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2.2 Leitura: processo cognitivo

2.2.1 Percepção e memória no processo de leitura

Para Smith (1989), o processo de construção do significado do texto origina-se de duas fontes de informação: informação visual ou por meio dos olhos e informação não visual ou de trás dos olhos. A primeira refere-se a informações advindas do texto, dos elementos textuais, tais como tipologia, gênero, suporte, palavras, letras e outras marcas gráficas. A segunda, informação não-visual, refere-se aos conhecimentos prévios do leitor sobre o texto, sobre a língua e sobre o tema do texto, em questão, armazenados na memória.

Dessa forma, a leitura se inicia a partir da percepção, isto é, por meio da captação de estímulos visuais (no caso de texto impresso) ou táteis (no caso de texto impresso em

braille) para serem processados. A percepção coleta dados a fim de serem analisados pelo cérebro, amplamente sob a orientação deste.

A informação perceptiva é crítica, mas, sozinha, sem contar com as operações da memória, não garante a leitura. “As decisões perceptivas do cérebro estão baseadas apenas em parte na informação colhida pelos olhos, imensamente aumentadas pelo conhecimento que o cérebro possui” (SMITH, 1989, p.84).

Em relação às operações da memória, Smith (1989) considera quatro aspectos ou características: a) input (como o material é recebido). O input é muito rápido, correspondente aos primeiros milésimos de segundo de uma fixação; b) capacidade (o quanto o material pode ser armazenado). A capacidade é grande o bastante para manter a informação visual equivalente a 25 letras. Contudo, o cérebro não é rápido o suficiente para identificar qualquer coisa próxima a esse número, realizando a seleção da informação que será processada por vez; c) persistência (quanto tempo pode ser mantido). A persistência é muito breve, dura cerca de um segundo, sob condições ótimas, mas a informação se apaga antes deste tempo, e começa outra fixação; d) recuperação (fazer a informação sair novamente). A recuperação depende do quão rapidamente o cérebro pode extrair sentido da informação recebida.

De acordo com Kleiman (2007), no processo de coordenação do armazenamento sensorial, as informações chegam à memória de trabalho (memória de curto prazo) e, com o auxilio da memória intermediária, chegam à memória de longo prazo.

O processamento do objeto começa pelos olhos, que permitem a percepção do material escrito. Esse material passa então a uma memória de trabalho que o organiza em unidades significativas. A memória de trabalho seria ajudada nesse processo por uma memória intermediária que tornaria acessíveis, aqueles conhecimentos relevantes para a compreensão do texto em questão, dentre todo o conhecimento que estaria organizado na nossa memória de longo prazo (também chamada memória semântica, ou memória profunda) (2007, p. 32).

De acordo com a citada autora, no processo de apreensão perceptiva do material escrito por um leitor autônomo, ocorrem dois movimentos oculares: as fixações e os movimentos sacádicos. Isto quer dizer que o leitor eficiente fixa o olhar num lugar do texto (a fixação) para depois pular para outro trecho (a sacada), e fixar-se num ponto mais adiante. Durante a leitura, os olhos vão para frente ou retrocedem conforme é a complexidade do material escrito.

As fixações são breves períodos de tempo durante os quais o olho examina uma pequena área do texto. Elas ocorrem somente sobre algumas palavras do texto. As palavras de duas ou três letras (artigo e conectivos, por exemplo) são geralmente omitidas, enquanto que as maiores podem ser fixadas mais de uma vez. Porém, embora nem todas as palavras sejam fixadas, todas recebem algum tipo de processamento visual, caso contrário não seria possível construir o significado do texto.

Quando um trecho é examinado com sucesso, ou seja, quando encontra significação para o que está sendo processado, o olho é movido para a área seguinte. O movimento do olho para a próxima área de fixação é chamado de sacada, ou movimento sacádico.

Após o breve exame das unidades linguísticas pelos olhos, estas são enviadas para o processamento na memória de trabalho.

A memória de trabalho é um componente cognitivo ligado à memória, que permite o armazenamento temporário de informação. Corresponde à capacidade do leitor para estocar o material que está sendo fixado. À medida que as palavras são percebidas, a mente é ativada para construir significados, e um dos primeiros passos nessa atividade é o agrupamento em frases (essa parte do processamento é concebido na linguística como fatiamento) com base no conhecimento que o leitor tem sobre a língua.

A memória de trabalho, no entanto, tem capacidade finita e limitada; trabalha com aproximadamente sete unidades ao mesmo tempo. No processo de agrupamento e análise, à medida que entram mais unidades, a memória precisa esvaziar as unidades estocadas anteriormente.

Segundo Smith (1989), o material na memória de curto prazo (memória de trabalho) deve ser manuseado o mais rápido possível, pois

A retenção de algo mais de uma ou duas fixações, por exemplo, atrapalha a atenção necessária para a tarefa em mãos na leitura e promove uma perda de compreensão adicional. Quanto mais o leitor enche a memória de trabalho com letras não relacionadas umas às outras, pedaços de palavras e outros itens sem significado, mais as letras e pedaços de palavras que o leitor atualmente tenta compreender tendem também a se tornar incompreensíveis (SMITH,1989, p. 116).

