• Nenhum resultado encontrado

2. AS EMPRESAS FAMILIARES E A GOVERNANÇA CORPORATIVA

4.3 A Fábrica de Café

4.3.4 O eixo propriedade na Fábrica de Café

A Fábrica de Café configura-se como uma sociedade limitada, restrita a dois grupos familiares, em que cada grupo responde por 50% da propriedade. A sociedade é composta por quatro sócios da família Albuquerque e quatro sócios da família Guimarães. Os membros do Conselho de Acionistas são os mesmos familiares que ocupam oito das dez cadeiras do CAD, gerando uma sobreposição de papéis entre os dois conselhos. Essa sobreposição alimenta certa confusão nas atribuições dos dois órgãos que, na visão de um dos dirigentes, levaria o CAD a se portar, na maioria das ocasiões, como um Conselho de Acionistas.

(265) “Sim é, acionista mesmo! É um conselho que quer saber se deu resultado, não deu. Mais nesse sentido do que de um conselho de ajuda, de apoio, de norte.” (E10).

A empresa não possui um acordo de acionista formalizado, contando apenas com algumas cláusulas básicas referentes à sociedade no contrato social. A formalização de um acordo de acionistas poderia facilitar a mediação de eventuais conflitos advindos das diferenças de visão existentes entre os dois grupos familiares. Neste ponto, é interessante refletir que a inexistência de um bloco majoritário, até certo ponto, minimiza o risco de práticas oportunistas na sociedade. Porém, a equidade acionária, em que cada família possui 50% da propriedade, pode constituir um fator complicador diante de eventuais impasses gerados entre as famílias empresárias. Ou seja, a

possibilidade de dirimir determinadas questões a partir da votação entre os sócios, torna-se mais difícil quando tratar de interesses divergentes entre as duas famílias.

(266) “Eu acho que todo mundo tem sucesso para contar. Tem algumas coisas que não mudam nunca, apesar de todo mundo ter sucesso, existem os valores e chega um momento que os valores são conflitantes. A minha família sempre montou qualquer

negócio pra crescer e ganhar dinheiro. E a outra família sempre montou negócio pra sair. Então isso já é um valor conflitante. E aqui nós somos obrigados a convencer

que nós montamos pra ficar. Se eles quiserem vender, que eles vendam e saiam, nós estamos aqui pra continuar. Então isso foi o primeiro desafio que foi enfrentado na questão de valores. Então isso é uma coisa que acontece ao longo do dia a dia e que tem sido vencido, passo a passo.” (E09).

(267) “São duas famílias que cada uma tem o seu direcionamento, todas as duas focadas na empresa, mas cada uma, às vezes, com um pensamento de um tipo de investimento, de uma forma de como conduzir os processos.” (E12).

Em relação à prestação de contas aos sócios, a empresa já conta, desde 2008, com a realização de auditorias, que contribuem para maior transparência da organização. Nas reuniões do Conselho de Acionistas, os gestores apresentam a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE), passando pelos principais pontos de cada setor da fábrica.

(268) “Auditoria nós começamos a ter agora, auditamos em 2008 e vamos auditar 2009. Acho que isso aí vai ser um grande ganho, uma grande evolução para a empresa. A gente apresenta os DREs todos para os sócios. E cada um apresenta os pontos fundamentais de cada área.” (E10).

As formas de financiamento utilizadas foram, basicamente, o capital investido pelos sócios e a negociação de uma linha de financiamento rural, cujas taxas, especialmente baixas, foram conseguidas graças à representatividade do patrimônio das duas famílias empresárias. Um dos dirigentes, todavia, declara que, apesar de iniciar o empreendimento capitalizado, a concorrência no setor é elevada, dificultando a entrada de uma nova marca no mercado.

(269) “O crescimento foi todo voltado, no primeiro momento, no investimento do capital dos sócios. Mas 80% do crescimento aconteceu com financiamento rural, que a gente conseguiu a taxas muito especiais, por justificativa do patrimônio dos sócios, é claro. Não veio de graça e tivemos esse benefício, aproveitamos o momento de baixa do café pra fazer estoque, ganhamos em margem e crescemos. Conseguimos nos tornar competitivos.” (E09).

(270) “Todo mundo fala, que começar uma empresa nova com sócio capitalizado é fácil. É fácil desde que ela esteja sozinha no mercado, agora nós começamos com uma empresa capitalizada mas com uma multinacional como concorrente. Então não é

simples, é muito mais difícil do que assumir uma empresa que já está com um faturamento iniciado.” (E09).

Até o momento, não foi praticada nenhuma política de distribuição de dividendos para os sócios, sendo todo o lucro da fábrica reinvestido na própria empresa.

(271) “O foco hoje é que 100% do lucro da empresa tem que estar aqui dentro pra gente fazer geração de caixa pra novos investimentos. Nenhum sócio quer retirar nada

daqui. Eles não pressionam, não existe essa discussão pelo menos nos próximos cinco

anos. Existe uma retirada aqui, como executivo, minha e do meu sócio, mas dos acionistas não.” (E09).

(272) “Decide no conselho e é de acordo com a cota de cada um. Todo dinheiro gerado pela empresa foi reinvestido, então a gente não teve dividendo ainda. Essa é uma das grandes coisas, como ninguém do grupo depende disso aqui...” (E10).

A ausência de pressões por parte dos sócios é explicada pela visualização da empresa como um investimento futuro, em que nenhum deles depende da empresa como fonte primária de sobrevivência. Esse caráter peculiar permite aos dirigentes reverter todo o lucro da fábrica para financiar seu crescimento, sem a dependência de outras fontes de recursos.

