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2. AS EMPRESAS FAMILIARES E A GOVERNANÇA CORPORATIVA

2.1 Empresas familiares

2.1.4 A sucessão nas empresas familiares

(LEONE, 2005). Gallo (1998) ressalta que, segundo as poucas estatísticas disponíveis, de cada 100 empresas familiares que alcançam a segunda geração apenas 30 sobrevivem, e destas, somente 15 continuam ativas a partir da terceira geração. O momento da sucessão ainda é habitualmente tratado como um evento transitório e esporádico por muitos gestores, o que pode levar a grandes dificuldades e falhas no momento da sucessão (LAMBRECHT, 2005). Lemos (2003) corrobora com esta visão ao afirmar que nas empresas familiares, em geral, observa-se a sucessão ocorrendo de forma desordenada e imediatista, inexistindo uma cultura de planejamento para o processo sucessório.

Lansberg (1999) condena a visão da sucessão como um acontecimento pontual e esporádico, alertando para a importância de conduzir a sucessão a partir de um processo planejado e contínuo que valorize a preparação e o aprendizado. Da mesma forma, Leone (2005) assevera que a sucessão não pode ser implementada “da noite para o dia”, exigindo um longo processo, que tem como pilares o planejamento e a organização, em que o sucessor deve ser preparado para assumir o cargo, ao mesmo tempo em que o sucedido deve simplificar esse processo, compartilhando com a família os critérios utilizados para a escolha do sucessor.

A noção de sucessão como um processo é também assumida por Lambrecht (2005), que, levando em consideração a reincidência da necessidade de sucessão ao longo da trajetória da empresa familiar, afirma que o processo sucessório deve ser apreendido como um processo contínuo de transferência que satisfaça às gerações futuras, traduzido em um plano de transição multigeracional. Assim, a família deve ser capaz de identificar, compreender e elaborar o seu próprio modo de transferência da organização e de seus ativos reais e simbólicos ao longo das gerações. Isso implica que, mais do que pensar em um processo sucessório, a família deve criar um padrão para a condução dos seus processos sucessórios.

Lambrecht (2005) apresenta seu modelo multigeracional de transferência do poder e controle nas empresas familiares, identificando cinco elementos fundamentais que devem ser considerados nos períodos de transição dessas organizações:

1. O modo como a família define a sucessão em uma transição multigeracional: a) o sucessor assume naturalmente a liderança; b) há uma exigência explícita do sucedido para que o sucessor assuma o negócio; c) os sucessores assumem em virtude de circunstâncias alheias a sua vontade

(por exemplo, doença ou morte do sucedido); d) surgem lideranças espontâneas na família, como que seguindo formas predestinadas; e) o sucessor é preparado e formado para assumir, sob diversos aspectos, a liderança do negócio.

2. Motivação centrada na manutenção do negócio em família: geralmente está associada a três razões – herança familiar, preservação do nome da família e exploração dos benefícios financeiros advindos de um produto ou nicho de mercado.

3. O modo de preparação da transição multigeracional: de maneira geral, os passos sistematizados que guiam uma transição programada incluem a identificação do espírito empreendedor, a realização de estudos, a educação formal interna, a experiência externa em outras empresas, a entrada oficial nos negócios e a habilitação para realizar planejamento e acordos formais.

4. O modo de transferência da propriedade, da gestão e a regulação da governança: a governança assume o papel principal para definir as regras que permitirão o funcionamento equilibrado dos outros dois elementos.

5. O papel dos “transferidores” da empresa familiar: tanto os sucessores quanto os sucedidos, bem como os outros membros familiares, têm um papel importante nesse processo, no sentido de criar oportunidades para que os valores da família sejam preservados e transferidos às novas gerações.

Figura 3 - Modelo de transferência multigeracional

Fonte: traduzido de Lambrecht (2005, p.280).

Inicialmente, o modelo multigeracional, proposto por Lambrecht (2005), parte da concepção de que o indivíduo ou sucessor pertence à família, que, por sua vez, está atrelada ao negócio. O eixo do tempo, representado no modelo pela seta, indica que os três níveis apresentados (indivíduo, família e empresa) não estão estáticos, mas em constante interação. Neste sentido, a sucessão é apontada pelo autor como um processo contínuo, que nunca terá fim, sendo que seu objetivo não está focado apenas na transferência da empresa para a geração seguinte, mas para as próximas gerações. Além da proposta presente neste modelo, de substituição dos três círculos (família, gestão e propriedade) pelos três níveis (indivíduo, família e empresa), outro ponto importante está no papel designado à família, que, na visão de Lambrecht (2005), seria responsável por fomentar a educação, os valores e a formação dos sucessores. Assim, a família passa a ser entendida como uma esfera de influência social, cultural e estratégica para a organização.

