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AS FRENTES DE DEVASTAÇÃO DA REGIÃO ECOLÓGICA DOS BABAÇUAIS E OS CATADORES DE COCO

O processo devastação, pelo qual passa a região onde há incidência da palmeira de babaçu é o resultado da soma entre o processo predatório, as relações sociais e os diversos conflitos entre os grandes projetos e as comunidades tradicionais que habitam a região, traduzindo estes últimos por conflitos socioambientais (ALMEIDA et al., 2005). Tal afirmação se mostra evidente quando analisamos a amplitude e a profundidade da ação devastadora por que passa não somente a região ecológica dos babaçuais42, como também se estende por toda a Amazônia Legal.

Nesse sentido, não há crise da economia babaçueira nos dias atuais, mas destruição da palmeira decorrente de interesses econômicos diversos, os quais ameaçam a floresta e a reprodução das mulheres quebradeiras que dela dependem para a sua produção agroextrativista (ALMEIDA apud TAVARES, 2008, p. 231). Notório está, que a destruição completa dos cocais liga-se diretamente às ações da derrubada indiscriminada das palmeiras de babaçu, das queimadas e do envenenamento das pindovas, palmeiras essas que ainda não produziram os cachos e têm os caules subterrâneos, conjugada a modalidades de práticas comerciais que impõem um novo perfil ao mercado, que antes se utilizava da amêndoa do babaçu e hoje se molda visando a compra do coco inteiro e dos seus cachos, muitas vezes verdes, para a fabricação de carvão, trazendo como consequência negativa a superação do preço da casca do coco em relação ao da amêndoa.

42 Tanto nos fascículos do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, dedicados às mulheres quebradeiras de coco babaçu e suas comunidades, como no livro Guerra Ecológica nos Babaçuais, a área de incidência de palmeiras de babaçu recebe essa denominação.

A mudança radical da biodiversidade local se mostra intensificada em virtude da elevação do preço das commodities43, fato que contribui para que haja expansão das atividades voltadas para a pecuária, sojicultura, plantio de dendê e de eucalipto, madeireiras, mineradoras e siderúrgicas, pois tais atividades têm um processo de expansão conjunto, aonde o preço das commodities sobe concomitantemente, ou seja, tanto faz serem as agrícolas ou as minerais. Assim, o processo predatório não mais acontece de forma isolada, tendo em vista que as várias atividades empreendidas na região ecológica do babaçu estão sendo valorizadas pelo mercado externo ao mesmo tempo, gerando um aumento na depredação do meio ambiente, afetando de forma direta as populações que dependem da economia babaçueira para sobreviver, já que as empresas que se instalaram no local têm como objetivo o lucro, pois tiveram sua produção incentivada pela política governamental, a qual carece de pesquisas sistemáticas e estudos desenvolvidos com seriedade para obtenção de licenciamento, com o intuito de frear o avanço indiscriminado da devastação sobre as áreas de incidência do babaçu. Essa depredação às palmeiras do babaçu se apresenta sob várias formas: extração ilegal de madeira, plantação de eucalipto e a produção ilegal de carvão vegetal, dentre outras.

Os efeitos dessa ofensiva têm agravado direta ou indiretamente o intrusamento de RESEX e de áreas indígenas e quilombolas; têm provocado deslocamentos compulsórios de ribeirinhos e pescadores, bem como acarretado desmatamentos continuados, desorganizando as economias extrativistas de seringueiros, castanheiros e, sobretudo, das quebradeiras de coco babaçu pela instituição da coleta do coco inteiro (ALMEIDA et al., 2005, p. 37).

A consequência dessa ação predatória origina-se da inexistência de políticas do governo federal voltadas para beneficiar as atividades extrativistas, que garantiria a proteção, sob a forma de uma legislação ambiental para o babaçu, os castanhais, os seringais, dentre outros produtos; a demora nas ações de regularização fundiária, como a implantação das Reservas Extrativistas; a burocracia que somente retarda o reconhecimento das áreas tradicionalmente ocupadas. As políticas do governo contribuem para privilegiar grandes empreendimentos que visam à plantação de dendê, mamona e girassol, mesmo em locais de incidência do babaçu, deixando-o de lado e não aproveitando a experiência das cooperativas de mulheres quebradeiras que conseguiram lançar os produtos, provenientes do babaçu, em mercados internacionais.

43 Mercadorias, notadamente minérios e gêneros agrícolas, produzidos em larga escala e comercializados em nível mundial. São produtos estocáveis por um determinado período de tempo sem que haja perda de qualidade. Outra característica é não ter passado por processo industrial, ou seja, são geralmente matérias-primas.

