• Nenhum resultado encontrado

Definições, valores e modelos de governança corporativa

2. AS EMPRESAS FAMILIARES E A GOVERNANÇA CORPORATIVA

2.2 Governança corporativa

2.2.2 Definições, valores e modelos de governança corporativa

A governança corporativa é marcada por uma considerável diversidade de conceitos, decorrência tanto de seu desenvolvimento ainda recente como da variedade de questões que circundam a temática da governança corporativa (ANDRADE e ROSSETI, 2006). O Quadro 2 expõe algumas das principais definições de governança corporativa, concebidas sob diferentes critérios.

Quadro 2 – Definições de governança corporativa

Autores Conceitos Critérios

Monks e Minow (2004)

A governança corporativa trata do conjunto de leis e regulamentos que visam: a) assegurar os direitos dos acionistas das empresas, controladores ou minoritários; b) disponibilizar informações que permitam aos acionistas acompanhar decisões empresariais impactantes, avaliando o quanto elas interferem em seus diretos; c) possibilitar aos diferentes públicos alcançados pelos atos das empresas o emprego de instrumentos que assegurem a observância de seus direitos; d) promover a interação dos acionistas, dos Conselhos de Administração e da direção executiva das empresas.

Governança como Guardiã de direitos.

OCDE (1999) O sistema segundo o qual as corporações de negócio são dirigidas e controladas. A estrutura da governança corporativa especifica a distribuição dos diretos e responsabilidades entre os diferentes participantes da corporação, tais como o Conselho de Administração, os diretores executivos, os acionistas e outros interessados, além de definir as regras e procedimentos para a tomada de decisão em relação a questões corporativas. E oferece também bases através das quais os objetivos da empresa são estabelecidos, definindo os meios para se alcançarem tais objetivos e os instrumentos para se acompanhar o desempenho.

Governança como Guardiã de direitos.

Shleifer e Vishny (1997)

A governança corporativa é o campo da administração que trata do conjunto de relações entre a direção das empresas, seus Conselhos de Administração, seus acionistas e outras partes interessadas. Ela estabelece os caminhos pelos quais os supridores de capital das corporações são assegurados do retorno de seus investimentos.

Governança como sistema de relações.

CadBury (1998) A governança corporativa é o sistema e a estrutura de poder que regem os mecanismos através dos quais as companhias são dirigidas e controladas.

Governança como estrutura de poder. Babic (2003) O campo em que gravita a governança corporativa é definido

por uma dada estrutura de poder, que envolve questões relacionadas aos processos de tomada de decisões estratégicas, ao exercício da liderança, aos métodos com que se atendem aos interesses estabelecidos e aos pleitos emergentes – em síntese, ele está relacionado à sociologia das elites e por isso mesmo é fortemente influenciado pelos institutos legais e pelos marcos regulatórios de cada País.

Governança como estrutura de poder.

Mathiesen (2002) Governança corporativa é um campo de investigação focado em como monitorar as corporações, através de mecanismos normativos, definidos em estatutos legais, termos contratuais e estruturas organizacionais que conduzem ao gerenciamento eficaz das organizações, traduzidos por uma taxa competitiva de retorno.

Governança como sistema normativo.

Cadbury (1999) A governança corporativa é expressa por um sistema de valores que rege as organizações, em sua rede de relações internas e externas. Ela, então reflete os padrões da companhia, os quais, por sua vez, refletem os padrões de comportamento da sociedade.

Governança como sistema normativo

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de ANDRADE e ROSSETI, 2006.

Diante de tal diversidade de conceitos e levando em consideração o impacto da governança nas estruturas de poder e no conjunto de relações entre os diversos atores envolvidos na realidade das empresas familiares, para o presente estudo adota-se o conceito de governança focado nas perspectivas de Babic (2003) e Shleifer e Vishny (1997). Assim, a governança é contemplada tanto como um sistema de relações em que coexistem diversos atores e interesses como a partir da percepção da existência de uma estrutura de poder que abarca os processos de tomada de decisões estratégicas, o exercício da liderança e a busca pela satisfação dos interesses predominantes.

Em relação aos seus valores, a governança corporativa, segundo Andrade e Rosseti (2006), está alicerçada nos seguintes elementos: fairness, ou senso de justiça, buscando a equidade no tratamento dos acionistas, sejam eles minoritários ou majoritários; disclosure, definida pela transparência das informações, sobretudo das de alta importância; accountability, representada pela prestação de contas responsável e ancorada nas melhores práticas contábeis e de auditoria; e

compliance, conformidade no cumprimento das normas reguladoras preconizadas pelos estatutos,

Quanto aos modelos que fundamentam a discussão sobre a governança corporativa, cabe destacar que cada um deles assume pressupostos sobre o que é a firma, qual é o motivo de sua existência, quais são os seus objetivos, qual é a sua função na sociedade e qual é a maneira mais eficaz de organizá-la. Hawley e Williams (1996) identificam quatro modelos: o modelo financeiro, que parte de uma visão contratual da firma, abordando o conflito entre administradores e proprietários; o modelo dos stakeholders, ou dos públicos relevantes, que discute a busca da satisfação das expectativas dos diversos atores envolvidos na organização, como acionistas, empregados, fornecedores, clientes e governos; o modelo de procuradoria, que entende que é a partir da ação dos administradores, atuando como procuradores dos proprietários, que se atinge a rentabilidade e o sucesso da organização; e o modelo político, no qual o contexto institucional representa o fator determinante para a alocação de poder sobre a corporação e para a distribuição dos lucros entre os diferentes stakeholders.