Pesquisas realizadas por Broadbent (1975) e Glanzer e Razel (1974) e citadas por Davidoff (2001) revelaram que pessoas expostas à exibição de letras, palavras, dígitos, sons e outros estímulos, quando solicitadas a lembrarem o máximo possível dos itens, não conseguiram reter na memória mais de sete partes (agrupamentos).

Podemos constatar essa investigação tentando ler o texto abaixo conforme a segmentação sugerida. Decodificando por letra:

É – D - E - P – É – R – O – L – A – S, - O – C – O – L – A – R – D – E – C – A – R –

O - L – I – N – A.

Se o leitor tentar ler letra por letra, não conseguirá manter todas essas unidades na memória de trabalho, portanto não conseguirá construir um sentido para a sequência de letras. O mesmo acontecerá se ler nomeando apenas as sílabas.

É – DE – PÉ – RO – LAS, O – CO – LAR – DE – CA – RO – LI – NA. - E - LA GA – NHOU - O - CO – LAR - DE – SEUS – A - VÓS.

Ao chegar à quinta sílaba (o que corresponde a três palavras), a memória de trabalho estará quase no limite de sua capacidade necessitando ser esvaziada. Ou seja, ao identificar uma unidade “É DE PÉROLAS” (primeira fatia), o leitor voltará sua atenção para a segunda unidade, “O COLAR DE CAROLINA” (segunda fatia), na busca de obter sucesso na leitura e assim sucessivamente. Segundo Kleiman (2007, p.34), o aspecto mais importante dessa capacidade da memória de trabalho é que

Não faz diferença, para seu funcionamento, o tipo de unidade que usa para seu fatiamento: precisa apenas ser uma unidade significativa, isto é, ser reconhecida como alguma entidade, seja essa letra, sílaba (agrupamento de letras numa unidade que reconhecemos) ou palavra (agrupamento de sílabas numa unidade maior).

À medida que vai processando o texto, o leitor proficiente usa os conhecimentos (conhecimento linguístico, textual e de mundo) que tem internalizado para fazer predições. Como, por exemplo, o tipo de conhecimento que determina o artigo que precede o nome; o nome que combina com o adjetivo. Com base nesses conhecimentos, o processamento de uma determinada unidade ajuda o processamento da seguinte.

A memória intermediária trabalha ininterruptamente em um processo de esvaziamento e escolha para armazenamento de informações. Logo, se o leitor não consegue agir de forma seletiva para armazenar informações no momento de leitura, significa que ele descartará todas as informações lidas; ou que as novas informações não fazem sentido para ele. Dessa forma, não conseguirá estabelecer um nexo com as unidades significativas maiores já sedimentadas. Como afirma Smith 1989, p.121), “a memória de

curto prazo não é uma antecâmara da memória a longo prazo, mas aquela parte da memória a longo prazo que utilizamos para atentar e extrair sentido das situações atuais”.

A memória de longo prazo tem o objetivo de formar arquivos (estruturas de conhecimento – esquemas, explicitados na seção a seguir) e consolidá-los na mente. Essas informações podem durar de minutos e horas a meses e décadas, desde que tenham sido organizadas de forma compreensível e sejam significativas para o indivíduo. São exemplos desse tipo de memória as nossas lembranças da infância ou de conhecimentos significativos adquiridos na escola ou no convivio com pessoas mais experientes.

A compreensão do texto depende de estruturas de conhecimentos pertinentes para processar a informação recebida, bem como da habilidade desenvolvida pelo leitor para fazê-la.

Para Smith (1989, p. 119), “a memória de longo prazo é verdadeiramente eficiente, mas somente se a aquisição e a organização do novo material são dirigidas por aquilo que já sabemos”. Os conhecimentos adquiridos anteriormente mantêm o equilibrio e tornam a leitura possível. Portanto, é nos conhecimentos armazenados na memória a longo prazo que o leitor encontra, ou não, significação para o texto processado. Conforme assevera Kleiman, (2007, p. 27), a leitura

Implica uma atividade de procura por parte do leitor, no seu passado, de lembranças e conhecimentos, daqueles que são relevantes para a compreensão de um texto que fornece pistas e sugere caminhos, mas que certamente não explicita tudo o que seria possível explicitar.

A leitura, entendida como “uma interação entre o leitor e o texto” (SMITH, 1989, p. 86), é um processo seletivo para a satisfação de um propósito. Envolve, portanto, o uso de habilidades para antecipar, confirmar, rejeitar e refinar informações enquanto o texto é processado. Devido à complexidade de atividades mentais que abrangem a leitura, Goodman (1987) a considera um jogo psicolinguístico.