Essas ações emanadas do governo favorecem o desenvolvimento de variadas atividades econômicas, que geram divisas para o país, mas, por outro lado, concorrem para a concentração de terras nas mãos de poucos e contribuem efetivamente para a devastação dos babaçuais e o aumento do valor da terra nas regiões do babaçu. Por ser área de transição entre o Nordeste e a Amazônia, a região ecológica do babaçu sofre pressão em duas frentes: pelos desmatamentos que destroem completamente os babaçuais tanto na Amazônia como no cerrado, assim como pela coleta do coco inteiro, esta última incidindo de maneira prejudicial à reprodução dos palmeirais e desorganizando as formas de criar, fazer e de viver das mulheres quebradeiras de coco babaçu.

A comercialização do coco inteiro, que será transformado em carvão para abastecimento das usinas de ferro gusa e de uso doméstico para famílias de baixa renda, afeta de forma indiscriminada a maneira de reprodução das mulheres quebradeiras de coco, pois a atividade de catar o coco traduz-se em recolhê-lo inteiro, sem quebrá-lo para retirada das amêndoas e entregar aos intermediários que repassarão às indústrias, e nesse sentido, as indústrias estão lançando nesse processo produtivo o trabalhador assalariado eventual, que recebe seu salário por produção. Esse trabalhador é essencialmente do gênero masculino e denominado de catador de coco.

Nesse momento, surgem em cena novos atores sociais que colidirão de forma direta com as mulheres quebradeiras: o arrendatário do coco, o catador do babaçu, o caminhoneiro e o fornecedor. Essa nova realidade põe em xeque a identidade das quebradeiras quando as “novas estratégias empresariais” (ALMEIDA, et al., 2005, p. 47) tentam modificar as relações de trabalho da força produtiva dessas mulheres, afirmando que por meio de “iniciativas modernizadoras das relações de trabalho e da produção corresponderiam a um desenvolvimento natural” (ALMEIDA, et al., 2005, p. 96), aos quais as mulheres deveriam se adequar como trabalhadoras assalariadas ou simplesmente catadoras.

Segundo Nirson Medeiros da Silva Neto (2010, p. 8441), em artigo apresentado no Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI as mulheres quebradeiras de coco babaçu resistem à investida dos catadores de coco, pois creem que a atividade praticada por eles implica na degradação da identidade de mulher quebradeira, e é nesse sentido, que as mulheres quebradeiras incluíram na agenda de suas reivindicações o combate aos catadores de coco, já que representam a degradação do babaçual e a dependência das indústrias de processamento do coco inteiro e dos atravessadores. O catador recolhe os cocos, não importando se verdes ou maduros, nas palmeiras ou no chão e os amontoam para recolhimento pelos veículos que farão o transporte e são conhecidos como “gaiolões” ou

caçambas, cujos donos são os intermediários na venda ou mesmo prestam serviço para as indústrias de óleos vegetais ou de ferro gusa.

Para realizar esse trabalho de coleta do coco inteiro esses homens não necessitam de qualificações anteriores, somente de força física e estar na faixa etária entre 17 a 35 anos, preferencialmente. As “novas estratégias empresariais” de recrutamento desses homens catadores são responsáveis pelas relações de trabalho entre as indústrias e os trabalhadores eventuais, que muitas vezes se desenvolvem sob formas análogas à escravidão, pois, como não são organizados, ficam sem capacidade de reivindicar direitos e sem laços de coesão política, o que os leva a se tornarem reféns de dívidas com os denominados fornecedores, mas o diferencial entre esses catadores e as mulheres quebradeiras baseia-se em dois pilares: os catadores são essencialmente homens e sem qualificação, fatores que contribuem para o processo de devastação, enquanto as quebradeiras são, na quase totalidade, mulheres e detêm saberes práticos sobre a região do babaçu e sua coleta, quebra e beneficiamento.

Logo, o trabalho desenvolvido pelas mulheres quebradeiras opõe-se diretamente ao da figura do catador, pois como são detentoras de conhecimentos específicos auxiliam na proteção do meio ambiente quando zelam pelos olhos d’água, selecionam as palmeiras que produzem os melhores frutos, não cortam os cachos, separam os cocos, já previamente selecionados, e quebram a casca do babaçu para retirar as amêndoas, que são extraídas intactas. São formas de trabalho que colidem, pois as mulheres quebradeiras não estão submetidas a salário, desenvolvem sua atividade em família e têm prévio conhecimento sobre como coletar e quebrar o coco, portanto, para as mulheres quebradeiras, o coco representa a tradição e a forma pela qual tiram seu sustento sem agressão à natureza, contrariamente agem os catadores que realizam a cata do coco em troca de pagamento e não estão preocupados se a sua atividade contribui ou não para o processo de devastação do babaçu.

De acordo com Silva Neto (2010, p. 8451), a atividade desenvolvida pelos catadores de coco se apresenta como nociva e degradante à natureza, em virtude o cunho utilitário que carrega, contrastando com o simbolismo e com a ressignificação da imagem historicamente construída das mulheres quebradeiras.