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2. AS EMPRESAS FAMILIARES E A GOVERNANÇA CORPORATIVA

3.1 Natureza e método de pesquisa

A fim de atender ao objetivo declarado, esta pesquisa buscou compreender e explicar a realidade social das organizações estudadas, fundamentalmente, a partir do ponto de vista dos atores diretamente envolvidos no processo social – neste caso, os dirigentes familiares. A realidade social é entendida como a criação e a extensão da experiência subjetiva dos indivíduos envolvidos (Burrel e Morgan, 1979). Busca-se manter a integridade dos fenômenos sob investigação, na tentativa de explicá-los, considerando e valorizando a essência subjetiva da experiência humana.

Ainda de acordo com os autores supracitados, rejeita-se a visão de que o mundo dos acontecimentos humanos pode ser estudado à maneira das ciências naturais. Ou seja, entende-se que a neutralidade do saber científico não existe. Neste sentido, concorda-se com Burrel e Morgan (1979) quando sustentam que qualquer pesquisador, conscientemente ou não, traz para seu tema de estudo um quadro de referência, que reflete uma série de pressupostos sobre a natureza da realidade social e a maneira como deveria ser conduzida a investigação.

Popper (1978) corrobora com tal visão argumentando que não se pode retirar do cientista sua parcialidade e seu juízo de valor sem aniquilá-lo, pois até mesmo o ideal de neutralidade, pretensamente isento de valores, encerra em si mesmo um juízo de valor. Assim, o autor defende que a objetividade científica se constitui a partir do processo de tornar pública à crítica determinada experiência. Ou seja, qualquer suposição pode ser criticada e o fato de todos poderem criticá-la estabelece a base da objetividade científica. Neste sentido, no tocante à produção do conhecimento, as ideias e as teorias que resistirem ao crivo crítico da comunidade científica apresentariam maior probabilidade de se constituírem como legítimas.

Na visão de Weber (1973), os elementos da “cosmovisão pessoal” do pesquisador, que são continuamente introduzidos em sua atividade científica, podem desencadear problemas, ao fazer com que se trate com pesos diferentes as possibilidades existentes na elaboração de hipóteses e de relações causais entre os fatos, na medida em que o resultado aumenta ou diminui a chance de confirmar determinadas concepções pessoais.

Explica Goldman (1984, p. 20):

Todo pensamento sofre profundas influências sociais, na maioria das vezes, não explícitas para o pesquisador individual. Tais influências nunca poderão ser eliminadas, mas, ao contrário, o pesquisador deve torná-las conscientes e integrá-las na investigação científica, para evitar, ou para reduzir ao mínimo, sua ação deformante.

Schaff (1983) aponta que o pesquisador precisa assumir um posicionamento, que pode e deve ser científico. Neste estudo, optou-se pela não elaboração de hipóteses de estudo a priori como forma de flexibilizar a condução da pesquisa, independente dos pressupostos contidos na visão do autor. Quanto à sua natureza, este trabalho encontra-se alicerçado em uma estratégia qualitativa de pesquisa, em que a já destacada ausência de hipóteses rígidas a priori permitiu ao pesquisador maior liberdade para formular e reformular proposições à medida que realizava a pesquisa. Tal condição induz o pesquisador a buscar um conhecimento aprofundado da realidade que serve de contexto ao foco do estudo e dos suportes teóricos principais que guiarão sua ação (TRIVIÑOS, 1992).

Triviños (1992) argumenta que a pesquisa qualitativa pode ser entendida como “expressão genérica” capaz de satisfazer a diferentes bases teóricas, sejam elas de cunho estrutural- funcionalista, fenomenológico ou materialista dialética. Assim, o pesquisador possui ampla liberdade teórico-metodológica para realizar seu estudo, sendo que o teor de qualquer enfoque qualitativo será ditado pelo referencial teórico no qual se apoia o pesquisador.

Quanto ao tipo, a pesquisa possui caráter descritivo e explicativo. Descritivo porque, segundo Gil (2006, p. 44-45), “tem como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno, ou o estabelecimento de relações entre as variáveis”. O caráter explicativo está na preocupação de “identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos”. Dessa maneira, a interpretação dos resultados surge como a totalidade de uma especulação que tem como base a percepção de um fenômeno em um dado contexto. Por isso, não é vazia, mas lógica, coerente e consistente.

Como método de pesquisa será adotado o estudo multicasos, que, conforme salienta Yin (2005), representa a opção escolhida a partir da ponderação de vários fatores como quando há a procura de respostas de como e por quê ou quando se examinam acontecimentos contemporâneos e não se

podem manipular comportamentos relevantes. Ademais, o estudo de caso possibilita uma análise aprofundada do fenômeno estudado, abrangendo a totalidade, tratando da lógica de planejamento, das técnicas de coleta de dados e das abordagens específicas a sua análise. Yin (2005) assinala como uma das principais vantagens da consecução do estudo de casos múltiplos o fato de as evidências resultantes serem, geralmente, consideradas mais convincentes e o estudo como um todo tido como mais robusto em comparação com os estudos de caso único.

