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Capítulo 2 – Os governos petistas, o conservadorismo e os movimentos sociais no âmbito

2.6 Protestos pelo mundo

Os protestos brasileiros de 2013 não ocorreram de forma isolada. Ao longo de 2011 e anos subsequentes, diferentes manifestações populares despontaram pelo mundo. Embora houvesse tensões sociais, propósitos dos manifestantes e governos distintos, alguns pontos próximos podem ser observados. Por isso foi feito um breve relato dos principais acontecimentos, para em seguida elencar possíveis semelhanças.

O primeiro desses movimentos foi chamado de Primavera Árabe e incluiu países do Oriente Médio e norte da África. Os protestos iniciaram na Tunísia e logo se espalharam para o Egito, Líbia, Síria, Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omã e Iémen. Manifestações menores foram registradas no Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara Ocidental. Muitos desses protestos se transformaram em conflitos armados que os países enfrentam até hoje.

Às 11h30 da manhã de 17 de dezembro de 2010, Mohamed Buazizi, vendedor ambulante de 26 anos, faleceu por autoimolação em frente ao prédio do governo, em Sidi Bouzid, cidade da Tunísia com aproximadamente 40 mil habitantes. O suicídio foi um protesto contra a apreensão da sua banca de frutas e verduras por policiais, uma vez que não tinha licença para a venda e não concordava em pagar propina. Um primo, que assistiu ao protesto, filmou e colocou o vídeo na internet. Gohn (2015) explica que não foi apenas um ato de confisco, pois Mohamed foi humilhado, alvo de xingamentos e depreciação, o que teria ofendido sua moral. Lembrando que o país enfrentava o regime político autoritário de Ben Ali, ditador que estava há quase 25 anos no poder, sob um cotidiano de repressão, conflitos religiosos e economia em crise.

Rapidamente a morte do tunisiano viralizou e desencadeou a uma série de suicídios no país, o que teria inspirado os tunisianos a irem às ruas protestar contra o governo. O movimento foi tão grande, que em menos de um mês derrubou Ben Ali. A repressão e conflitos decorrentes dos protestos resultaram na morte de aproximadamente 147 pessoas, o que apenas fortaleceu os movimentos. Em 14 de janeiro de 2011 o ditador da Tunísia, Ben Ali, renunciou e os manifestantes mantiveram as ações para afastar todos os demais representantes do regime (CASTELLS, 2013; GOHN, 2015).

A Revolução de Jasmim, como ficou conhecida, foi apenas a primeira de uma série de manifestações que aconteceram na Tunísia. Nos anos seguintes, houve crises político- institucionais envolvendo conflitos religiosos e assassinatos, deixando o país em um ambiente de instabilidade política.

88 Influenciada pela revolução tunisiana, poucos dias após a queda de Ben Ali estourou a revolução egípcia, também precedida de autoimolações. Asmaa Mafhouz, uma jovem de 26 anos postou um vídeo em sua página do Facebook convidando os egípcios para comparecerem à praça Tahrir no dia 25 de janeiro, um dia simbólico, por ser o Dia Nacional da Polícia. Naquele dia, milhares de egípcios ocuparam a praça e ficaram ali, durante dias, exigindo a renúncia de Hosni Mubarak, que já estava no poder há 30 anos. Além disso, a Al Jazeera mais uma vez desempenhou um papel de mídia conscientizadora, divulgando imagens e notícias ao público em geral, mesmo após a queda de Hosni Mubarak. (CASTELLS, 2013).

Gohn aponta dois movimentos que tiveram importância inicial na queda de Mubarak. O primeiro foi chamado de Kefaya (Movimento Egípcio pela Mudança), decorrente de uma aliança entre marxistas, islamitas, nasseristas (seguidores do ex-presidente Nasser) e liberais. O segundo, Movimento 6 de abril, formado por jovens universitários tiveram muitos confrontos com a polícia e prisões. Não menos importante, a Irmandade Muçulmana é apontada por Gohn (2015) como uma grande influência na geração dos movimentos. A Irmandade atuava em escolas, postos de saúde e periferias do Cairo, sendo que logo após a queda de Mubarak, em 11 de fevereiro de 2011 criou o partido Liberdade e Justiça. Pode-se deduzir, portanto, que houve resistência ao governo de Mubarak antes mesmo da Primavera Árabe.

Com a divulgação dos protestos e diante da cobertura internacional, países da Europa e das Américas também foram às ruas questionar as contradições de seu próprio sistema político. O Movimento dos Indignados na Espanha, também chamado M-15 em alusão ao seu primeiro grande protesto que ocorreu em 15 de maio de 2011, foi organizado inicialmente pelo grupo Democracia Real Ya (Democracia Real Já) e ocupou a praça Puerta Del Sol, em Madrid. A principal bandeira dos protestos foi o alto nível de desemprego que tomava o país, principalmente entre jovens. Mas ao longo de seu percurso, lutou “contra os cortes, as privatizações, os acordos e a terceirização com fins lucrativos dos serviços sociais, educação e cultura, meio ambiente, justiça etc.” (PINTO, 2012, p.141). Além disso, o movimento se colocou contra políticas da comunidade europeia e atuou a partir da tomada de espaços públicos em contraposição à política institucional (PINTO, 2012). Em síntese, os Indignados protestavam contra a política de austeridade e desmonte do Estado de bem-estar social adotada pelo país como resposta à crise mundial, que vinha se arrastando desde 2008.

