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A entrevista concedida pela quebradeira de coco Maria Adelina de Sousa Chagas, a Dada, no Programa do Canal Saúde, sobre as mulheres quebradeiras de coco babaçu, exibido 11 de março de 2008, demonstra a forma de organização coletiva e solidária das mulheres quebradeiras para execução do trabalho extrativo do babaçu.

A gente trabalha coletivo. As mulheres se juntam, se articulam, um dia antes, pra organizar, no dia seguinte, 7 horas, 7 e meia da manhã, em caminhada para o mato para quebrar o coco babaçu ou para coletar, juntar, catar o coco para trazer para casa. A gente trabalha de duas formas: ou quebra o coco lá no mato ou traz pra casa. Ultimamente, a gente acha melhor trazer pra casa, porque aproveita a casca pra fazer carvão. Mutirão é a nossa forma de trabalho. Nós não trabalhamos individual. Quando vamos quebrar o coco ou juntar o coco, juntamos 3, 4, 5, 10 mulheres. Quando vamos cobrir a casa, todos os homens e, às vezes, até as mulheres vão ajudar. Outras mulheres se junta e vai quebrar pra mim. Eu vendo, eu junto o coco. Nós vamos juntar coletivo. Aí eu junto uma carga, ela junta outra carga, a gente separa aqui os montes. Aí no dia que eu vou quebrar elas vêm quebram aquele coco todo pra mim. Aí depois eu também vou ajudar a quebrar os delas. Então essa é uma forma solidária e também melhor. Então, eu tô devendo uma prestação, então eu preciso de uma quantidade maior de coco, então elas vêm quebrar pra me ajudar eu pagar minha prestação. Então é um trabalho bem interessante131.

O trabalho coletivo e solidário das mulheres quebradeiras é o que move a sua organização política e social, traduzido por um vocabulário político próprio, originado da prática extrativista do coco babaçu, pois o mutirão é forma organizativa, que as mulheres quebradeiras lançam mão para praticar a atividade extrativa do babaçu. Esse trabalho coletivo congrega as mulheres quebradeiras e as articula politicamente, pois ao se reunirem em grupos de 5, 7 ou 10 mulheres, unem suas forças não apenas para extrair o babaçu, mas para ajudarem-se mutuamente, sendo primordial, também, ressaltar a representação que as palmeiras de babaçu têm sobre a vida das mulheres extrativistas e suas famílias.

130 São homens, mulheres e crianças que não necessitam de qualificações anteriores, contratados como trabalhadores eventuais no período de safra e que recebem salário de acordo com a sua produção. Realizam a coleta do coco inteiro e são responsáveis pelas relações de trabalho entre as indústrias e os trabalhadores eventuais, que muitas vezes se desenvolvem sob formas análogas à escravidão, pois, como não são organizados, ficam sem capacidade de reivindicar direitos e sem laços de coesão política, o que os leva a se tornarem reféns de dívidas com os denominados fornecedores (ALMEIDA et al. 2005, p. 85-96).

131 CANAL SAÚDE. Programa quebradeiras de coco. Realização FIOCRUZ e Canal Saúde. Produção: Mult Image. Apresentadora: Marcela Morato. Programa exibido em: 11de março de 2008. Duração: 25 min. e 09 seg., son., color. Disponível em: http://www.canal.fiocruz.br/video/index.php?v=quebradeiras-de-coco. Acesso em: 11 nov. 2010.

A lógica dogmática da propriedade privada se inverte, pois as mulheres quebradeiras não entendem a palmeira de babaçu como um bem secundário, como um mero acessório ao solo, como afirma o artigo 92132, do Código Civil de 2002.

Em outras palavras, as palmeiras de coco babaçu representam a vida, pois é daí que as quebradeiras retiram todo o seu sustento, independentemente de onde elas estejam. Elas consistem num recurso vital e a evidência da sua importância tem se materializado na principal reivindicação do movimento pelo babaçu livre (SHIRAISHI NETO, 2006, p. 16).

No entendimento das mulheres quebradeiras, o coco babaçu não é um recurso privado, mas um recurso natural ao alcance de todos, as leis do babaçu livre foram desenvolvidas a partir dessa lógica. Na entrevista concedida ao Canal Saúde, em 11 de março de 2008, a quebradeira de coco Aline Raquel Chagas, do Assentamento de São José dos Mouras, Município de Lima Campos, Região do Médio Mearim, Maranhão, deixa transparecer em suas palavras o desejo pelo babaçu livre: “Eu num quero nada da propriedade deles. Eu só quero entrar e pegar o babaçu. Só isso, que ele não plantou, nasceu da natureza”133.

Pela fala da quebradeira de coco Aline Chagas, a livre entrada nas áreas de incidência de babaçu, que se localizam em propriedades privadas, é fortemente reivindicada pelas mulheres quebradeiras, é imprescindível para a sobrevivência da comunidade, representando a valorização da atividade da mulher quebradeira e expressa o entendimento de que a propriedade pode ser privada, ter dono, mas o recurso do babaçu é livre, aberto e deve estar ao alcance de todos, não individualizado como desejam os proprietários de terras, entendimento que confronta diretamente com a maneira de se relacionar com as palmeiras de babaçu das mulheres quebradeiras.

