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Capítulo 3 – Cobertura jornalística da revista Veja e do jornal Folha de S.Paulo

3.5 O MPL nas páginas de Veja

3.5.1 Edição 2326, de 19 de junho de 2013, quarta-feira

Ao contrário das edições anteriores, nesta edição os protestos do Movimento Passe Livre não só aparecem, como são assunto de capa. A manchete principal diz: “A revolta dos jovens:

21 Embora a revista seja sempre datada com o dia equivalente ao da quarta-feira, a distribuição para assinantes

115 depois do preço das passagens, a vez da corrupção e da criminalidade?”, em um fundo escuro, com uma fotografia tirada à noite, provavelmente da fachada de loja ou de algum órgão público, em que a frase: “Contra o aumento” aparece pichada em suas portas, conforme mostra a figura 8. À frente, fogo e destruição, com predomínio da cor vermelha, associada à agressão e a violência (GUIMARÃES, 2000). Em uma primeira análise percebemos que a intenção era transmitir uma imagem de caos e vandalismo. Para um leitor que está, ou não, por dentro do assunto, a primeira interpretação gerada é que jovens estão revoltados com o preço das passagens de ônibus e por isso reagiram por meio do crime. A palavra corrupção, lançada no subtítulo, não diz a que veio, mas para o leitor é veiculada imediatamente a um sentimento negativo.

Figura 8 – Capa da Revista Veja destaca a revolta dos jovens, associando à corrupção e criminalidade (Veja, 19 jun. 2013, capa).

A segunda menção aos protestos aparece no índice, em que uma foto está em destaque, com a legenda “desordem e terror frequentes nas metrópoles brasileiras” (VEJA, 2013, p.8 e 9). Na imagem, os manifestantes estão sentados no meio da rua, um segurando flores, outro com os braços para o alto, em sinal de rendição e a maioria tentando proteger-se da melhor forma possível, tapando os ouvidos ou encolhidos. Ao fundo, fotógrafos posicionados entre os manifestantes e os policiais. À frente está o batalhão de choque da polícia militar atirando para o alto e em posição ofensiva. A imagem mostra jovens acuados e a polícia em posição de ataque, gerando a interpretação de que os protestos estavam gerando instabilidade e desordem em várias capitais brasileiras.

116 A Carta ao leitor22 anuncia: “Eles querem dizer alguma coisa”, e questiona: “O que querem os jovens brasileiros que estão vandalizando as ruas a pretexto de lutar contra o aumento de 20 centavos nas passagens urbanas” (VEJA, 2013, p.12). Permeado de sarcasmos, o texto compara os jovens aos que integraram o movimento Ocupe Wall Street, em 2011, afirmando que ambos os grupos são compostos pela classe média e rica e que muitos não andam de ônibus, mas que protestavam em nome de suas empregadas domésticas. Diante dessas informações, alfinetam: “Fosse esse mesmo o caso, seria mais eficiente pedir aos pais um aumento de salário para elas” (VEJA, 2013, p.12). Sugerem, com isso, que se trata de jovens ricos e hipócritas. Por fim, afirmam que há de fato um desconforto entre os jovens, uma “razão escondida” por detrás dos cartazes, e que a Veja contribuiria para desvendar e enxergá-la. Por fim, ainda julgam: “sobra força e falta sabedoria” (VEJA, 2013, p.12).

A reportagem principal totaliza nove páginas, com fotografias dos protestos de quatro capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia e Porto Alegre e trechos com entrevistas de manifestantes que estavam nos protestos do dia 13, quinta-feira. A manchete principal segue a mesma linha editorial e questiona: “Os jovens já marcharam pela paz, democracia e liberdade. Os de agora vão às ruas para baixar o preço das passagens. Mas isso é tudo?” (VEJA, 2013, p.86, e ao longo da reportagem busca diferentes motivos para os protestos organizados pelo MPL, além de deslegitimar os jovens que participavam dos protestos:

Há uma grande chance de que boa parte da rapaziada que, na semana passada, foi às ruas esteja apenas dando vazão às pressões hormonais pelo exercício passageiro do socialismo revolucionário. Afinal, como disse o inglês Winston Churchill, “se você não é um liberal aos 20 anos não tem coração, e se não se torna um conservador aos 40 você não tem cérebro”. (VEJA, 19 jun. 2013, p. 86)

Em seguida, traça o perfil do MPL “um grupo nanico criado por estudantes de São Paulo”, que defende a “estatização das empresas de transporte e a gratuidade das passagens”, e que “possui um perfil bastante semelhante”:

[...] muitos são egressos do Colégio Santa Cruz, um dos mais tradicionais da elite paulistana, ou do Equipe, outra escola frequentada por filhos de profissionais liberais. Atualmente, a maior parte estuda na USP, nos cursos de física, ciências sociais e direito (VEJA, 2013, p.86).