A Figura 6 ilustra as etapas percorridas durante o desenvolvimento do presente estudo de múltiplos casos. A fase de definição e planejamento compreendeu o desenvolvimento da fundamentação teórica, que representa a base de sustentação de todo o escopo desta pesquisa. É importante ressaltar que a fase de revisão teórica não apenas auxilia o aprofundamento e o domínio da teoria por parte do pesquisador como também permite a identificação de pontos de reflexão ou lacunas na teoria, que serão contrapostos aos resultados da análise empírica. Na sequência, foi realizada a delimitação e contextualização dos casos, além do desenvolvimento do protocolo de pesquisa, definindo os parâmetros e os instrumentos de coleta de dados a serem utilizados.

Na fase de preparação, coleta e análise dos dados, partiu-se para o plano empírico, em que cada empresa é tomada como uma unidade de análise, sendo cada estudo de caso conduzido individualmente, buscando as particularidades e as evidências convergentes em relação às questões norteadoras da pesquisa. A linha tracejada, representada na Figura 6, sinaliza a curva de retroalimentação, que estabelece uma ponte com a etapa anterior. Assim, quando surgir a necessidade de adequações durante a condução dos casos, retoma-se o projeto de pesquisa, realizando os ajustes pertinentes. Este processo deve ser encarado como fundamental, pois, conforme argumenta Yin (2005), ao se realizar as adequações necessárias a partir do “reprojeto”, minimiza-se o risco de distorções ou de se ignorar conscientemente descobertas no decorrer da pesquisa apenas para se manter fiel ao projeto original.

Após a realização das análises de cada um dos três casos, iniciou-se a etapa final referente à análise cruzada e à conclusão. Levando-se em consideração as evidências e os resultados descortinados a partir da análise intracasos, procedeu-se à realização da análise intercasos, a partir do cruzamento das semelhanças e dos contrastes verificados no conjunto das três organizações pesquisadas. Além disso, utilizou-se a base teórica como contraponto aos resultados

empíricos alcançados, permitindo a identificação de lacunas ou o reforço das teorias adotadas. Por fim, foram expostas as conclusões que este estudo permitiu alcançar.

Figura 6 – Estruturação e etapas do estudo multicasos

Fundamentação Teórica Protocolo de coleta de dados Seleção dos casos Condução do primeiro caso – Indústria Têxtil Condução do segundo caso – Empresa de Transportes Condução do terceiro caso – Fábrica de Café Análise individual do primeiro caso Análise individual do terceiro caso Análise individual do segundo caso Análise Cruzada - Intercasos Contraposição com a base teórica DEFINIÇÃO E PLANEJAMENTO PREPARAÇÃO, COLETA E ANÁLISE ANÁLISE CRUZADA E CONCLUSÃO

Reflexão sobre as implicações e interrelações Desenvolvimento das Conclusões Fundamentação Teórica Protocolo de coleta de dados Seleção dos casos Condução do primeiro caso – Indústria Têxtil Condução do segundo caso – Empresa de Transportes Condução do terceiro caso – Fábrica de Café Análise individual do primeiro caso Análise individual do terceiro caso Análise individual do segundo caso Análise Cruzada - Intercasos Contraposição com a base teórica DEFINIÇÃO E PLANEJAMENTO PREPARAÇÃO, COLETA E ANÁLISE ANÁLISE CRUZADA E CONCLUSÃO

Reflexão sobre as implicações e interrelações

Desenvolvimento das Conclusões

Fonte: adaptado a partir de Yin (2005).

Conforme observado por Mattos (2006), é lugar comum na produção acadêmica a defesa de que os resultados provenientes de pesquisas estruturadas a partir de estudos de caso não podem ser generalizadas, sendo tal possibilidade restrita apenas aos métodos estatísticos de análise. Neste sentido, assume-se que a capacidade de generalização da pesquisa qualitativa parte diretamente do pesquisador, aliado ao nível de profundidade do estudo por ele realizado, e não pelo viés quantitativo de seus dados, sendo que, muitas vezes, a real contribuição da pesquisa foge da necessidade de generalização.

É importante ressaltar que este estudo não focou prioritariamente a generalização de resultados. Yin (2005) aponta que a realização de estudos de caso múltiplos, usualmente, baseia-se na lógica de replicação. Ou seja, após uma descoberta significativa ser revelada, a partir de um experimento único, busca-se replicar a descoberta, conduzindo a um segundo, a um terceiro ou a

mais experimentos, para alcançar um padrão generalizável a novos casos. Porém, neste estudo utiliza-se a lógica de replicação, a fim de gerar bases comparativas adequadas, sendo que algumas das conclusões esboçadas exibem potencial para serem generalizadas somente em relação a proposições teóricas (generalizações analíticas), e não em relação ao universo das empresas familiares (generalizações estatísticas).

Acredita-se que o desenvolvimento de teorias ou modelos aplicáveis a todo o conjunto das empresas familiares incorre no sério risco de cometer omissões, empobrecendo a tentativa de se aprofundar na realidade social das organizações em questão. Tal argumento é reforçado por Weber (1973) ao sustentar que a busca positivista por padrões ou leis regulares no campo das ciências sociais conduz ao artifício de considerar casual ou excepcional tudo aquilo que foge da capacidade de generalização do sistema adotado. Em suma, não se buscaram neste estudo apenas as semelhanças entre os casos pesquisados, mas, na realidade, suas singularidades “casuais”, ou particularidade atípicas, pois a constatação de lacunas ou rupturas em relação à teoria vigente representa o prelúdio habitual para o avanço de determinados campos do conhecimento.