológicos), como é o caso das famílias de Eli, Adri, Est, Ma; uma família (6%), a de Dav, é formada pela mãe e seus filhos; e treze famílias (72%) são constituídas tanto por membros parentais biológicos (avós, pais, filhos, netos) como por membros parentais afetivos (filho adotivo, padrastos, madrastas) e por outro tipo de vínculo parental - tem como base “pactos de convivência” -, como é o caso de uma pessoa de oitenta anos que faz parte da família de Yas e Vi.

O quadro, a seguir, exemplifica um tipo de multifamilia, da qual fazem parte as primas Vi e Yas. As duas convivem em um mesmo domicílio com mais oito pessoas.

Quadro 12 - Exemplo de multifamília

Família 1 Mãe/avó e companheiro, filho solteiro e filhas que

constituíram outras famílias

Família 2 Filha/mãe e dois filhos

Família 3 Filha/mãe e marido e duas filhas

Família 4

Amiga da família. Por se tratar de uma pessoa idosa e encontrar-se distante dos seus parentes foi

convidada para fazer parte dessas famílias

Vários motivos concorrem para a configuração de multifamílias, porém a situação socioeconômica é a mais plausível.

Quando o casal ou um dos genitores não consegue prover o sustento dos filhos, buscam a ajuda dos avós das crianças. Às vezes, estes, na medida do possível, garantem

além da moradia a satisfação das necessidades básicas (alimentação, saúde e educação) dos filhos e de suas famílias, enquanto os pais não conseguem atividades remuneradas. Outras vezes, oferecem a moradia e cuidam das crianças enquanto os pais trabalham fora. Nas duas situações, os avós ficam responsáveis pela educação e pelo cuidado das crianças, porquanto passam a maior parte do dia na companhia destes.

O fator econômico tem implicações tanto na forma de estrutura familiar como nos tipos de moradia. Impossibilitadas de adquirirem moradia, seja por meio da propriedade do imóvel ou por meio de aluguel, algumas famílias dividem e/ou ampliam o domicílio disponível para abrigar um maior número de pessoas. Ampliam na vertical, construindo uma laje, ou na horizontal, fazendo uma puxadinha. Solidariedade, cooperação e cumplicidade são atitudes presentes em toda a comunidade.

Em relação à função dos membros, apesar do reduzido número de famílias analisadas, foi possível observar que a tarefa de cuidar e educar as crianças em todas elas é da mulher, seja mãe, avó, tia ou irmã. Até mesmo quando o pai convive com a criança, o cuidado e a educação das crianças são sempre da mãe.

De modo geral, quando as uniões estáveis foram dissolvidas, as crianças ficaram com a mãe e, geralmente, as avós se responsabilizam pelas filhas e netos. No caso de Am, quando seus pais separaram-se, ela passou a morar com os avós paternos juntamente com a irmã. Já o Mul, mesmo tendo os pais morando juntos, a avó paterna assumiu todo o cuidado e toda a educação dele. Mul passa somente o final de semana com os pais e a irmã. Na família de Dav, quando o pai abandonou o domicílio, a mãe cuidou sozinha dos filhos.

Devido a situações semelhantes a essas, é significativo o número de avós tomando para si a responsabilidade pelo cuidado e pela educação dos netos. Às vezes, para liberar a mãe para o trabalho fora de casa; outras vezes, porque a mãe ou o casal não conseguem sozinhos suprir as necessidades básicas dos filhos; ou, ainda, porque estes não têm onde morar.

Gráfico 2 – As avós e a educação das crianças

Como ilustra o Gráfico 2, em 12 famílias (67%), as avós são as principais responsáveis pelo cuidado e pela educação das crianças e, muitas vezes, pelo sustento, por motivos já citados;Em apenas 5 famílias (28 %), os pais são os responsáveis diretos pelos filhos e, quando necessário, encontram outras saídas que não seja a ajuda dos avós. Na família de Ru, por exemplo, quando o pai faleceu, a mãe constituiu outra união, passando para o companheiro a responsabilidade pelo sustento da família refeita; e, em 1 família (5%), a mãe sozinha é responsável pelos filhos.

O número expressivo de avós responsáveis pelo cuidado e pela educação das crianças é mais uma das mudanças observadas nas famílias contemporâneas, uma vez que, nas famílias burguesas, segundo Donatelli (2006), não competia aos avós educar os netos. “Historicamente, a vida em família da burguesia sempre esteve focada no núcleo familiar construído por pai, mãe e filhos; os avôs possuíam pouca ou nenhuma influência sobre a educação dos netos [...]” (p. 79). É possível que essa mudança na modernidade tenha relação com o aumento de longevidade dos brasileiros, em especial da mulher35; com a melhoria no atendimento da saúde que vem contribuindo para que as mulheres, quando avós, tenham mais disposição física e saúde; e, com o fato de as avós, ainda em idade bastante jovens, terem tido filhos e o mesmo ocorrido com seus descendentes (filhos e filhas).

35Conforme IBGE.

http://www1.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1275&id_pagina=1.Ac essado no dia 11 de julho de 2010.

5%

28%

As exigências da contemporaneidade, como se pode inferir, atinge todas as classes socioeconômicas. No entanto, como diz Donatelli (2006, p. 80), as famílias de classes populares, “no limite da cidadania e da pobreza, constroem outros meios na educação dos filhos e no plano da convivência, e organizam a vida, a educação dos filhos e o núcleo familiar de maneira diferente da das classes médias”. Contudo, os pais não abandonam totalmente os princípios gerais das famílias, como a obrigação com o cuidado e com a educação dos filhos.

Podemos exemplificar essa afirmação com o depoimento do pai de Am. A criança mora com os avós porque a mãe foi embora e o pai constituiu outra família. Embora passando para os avós a responsabilidade que seria dos pais, segundo ele, na medida do possível, procura contribuir para a educação da filha, inclusive mora ao lado de seus pais.

Ela mora com minha mãe. A mãe dela não é muito responsável... a mãe ficou com pena e levou a Am pra morar com ela. Mas tudo mundo ajuda, porque todo mundo mora perto. Eu moro do lado com a minha mulher. A mãe e o pai não sabe ler... Quando ela chega lá em casa a gente manda ela ler. A minha prima ensina as tarefas, ou a tia dela [...] (pai de Am).

As famílias se organizam como podem para dar conta de suas atribuições, mesmo divididos entre os valores da família burguesa, como o cuidado e a educação das gerações mais novas e as condições reais de vida.

As seções, a seguir, revelam facetas da realidade socioeconômica e cultural dessas famílias, a qual tem implicação no modo de viver nos tipos de interações familiares.