(273) “A empresa hoje? Representa um investimento, ninguém sobrevive disso aqui não. É uma empresa que eles [os sócios] acreditam no futuro, não é uma empresa que a curto prazo tem que dar resultado.” (E10).

Quanto à possibilidade de abertura de capital, os atuais dirigentes afirmam cogitar esta opção para o futuro, percebendo o processo de abertura como vantajoso para a companhia. As principais vantagens apontadas pelos entrevistados seriam a possibilidade de dividir o risco do empreendimento e a possibilidade de captar recursos a um menor custo. Neste sentido, desde que a abertura de capital não ultrapasse a venda de 50% das ações, os gestores afirmam não ter receio de perder o poder ou o controle da companhia.

(274) “Eu acho que é uma grande forma de você captar recursos pra crescer rápido, né? Mas, é um sonho que tem que ser perseguido. É uma forma até de você dividir seu risco.” (E10).

(275) “Eu acho que se fizer um estatuto consolidado e vender menos de 50% da empresa, você continua tendo poder, consegue captar capital e ainda tem lucro.” (E09).

(276) “Acho que é completamente viável. Se você tiver uma estratégia bem definida, um plano bem definido, eu acho que facilita demais. Tão entrando ali pra poder agregar, pra poder ajudar. E eu acho que as empresas familiares que fazem IPO, não fazem um IPO de mais de cinquenta por cento, ou se faz você tem formas de controlar a gestão e a decisão em cima do modo do grupo acionário. Então eu vejo que tem mecanismo pra isso, mas eu acho que só de você dividir o seu risco, de você captar recursos pra

fazer a empresa crescer, ainda mais no mercado em que a gente está. A centralização

do mercado é uma coisa muito forte, nosso maior concorrente hoje fatura 1,3 bilhão, que é [a antiga fábrica do meu avô]. Então você tem que acelerar esse processo de descentralização e o IPO é uma das grandes formas de você sair de 500 milhões para um bilhão, a um custo barato.” (E10).

A visão conservadora dos membros do Conselho de Acionistas é apresentada como um obstáculo para a abertura do capital da empresa. Na visão do dirigente pertencente à família Guimarães, os sócios ainda não estariam preparados para um processo de abertura de capital. Porém, na opinião do dirigente pertencente à família Albuquerque, desde que apresentada de maneira convincente, a proposta de abertura seria aceita sem grandes problemas.

Infere-se que esta oposição entre as visões dos dois dirigentes a respeito do posicionamento do Conselho de Acionistas estaria relacionada aos diferentes valores presentes em cada uma das famílias empresárias. Assim, a família Guimarães apresentaria maior resistência, levando-se em consideração a cultura de centralização de poder, já discutida previamente, e, consequentemente, o receio quanto à entrada de novos sócios no negócio. De maneira oposta, a família Albuquerque apresentaria menor resistência, devido à predominância entre seus membros de um perfil investidor em detrimento de um perfil mais empreendedor, conforme já apresentado nas seções anteriores.

(277) “Não. Eu acho que lá ainda tá longe. Lá ainda tá longe esse assunto. Lá não dá pra discutir isso não. A gente enxerga isso, eles ainda não viram isso não.” (E09). (278) “Eu vejo mais como o receio, da falta de enxergar que isso é possível. De achar que isso ainda é um sonho. Porque a cultura de IPO é muito recente no Brasil. Então eu acho que isso nunca foi discutido em Conselho, mas eu acho que se a gente chegar

com a proposta e mostrar, acho que isso aí é completamente aprovado, eu não vejo

essa centralização do poder, essa necessidade. O conselho quer bons negócios, o conselho quer enxergar as oportunidades e quer mais resultados, entendeu?” (E10).

Por fim, destaca-se a expectativa quanto ao crescimento da organização, que, na visão de um dos gestores, apresenta potencial para se tornar o negócio de maior faturamento do grupo de empresas das duas famílias.

(279) “Olha, a [nossa Fábrica de Café] começou como uma pedrinha no sapato da família e hoje é uma empresa que caminha sem o apoio das outras empresas. Já tem a sua vida própria há seis meses, já tem um resultado azul. Ainda não demos o retorno do investimento dos acionistas, mas já saímos do prejuízo operacional. E ela pode se tornar uma das grandes empresas do negócio das duas famílias. Com as estratégias que estão sendo traçadas, ela pode se tornar o maior faturamento do grupo.” (E09).

Nesta seção foi possível discutir as questões societárias relacionadas à realidade da Fábrica de Café. Assim, evidenciou-se a complexidade das relações decorrentes da convivência entre duas famílias empresárias como sócias no empreendimento. Os assuntos relativos ao eixo propriedade da Fábrica de Café encontram-se organizados no Quadro 13.

Quadro 13 – Síntese dos conteúdos do eixo propriedade – Fábrica de Café

Categoria Trecho da entrevista

Sobreposição de papéis entre CAD e Conselho de Acionistas

(265)

O perfil das famílias proprietárias (266); (267)

Prestação de contas aos sócios (268)

Formas de financiamento e capitalização da empresa (269); (270); (271); (272)

Política de distribuição de dividendos (271); (272)

Nível de dependência dos sócios em relação ao

negócio (273)

Vantagens da abertura de capital (274); (275); (276)

Visão do CAD sobre a alternativa de IPO (277); (278)

Expectativa de expansão do negócio (279)

Fonte: elaborado pelo autor.