Em relação à falta de planejamento sucessório, Bernhoeft e Castanheira (1995) evidenciam que esta lacuna pode levar a: conflitos de interesses entre os membros da família empresária, desarmonia e desgastes pessoais, isolamento e falta de sinergia, politicagem, clima tenso e críticas destrutivas entre os envolvidos. Porém, também afirmam que a gestão da empresa não se fortalece pela ausência de conflitos, mas, acima de tudo, pela capacidade da família empresária em administrá-los adequadamente. Neste ponto, argumenta-se que o desenvolvimento de uma estrutura de governança para a empresa familiar não busca a eliminação dos conflitos, mas, em suma, a mediação das disputas e das questões familiares a partir da criação de mecanismos e instâncias, conforme será abordado adiante.

A ocorrência de conflitos entre os membros da família durante o processo sucessório é identificada por Leone (2005) em três possíveis duelos.

O primeiro duelo seria o do sucedido com ele mesmo, quando o sucedido se defronta com a dúvida e a incerteza na transmissão do poder. Tal quadro de resistência por parte daquele que deve ser sucedido pode levar a um continuísmo no cargo e ao impedimento da renovação do quadro de membros da empresa. E, em uma situação limite, como no caso de falecimento do sucedido, os sucessores podem ter de assumir a gestão da empresa sem o mínimo preparo ou assessoramento.

O segundo duelo seria representado pelo dilema do sucedido na escolha de seu sucessor. Muitas vezes, o sucedido se depara com uma série de opções, tendo que encarar o desafio de separar a competência dos laços sanguíneos. Lethbridge (2005, p. 27) assinala que “80% dos donos querem entregar o comando do negócio aos filhos. Mas apenas 20% deles julgam que os sucessores estão aptos para a tarefa”. Assim, fica nítida a importância dos valores familiares presentes na subjetividade dos dirigentes das empresas familiares, em que, muitas vezes, a intenção de perpetuar o negócio na família é idealizada independente do nível de capacitação dos sucessores. Finalmente, o terceiro duelo relaciona-se ao conflito entre os sucessores, gerando disputas pelo poder e rivalidades com potencial para acarretar a desestruturação da unidade familiar e da empresa. Leone (2005, p. 58) exemplifica que “brigas entre os sucessores pelo controle acionário de suas empresas familiares são manchetes em vários jornais e revistas, terminando, muitas

A partir da consideração dos três níveis de duelo elencados, é válido refletir que no plano empírico podem ser encontradas situações mais complexas ou, mesmo, híbridas, em que mais de um nível de duelo coexistem, dificultando mais ainda a condução do processo sucessório. Estas possibilidades foram sintetizadas na Figura 4.

Figura 4 – Os três níveis de duelos na sucessão

Fonte: Desenvolvido pelo autor.

Os duelos do sucedido consigo mesmo, do dilema da escolha do sucessor e do conflito entre os sucessores estão representados, respectivamente, pelos quadrantes 1, 2 e 3 da Figura 4. A situação 4 estaria relacionada a empresas em que simultaneamente coexistissem dificuldades na escolha do sucessor e a resistência do sucedido em deixar sua atual posição. De forma semelhante, o quadrante 5 traduz a realidade de uma empresa marcada pelo conflito entre os potenciais sucessores, aliado à incerteza e à resistência do sucedido em deixar seu posto. A área 6 representa o dilema da escolha dos sucessores, somada a um quadro de disputas entre eles. O quadrante 7 agrupa os três níveis de conflito, espelhando a realidade de uma empresa em que coexistem a resistência do sucedido, a dificuldade na escolha do sucessor e o conflito entre os sucessores. 1 2 3 4 5 6 7 Sucedido Sucessores O dilema da escolha

É importante enfatizar, conforme evidenciam Rossato Neto e Cavedon (2004), que podem ocorrer pressões paternas a fim de forçar os filhos a assumirem posições na empresa familiar, com o objetivo de manter as futuras gerações no comando dos negócios. Porém, dificilmente o nível de compromisso dos sucessores, impelidos a assumir o negócio, será o mesmo do fundador. Assim, os diversos membros da família empresária podem apresentar motivações de outra natureza em relação à organização, com um nível mais baixo de envolvimento ou desvinculadas dos valores afetivos:

Algumas pessoas trabalham por que têm que trabalhar, não porque querem trabalhar. Esse é o início da morte das empresas de família: os valores estão obscuros, as lealdades divididas e a motivação é baseada no dinheiro. O plano de sucessão do negócio familiar depende do tipo de comprometimento das pessoas e da capacidade de transmiti-lo. (ROSSATO NETO, CAVEDON, 2004, p. 6).