No total, 170 cidades do país tiveram manifestações, sendo que Madrid, Barcelona e Valência foram palco das principais. Pelo menos em Madrid houve repressão policial, com registros em fotos e em vídeos divulgados por meio da Internet. Em resposta, houve panelaços

89 contra a repressão policial. Outro ponto importante, Gohn (2015) salienta que sindicatos e partidos ficaram de fora da organização dos protestos, uma vez que as críticas também eram contra as organizações do establishment (parlamento, partidos, sindicatos, empresas, igrejas e monarquia).

A Grécia foi um dos países europeus que mais sofreram com a crise econômica mundial de 2008. Para reverter o quadro de crise financeira, dois grandes pacotes de resgate da dívida pública foram adotados, com empréstimos do FMI e da Comissão Europeia, à custa de enormes sanções e políticas de austeridade. Nas palavras de Žižek (2013, p.104) “os gregos protestam contra o reinado do capital financeiro internacional e contra seu próprio Estado clientelista, ineficiente e corrupto, cada vez menos capaz de fornecer serviços sociais básicos”. Neste contexto, o país viveu situações dramáticas de protestos de trabalhadores ao longo de 2011 e 2012 (GOHN, 2015).

Outro país que viu sua população se levantar contra o Estado foi a Turquia, em maio de 2013. Os protestos começaram após o governo anunciar que iria remodelar o Parque Gezi com a intenção de construir um shopping center e reconstruir um antigo quartel de artilharia. Como o Parque Gezi, anexo à praça Taksim, abriga uma enorme área verde, cerca de 50 ambientalistas protestaram contra a derrubada de 600 árvores, no entanto, foram duramente repreendidos pela polícia. Em resposta, a população somou-se aos manifestantes e voltou-se contra o governo.

Entre os motivos elencados por Gohn para que os Turcos fossem às ruas, aponta denúncias de corrupção ligando o Grupo Kalyon, empreiteira responsável pelo projeto, ao governo turco; a política de islamização, com proibição do beijo público e venda de bebidas alcoólicas e uma série de privatizações de espaços públicos. Após 13 dias de conflitos e ocupação da Praça Taksim (Istambul), iniciada em 27 de maio, a praça foi desocupada em 11 de junho com forte ação policial. Os conflitos deixaram aproximadamente 8 mil feridos e 4 mortos (GOHN, 2015).

De todos os movimentos pós primavera-árabe, o chileno foi o mais específico em seus objetivos. A questão central era o endividamento dos estudantes, que pagavam altos juros pelo ensino universitário tanto público, quanto privado. O movimento foi convocado pela Confederação dos Estudantes do Chile e logo recebeu apoio de reitores, estudantes do Ensino Médio, docentes e sociedade civil. Os estudantes marcharam durante 75 dias ao redor do Palácio de La Moneda, erguendo bandeiras e defendendo o fim da mercantilização da Educação (PINTO, 2012, p. 135)

90 O movimento Occupy Wall Street também foi inspirado nos protestos em torno da praça Tahrir e motivado pela crise que se estendia ao longo da década. A revista de crítica cultural Adbusters divulgou em seu twitter, em 13 de julho de 2011, a convocação #occupywallstreet, seguido de uma carta explicativa exigindo “democracia e não empresariocracia”. O dia escolhido para a ocupação também foi simbólico, pois 17 de julho é a data de assinatura da constituição dos Estados Unidos da América. Cerca de mil pessoas participaram desse primeiro protesto e ocuparam o Zuccotti Park (CASTELLS, 2013).

A centelha para que novos protestos fossem organizados foi a violência policial que repreendeu as manifestações. Em geral, a composição dos participantes do movimento era de jovens de 20 a 40 anos, formados, com diploma universitário, mas com condições precárias de emprego, além de aposentados, profissionais liberais, sindicalistas, anarquistas, hippies etc. Nesse aspecto, novamente os meios de divulgação alternativos foram fundamentais, via Internet, blogs (como Abdusters, AmpedStatus e Anonymous), redes sociais e YouTube. Assim também o tema “nós somos os 99%” também foi popularizado nas passeatas e mídias, em referência a um estudo do governo dos Estados Unidos, divulgado em 2008, que aponta que 1% da população controla quase 24% da renda do país (HARVEY, 2012).

Só nos Estados Unidos, 147 cidades de 45 estados tiveram acampamentos Occupy. Esse foi o movimento que mais teve adeptos pelo mundo, sendo 900 cidades em 82 países. Os atos norte-americanos tiveram vários episódios de confronto com a polícia, com gás lacrimogêneo sendo utilizados em desalojamentos.

Da mesma forma, a Alemanha também foi palco de acampamentos do movimento Occupy. A praça Willy – Brandt Platz, em Frankfurt, ficou ocupada por pelo menos 10 meses, de dezembro de 2011 a agosto de 2012. O local é simbólico na medida em que em seu entorno ficam o Banco Central Europeu e outros como: Commerzbank, Deutsche Bank, UBS, Goldman Sachs, DZ Bank e Dekabank (GOHN, 2015). Outra questão que chama a atenção é a enorme quantidade de tempo que a praça permaneceu ocupada, o que pode ser explicada pela lei alemã de Versammlungsrecht, a qual garante o direito à reunião e assembleias. Na ocasião em que o acampamento foi desativado por ordem governamental, os motivos alegados foram problemas sanitários e de saúde pública.

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