Pelo fragmento abaixo, percebemos toda a relação afetiva das mulheres com a palmeira de babaçu e que contribuiu fortemente para a luta pela normatização da atividade perante o ordenamento jurídico brasileiro. Ao pensarem as leis do babaçu livre para proteção à atividade extrativa do babaçu, as mulheres quebradeiras inovam, pois remetem a uma nova ideia de função social da propriedade, quando terceiros têm a permissão de adentrar em terras privadas para usufruírem de seus recursos naturais.

132 Art. 92 - Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.

133 CANAL SAÚDE. Programa quebradeiras de coco. Realização FIOCRUZ e Canal Saúde. Produção: Mult Image. Apresentadora: Marcela Morato. Programa exibido em: 11de março de 2008. Duração: 25 min. e 09 seg., son., color. Disponível em: http://www.canal.fiocruz.br/video/index.php?v=quebradeiras-de-coco. Acesso em: 11 nov. 2010.

Essa relação é muito próxima e eivada de simbolismo, além das inúmeras utilizações feitas pelas mulheres e suas famílias dos produtos que se originam do babaçu,

A palmeira é a mãe de nós todos que trabalha com ela, porque da palmeira nós não perde nada. Uma luta forte por essa mãe palmeira. Que foi quem criou nossos filho e hoje tá criando nossos neto. Então nós não pudemos esquecer. Nós não pudemos esquecer que ela seja uma fonte principal nas nossas famílias, que foi com o que fomos criados. Dentro desse produto do babaçu, produto e subproduto, conseguimos descobrir 49 utilidades que ele tem. Nas nossas casas no interior, elas são cobertas de palha. Também as paredes são feitas dos talo pra poder botar o barro134.

Segundo o antropólogo, Alfredo Wagner Berno de Almeida, o saber tradicional é um fator que está muito presente na organização empresarial das cooperativas e se combinam a tecnologia. É destaque, por conseguinte, a maneira das mulheres quebradeiras se relacionarem com a natureza, visto ser eivada de fortes sentimentos, de laços afetivos com a palmeira de babaçu, remetendo à proteção dos babaçuais, e esses dados sentimentais refletem o significado simbólico do babaçu e a relação afetiva com a natureza135.

Um elemento a destacar como definidor do movimento social integrado pelas mulheres quebradeiras de coco babaçu se pauta pela atividade específica de extração do babaçu desenvolvida por elas, pois suas atividades de coleta e quebra do coco babaçu são realizadas de modo peculiar. Inseridos nesse elemento definidor, temos dois critérios singulares: a organização de gênero e o extrativismo. “Gênero e ocupação econômica consistem nos dois critérios definidores de pautas de reivindicações e das mobilizações” (ALMEIDA, 2006a, p. 60).

Ao lançarem para discussão nas comunidades questões de gênero e a produção econômica, as mulheres quebradeiras articulam novas formas de organização pautadas na colaboração entre os membros da comunidade, chamando os homens para participarem ativamente de todas as atividades desenvolvidas. Nesse contexto, há a interlocução de homens e mulheres visando o benefício de todos. Outro ponto relevante para discutir as mulheres quebradeiras se traduz na importância que os povos tradicionais têm em relação à proteção da natureza e em como esses povos contribuíram para que os ecossistemas tenham equilíbrio, é sustentar que a presença humana, mais especificamente, dos povos tradicionais, é de vital

134 DOCUMENTÁRIO: MULHERES DO BABAÇU. Realização: Ministério do Meio Ambiente – MMA; Secretaria de Coordenação da Amazônia – SCA; Coordenadoria de Agroextrativismo – CEX. Produção: Viodeografia. Setembro, 2001. Duração: 21 min. e 29 seg., son., color. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=jrfWwNXNrG0&NR=1. Acesso em: 25 mai. 2011.

135 PROGRAMA GLOBO CIÊNCIA. Episódio: O caminho entre razão e emoção. Exibido pelo Canal Futura. Ano 2008. Apresentado por Alexandre Henderson. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=GsPjWz1i1_U&playnext=1&list=PL3CBED82347F443F6. Acesso em: 30 mai. 2011.

importância para a conservação da diversidade ecológica, já que com suas atividades promovem o equilíbrio ambiental necessário para a perpetuação dos ecossistemas do planeta, portanto, a presença humana nas florestas e matas, contribui para que essas áreas possuam uma biodiversidade elevada, caracterizando-se por solos bastante férteis (MARINHO, 2007, s/n).

“Preservar o meio ambiente é preservar a vida. E quando você tem consciência de que o meio ambiente é vida, você preserva. Então, a nossa luta é pela conscientização para que as pessoas descubra que o meio ambiente saudável também é vida saudável”136, e com essas palavras da quebradeira Dada, que corroboram para a afirmação de que as populações tradicionais são imprescindíveis e indispensáveis à proteção da biodiversidade, independentemente do ecossistema em que estejam inseridas.