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Capítulo 1 As revoltas de junho de 2013

1.2 As ações do MPL na Revolta do Vinagre

1.2.5 Ato de 17 de junho de 2013, segunda-feira

Foi nesse dia que os protestos tomaram projeção nacional e brasileiros se assustaram ao ligar seus televisores e assistirem a cobertura das manifestações ao vivo, muitos sem saber o que estava acontecendo. São Paulo reuniu 65 mil participantes no Largo da Batata que desfilaram pelas ruas entoando cânticos e palavras de ordem. Interessante pontuar que o Movimento Passe Livre não utiliza carros de som, pois acredita que isso poderia dar uma ideia de liderança, o que feriria o princípio de horizontalidade. Por isso, faz uso de diferentes dinâmicas, como técnica do jogral em que um integrante faz uma fala e os outros manifestantes repetem em coro, até que todos tenham ouvido.

Na falta de um carro de som, uma alternativa é a Fanfarra do Mal, sigla para Movimento Autônomo Libertário, um grupo de militantes independentes de bandeiras e lideranças que se organiza para fortalecer manifestações populares com músicas e palavras de ordem (LOCATELLI, 2013). A palavra "autônomo" se refere à ausência de uma bandeira de luta específica, o que faz com que apoiem diferentes lutas, como Marcha da Maconha, Marcha das

36 Vadias, etc. Segundo Locatelli, a fanfarra se organiza de forma a participar dos protestos até o momento final, mesmo que haja conflitos com a polícia, por isso os manifestantes se revezam ao tocar os instrumentos. Além disso, quando há conflitos e são atacados com bombas de gás, os integrantes suportam o máximo que podem, pois acreditam na música dando força e voz aos manifestantes.

No mesmo dia, 12 capitais se juntaram às manifestações, sendo que só no Rio de Janeiro 100 mil manifestantes se juntaram à causa e ocuparam a Assembleia Legislativa. Em Brasília, a Esplanada dos Ministérios e o teto do Congresso Nacional foram ocupados. A polícia, diferentemente de outros dias, abrandou a repressão e aumentou a vigilância (GOHN, 2015). Houve mudanças também nas transmissões dos programas de TV, realizando uma cobertura nacional mostrando as reivindicações dos manifestantes, discutindo as possíveis demandas e dividindo os manifestantes entre bonzinhos e vândalos. Houve protestos também em frente a sede da Rede Globo, em uma demonstração de descontentamento dos manifestantes com o tratamento midiático dado aos protestos. Sobre a mudança da abordagem midiática, Mário Maestri se manifesta:

[...] a grande mídia procurou redirecionar sua retórica, devido ao caráter fluvial e apoio geral da população às demonstrações de rua. Por um lado, procurou influenciar politicamente o movimento, apresentando-o como anti-político, anticorrupção, anti- esquerda, diluindo suas reivindicações materiais - passagem, saúde, educação. Por outro, dividiu os manifestantes em bons e maus e as manifestações em positivas (aceitáveis) e negativas (abomináveis). Tudo segundo os padrões maniqueístas das narrativas televisivas triviais. Uma divisão com objetivos estratégicos. A mídia apresentou as manifestações positivas como constituídas por cidadãos conscientes, e as negativas, por baderneiros, depredadores, anarquistas, arruaceiros. (...) Nas manifestações de junho e nas mobilizações sucessivas, raramente os repórteres aproximavam-se dos manifestantes para ouvir seus pontos de vista, enquanto eram regularmente entrevistados representantes das forças policiais ou comentando os danos causados pelos baderneiros. Os depoentes enquadrados eram e são quase essencialmente os que corroboravam os conteúdos conservadores propostos pela mídia para as mobilizações. A apresentação de um comentário se fixa como a opinião geral, ainda mais quando são diversos depoentes (MAESTRI, 2013).

Nesse dia, alguns manifestantes utilizavam a máscara de Guy Fawkes ou camiseta onde estava escrito V de Vinagre, uma referência ao filme V de vingança e ao mesmo tempo uma crítica às prisões arbitrárias por porte de vinagre. O filme conta a história de Guy Fawkes, um homem que tentou explodir o parlamento inglês no século XVI. Sua história virou quadrinho e depois filme. Como a máscara do personagem é capaz de encobrir a identidade de quem a usa, é utilizada pelos Anonymous, um grupo de hackers e ativistas digitais, além de ter sido amplamente utilizada nos protestos Occupy Wall Street (LOCATELLI, 2013).

37 Figura 1 – Manifestante com máscara de Guy Fawkes. ANDRADE, Eliára. 18 jun 2013. Acervo O Globo.

Mas não foi somente a imprensa e a reação policial a mudar, a população que compunha as manifestações claramente mudou também. Nesse dia já havia sinais do que seria ouvido e visto nos protestos seguintes. O nacionalismo, que antes quase não aparecia, surgiu em gritos de "eu sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor". Também o antipartidarismo começava as dar as caras. Sob gritos de "sem partido", militantes do PSOL e PSTU foram expulsos dos protestos, mesmo argumentando que participavam desde o início juntamente com o MPL. Sobre isso, Nina Capelo afirma que o Movimento sempre foi apartidário, porém não antipartidário, aceitando partidos que quisessem defender a tarifa zero, desde que não tirassem o protagonismo do Movimento.

Então a gente não incentiva essas atitudes de fazer com quem os partidos baixem as bandeiras da mesma forma com que a gente não incentiva também que os partidos fiquem todos com as bandeiras na frente do ato, tentando tomar o ato. A gente sempre se preocupa muito com isso, até como uma estética do movimento, pra que fique bem claro que a manifestação é contra o aumento da tarifa, que a gente tenha uma faixa da frente que indique exatamente o que é aquela manifestação (RODA VIVA, 2013).

A insatisfação com o Partido dos Trabalhadores também começava a despontar, já era possível ouvir gritos de "Lula ladrão, seu lugar é na prisão". Dois dias atrás havia sido a abertura da Copa das Confederações, quando a então presidente Dilma Rousseff foi vaiada pelo público presente, sendo que é possível afirmar que tal público não era de camadas populares, se for levado em conta o preço dos ingressos.

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