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Capítulo 1 As revoltas de junho de 2013

1.3 A tática Black Bloc

A tática de protesto que ficou mais conhecida durante as revoltas de junho foi a Black Bloc, imediatamente criminalizada pelas mídias oficiais. A ação dos “baderneiros”, “vândalos” ou simplesmente “mascarados” ganhou páginas de jornais e revistas, em maior parte em tom de criminalização. No Brasil os primeiros protestos com ações de Black Blocs aconteceram em 2002, na Campanha Nacional contra a Alca, mas foi em 2013 que as intervenções ficaram nacionalmente conhecidas (ORTELLADO, 2017).

É importante salientar que a ação não faz referência a um Movimento ou Organização, ao contrário, é composto de pessoas de grupos heterogêneos, com perspectivas ideológicas até mesmo conflitantes. No decorrer dos atos, qualquer pessoa pode aderir à dinâmica de protesto, o que dificulta a possibilidade de identificar policiais infiltrados. A prática refere-se mais a uma forma de ação, de vestir e de agir (EL PAÍS, 2016). Diante disso, indagamos, se não se trata de um movimento organizado e homogêneo, o que une seus adeptos em torno da prática? Primeiramente o desprezo pelo Estado, não necessariamente a instituição, mas o que ela significa, assim como as práticas que oprimem e condicionam os cidadãos. Ao Estado estão relacionados problemas sociais decorrentes da precarização dos serviços públicos gratuitos, como: educação que não atinge índices mínimos de eficiência; sistema de saúde debilitado; ausência de comprometimento com a qualidade e manutenção da coisa pública, (como rodovias e prédios); sistema de segurança corrupto, ineficaz e opressor; enfim, um Estado cuja máquina pública é inoperante ou incompetente. Um segundo fator de união entre os ativistas é a revolta contra políticas econômicas neoliberais, que tem na desigualdade de distribuição de renda e de direitos suas principais consequências. Atrelado a isto está o desprezo pelas grandes corporações, algumas, alvos de inúmeras denúncias de exploração e enriquecimento ilícito. Juntos, Estado e neoliberalismo, podem ser acusados das maiores adversidades cotidianas do cidadão contemporâneo. Violência, uso de drogas, doenças psíquicas, uso de agrotóxicos, obesidade, intolerância religiosa, de gênero e de etnia (causada pelo não enfrentamento), exploração sexual, exploração do trabalho, desigualdade social e econômica, corrupção, são alguns dos exemplos que motivam a luta e unificam ativistas.

A forma de manifestação encontrada pelos Black Blocs foi atacar símbolos do capitalismo e do Estado, não como violência, mas como símbolo do desprezo pelas instituições. A ação, por conseguinte, é sintomática de uma sociedade que definha em suas contradições.

42 Segundo Ortellado (2014) os “blocos negros” foram criados em 1980, na Alemanha Ocidental, como uma forma de autodefesa dos Autonomen, um grupo de movimentos autônomos. A tática consistia em colocar um grupo todo vestido de preto na linha de frente da passeata, que seria responsável por evitar a infiltração de agitadores e proteger o restante dos manifestantes da repressão policial. Por esse motivo ficaram conhecidos como der schwazer block, ou bloco negro, em alemão.

A prática ficou mais conhecida, no entanto, em 1999, nos protestos contra a Organização Mundial do Comércio (OMC), em Seattle, quando os manifestantes perceberam que a desobediência civil não violenta, defendida por Gandhi e Martin Luther King Jr, não trazia os resultados esperados. O objetivo era resistir pacificamente à violência policial e esperar que os excessos fossem divulgados pela imprensa, fazendo com que a opinião pública ficasse a favor dos manifestantes. Todavia, em função da ausência de uma imprensa livre, não havia divulgação da repressão e a população não tinha acesso a essas informações, fazendo com que a experiência fracassasse. Nesse contexto, os manifestantes perceberam que adotando a tática Black Bloc acabavam chamando mais a atenção dos meios de comunicação e isso fez com que a prática se disseminasse por outros países durante o século XXI (ORTELLADO, 2014).

A prática consiste na destruição seletiva de propriedades de grandes corporações e do Estado, lembrando que seguem regras, não podendo atacar pequenos comércios, pessoas ou animais. O objetivo, além de chamar a atenção das grandes mídias, é de demonstrar o descontentamento com o sistema, e, dessa forma, passar uma imagem de opinião contra a liberalização econômica e seus efeitos sociais. Ortellado acredita que:

Ao contrário do que normalmente se pensa, essa ação não apenas não é violenta como é predominantemente simbólica. Ela deve ser entendida mais na interface da política com a arte do que da política com o crime. Isso, porque a destruição de propriedade a que se dedica não busca causar dano econômico significativo mas apenas demonstrar simbolicamente a insatisfação com o sistema econômico. (ORTELLADO, 2016, s.p.). Ou seja, embora haja dúvidas quanto à eficiência da estratégia, não é possível dizer que se trata de arbitrariedade ou irracionalidade. Trata-se de ações com justificativa e uma lógica interna, que, para os adeptos, não pode ser chamada de violenta, pois não ataca pessoas, e sim coisas. Para Maria da Glória Gohn, 2015, p.59:

Trata-se de uma violência performática – há performances previstas: quebrar vidraças, janelas e portas de vidros de bancos, e estabelecimentos comerciais de multinacionais ou lojas de carros. A performance mistura elementos interativos, comunicativos e simbólicos de forma a configurar algo além de atos de desobediência civil. Há uma recusa à ordem estabelecida, há contestação política, há questionamento do sistema vigente. Há uma identidade coletiva dialógica que focaliza no ato violento a realização

43 da ação. Os repertórios argumentativos e simbólicos presentes nas raras falas de manifestantes ‘mascarados’ que se pronunciaram na imprensa demonstram que eles buscam ressignificar a violência como um ato entre outros desenvolvidos pelo sistema capitalista opressor. Ela é resposta e ataque.

O que fica de tudo isso é a dúvida se as medidas são capazes de transmitir a mensagem tanto para as empresas alvos dos protestos quanto para a população que a assiste. O que sabemos é que, no Brasil, a repercussão da “violência” foi muito grande por parte do jornalismo televisivo e impresso, sendo que quando veio do meio repressivo não foi retratada da mesma maneira. Esse foi um dos motivos para que a população se posicionasse claramente contra as ações. Da mesma forma, nem sempre é bem recebida entre os militantes de esquerda, que acreditam que a tática facilita a infiltração de provocadores e pode afastar simpatizantes.