22 A Carta ao leitor é o editorial de Veja. Silva (2005) acredita que ao não chamar de editorial, a revista busca

descaracterizar o texto como posicionamento político. É o primeiro texto a vir logo após o índice. Sua diagramação apresenta o tamanho da escrita maior em relação ao restante da revista, mostrando a importância do texto e buscando atrair a atenção do leitor, como um recado direto do Diretor de Redação à pessoa que irá iniciar a leitura do periódico.

117 Veja interpreta como uma contradição o fato de “filhos da elite paulistana” preocuparem- se com questões sociais relacionadas à qualidade de vida, como é o caso do transporte público. Sabemos, porém, que o desenvolvimento de uma conscientização dos deveres do Estado, das políticas sociais que deveriam ser providas, está intrinsicamente ligado ao processo educativo pelo qual o sujeito passa. Nas periferias, onde uma grande parcela da população utiliza transporte público, Estado e educação estão ausentes e movimentos sociais têm maior dificuldade de articulação e de serem ouvidos. Levando em consideração também que a repressão policial é maior nessas regiões.

Há, com isso, uma distinção entre o MPL e os “baderneiros”. Que pode ser notada no trecho a seguir:

Foram os militantes do MPL ligados a partidos que organizaram os dois primeiros protestos em São Paulo, que não chegaram a reunir 2 000 pessoas. [...] Para engrossarem o movimento, alas radicais dos partidos arregimentaram integrantes de grupos punk – alguns deles já conhecidos nos serviços de inteligência por ter [sic] se envolvido em episódios de agressão a [sic] minorias (Veja, 19 jun. 2013, p.88).

Com, relação aos “baderneiros”, “anarquistas”, “vândalos”, a reportagem os define como: [...] os suspeitos de sempre: militantes de partidos de extrema esquerda (PSTU, PSOL, PCO, e PC do B), punks e desocupados de outras denominações tribais urbanas, sempre dispostos a driblar o tédio burguês aderindo a algum protesto violento (VEJA, 19 jun. 2013, p.86).

Com isso, estereotipam os manifestantes e evidenciam a prática da violência como tática de protesto dos entediados. Por fim, a reportagem observa que os jovens querem dizer alguma coisa e precisam ser ouvidos, afinal, se os manifestantes não sabem pelo que lutam, Veja sabe. O verdadeiro problema seria a ausência de partidos e programas que os empolguem, pois isso sim daria uma saudável interpretação de que o mundo não é perfeito, e que a melhor forma de o consertar é por meio da prática política e do voto, como se manifestações não representassem uma prática política.

Na mesma reportagem são utilizadas 18 fotografias dos protestos ocorridos nas quatro capitais, seis delas mostram imagens de manifestantes empunhando cartazes, apenas um utiliza a temática do preço da passagem, as legendas diziam que as frases eram contra a polícia, políticos de todos os partidos e dos três níveis de poder, (prefeito Fernando Haddad, governador Geraldo Alckmin e a presidente Dilma Rousseff). Cinco ilustram pessoas que participavam dos protestos, sendo que duas delas apresentam nome, um histórico de protestos anterior e o sua intenção ao participar do ato. Quatro demonstravam o que a revista classificou como

118 “vandalismo”, imagens de fogo e pichações; duas são panorâmicas e duas apontam a “reação agressiva” dos policiais aos ataques de “radicais insuflados por partidos de esquerda” (VEJA, 2013, p.92).

Dessa forma, a primeira edição evidenciou aspectos negativos dos protestos, por meio de palavras como: “desordem”, “terror”, “criminalidade”, “corrupção”, “revolta”, “baderna”, “tédio burguês”, “anarquistas”, “fúria difusa”, “violência”, “briga pela redução”, “radicais” e “rebelam”, ironizando a causa defendida pelos jovens que a compuseram e, de forma implícita, justificando a violência com que os policiais atacaram os manifestantes.