Assim, percebe-se que os diferentes modelos de governança, sobretudo os modelos orientados para os shareholders e stakeholders, encerram em si a discussão sobre a legitimidade dos interesses das partes envolvidas. Apesar de a legitimidade dos interesses dos acionistas em usufruir o máximo retorno de seu investimento não chegar a ser questionada, observa-se cada vez mais a tendência a se enfatizar também a legitimidade dos interesses dos demais stakeholders. O modelo shareholder oriented, quase análogo ao modelo financeiro descrito por Hawley e Williams (1996), considera o conflito de interesses entre a propriedade e a gestão e assume como finalidade primordial a obtenção do máximo retorno dos investimentos dos acionistas. Este modelo encontra-se difundido principalmente em países como EUA, Inglaterra, Canadá e Austrália (ANDRADE; ROSSETI, 2006).

A visão focada no máximo retorno dos shareholders possui uma linha de justificação que pode ser entendida a partir de argumentos macro e microeconômicos. Do ponto de vista macroeconômico, as perspectivas clássicas e neoclássicas da economia defendem que o bem estar social pode ser mais plenamente alcançado quando os agentes econômicos estão voltados para a maximização de seus próprios interesses do que quando a ordem econômica e os objetivos sociais são definidos por uma autoridade central. Tal visão é embasada a partir das obras dos ideólogos da Revolução Liberal dos séculos XVIII e XIX, como A Riqueza das Nações (1776), de Adam

Smith, Tratado da Economia Política (1803), de Jean B. Say, e Princípios da Economia (1890), de Alfred Marshall.

Já em relação aos argumentos microeconômicos, destacam-se quatro, apresentados por Andrade e Rosseti (2006). O primeiro está ancorado na lógica financeira baseada na ideia da busca pelo lucro como motivação fundamental para a iniciativa de empreender. Neste sentido, caso os interesses dos shareholders não estejam em primeiro plano a continuidade do setor empresarial poderia ser comprometida.

O segundo argumento parte da lógica dos riscos assumidos, que defende que os proprietários assumem os maiores riscos, pois não são protegidos por relações contratuais com a empresa – como são os outros stakeholders – e arcam com as menores garantias, uma vez que o capital integralizado é passivo não exigível e, portanto, devem ter seus interesses maximizados. Além disso, existem os custos de agência, assumidos pelos acionistas, representados por: custos de contratos, referente a sua elaboração e estruturação, além dos acordos não formalizados celebrados no dia a dia da corporação; custos de monitoramento, referente à manutenção dos Conselhos de Administração, auditorias externas, Conselhos Fiscais e outros comitês; custos com sistemas de informações, onerosos em sua concepção, manutenção e análise; e os custos com sistemas de incentivo, focados na harmonização da assimetria de interesses entre acionistas e gestores (JENSEN; MECKLING, 1976).

A lógica da gestão sustentaria o terceiro argumento, que adverte que, caso se almeje atender aos interesses de todos os stakeholders, será perseguido um universo de metas, sendo algumas até conflitantes, com potencial para impactar os resultados e ameaçar a continuidade da empresa. O quarto argumento alinha-se à lógica dos conflitos de agência, que assume que a tentativa de maximização de múltiplos interesses amplia as possibilidades de conflitos, gerando maiores dificuldades para a conciliação de interesses e criando condições para práticas de gestão oportunistas.

Porém, a abordagem shareholder pode acabar desconsiderando o gerenciamento do ambiente de negócios como um todo, além do fato de que é dada pouca atenção a fatores não econômicos que podem afetar a reputação da organização e seu valor de mercado. Somado a isso, Jensen (2001)

chama a atenção para a abordagem mais recente dos múltiplos interesses que afirma que os administradores das organizações devem focar suas decisões na maximização não apenas da riqueza dos proprietários, mas também dos demais stakeholders.

O modelo stakeholder apreende a corporação como um sistema composto por diversos

stakeholders, ou públicos interessados, em que cada um deles possui objetivos próprios, fins

específicos e também buscam a maximização de seus retornos. Sob esta ótica, o principal objetivo dos gestores da organização seria criar valor para o conjunto de seus stakeholders, representados pelos seus empregados, credores, fornecedores, clientes, comunidade, governo e sociedade, entre outros. Tal modelo é característico de países como a Alemanha e o Japão, em que o supridor principal de recursos não é o mercado de capitais, mas o sistema bancário.

Um dos principais argumentos que legitimam o modelo stakeholder está alicerçado no fato de que os diferentes públicos interessados na organização, embora em graus variados e de complexa hierarquização, representam “forças sinérgicas, em princípio comprometidas com a sobrevivência, com o crescimento e com a continuação das companhias” (ANDRADE; ROSSETI, 2006: p. 124). Assim, tais atores não podem ser relegados a segundo plano, pois contribuem diretamente para o sucesso e a longevidade da organização, bem como para o alcance dos resultados e a elevação do valor da companhia.

Andrade e Rosseti (2006) ainda ressaltam que o entorno das corporações pode ser entendido como seu suporte de desenvolvimento sustentável. Dessa forma, caso o modelo stakeholder seja administrado de forma coerente e equilibrada em relação às diferentes demandas apresentadas, pode se constituir em um fator de legitimação das companhias, de validação de suas políticas e de pilar para a consolidação de sua reputação pública.

A partir do delineamento dos diversos modelos de governança existentes, é interessante salientar, conforme evidenciado por Babic (2003), que a prática de tais modelos nas diferentes partes do mundo decorre de condições históricas, culturais e institucionais. Além disso, a configuração dos modelos de governança está relacionada à formação econômica destes países, à maturidade dos sistemas financeiros, ao desenvolvimento dos mercados de capitais e ao poder de pressão dos diferentes conjuntos de stakeholders.