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Capítulo 3 – Cobertura jornalística da revista Veja e do jornal Folha de S.Paulo

3.5 O MPL nas páginas de Veja

3.5.2 Edição 2327, de 26 de junho de 2013, quarta-feira

Após uma semana, a Revista Veja muda completamente a abordagem e o discurso com relação aos protestos. Tal transfiguração pode ser observada na capa, onde aparecem no topo, acima do cabeçalho e em destaque as palavras: “Edição Histórica”, no mesmo lugar onde costumeiramente a revista posiciona outros destaques. Silva (2011) explica que as edições históricas ilustram o funcionamento da construção da memória, por meio da inclusão e exclusão de fatos, de acordo com os interesses e as imagens que se requer.

Dessa vez, porém, o tema é um só, demonstrado pela manchete: “Os sete dias que mudaram o Brasil”, ilustrado pela fotografia de uma jovem que tem as costas protegidas por uma bandeira do Brasil e caminha pela rua em meio aos protestos, conforme ilustrado na figura 9. Ao fundo, desfocado, imagens de fogo e muita luz, dando um tom de esperança. Aqui, a primeira mudança visível com relação a primeira capa. Se antes anunciavam criminalidade, violência, depois, mesmo que a imagem principal mostre fogo, a intenção é de evidenciar a esperança e a expectativa de mudança.

119 Figura 9 – Na segunda capa dedicada aos protestos, a Revista Veja muda a abordagem, exaltando o patriotismo e a esperança por mudanças (VEJA, 26 jun. 2013, capa).

O índice, no mesmo clima de edição especial, tem ao fundo uma imagem que toma as duas páginas, mostrando os manifestantes que ocuparam o Congresso Nacional no dia 20 de junho. A revista dedica 31 páginas ao assunto, abordando as reações da presidente Dilma Rousseff e alguns assuntos que seriam pauta das manifestações, como a PEC 37, a Copa do Mundo de 2014 e a alta tarifa do transporte público. Além desses, são discutidas as ações de “vândalos” e do Movimento Passe Livre.

Nessa edição, a Carta ao Leitor exalta a indignação geral da sociedade com a “corrupção, a impunidade e os gastos públicos de péssima qualidade” (VEJA, 26 jun. 2013, p.13). Também comemora a expulsão de militantes do PT e do PSOL “por brasileiros que não se sentem representados por essas legendas”. Da mesma forma, acusa os sindicalistas da CUT de querer “se passar por manifestantes”, como se não tivessem um histórico de lutas nas ruas.

A reportagem principal, cujo título é o mesmo da capa, inicia com o seguinte trecho: Quando se espalhou por São Paulo um protesto contra o aumento de 20 centavos na passagem de ônibus, todo mundo sentiu que a coisa era bem maior. Tão maior, mais inebriante, mais mobilizadora, mais assustadora e mais apaixonante que, em uma semana, multidões bem acima de 1 milhão de pessoas jorraram Brasil afora na histórica noite de quinta-feira. Todos os parâmetros comparativos anteriores, como Diretas Já e Fora Collor, empalideceram diante do abismo aberto entre os representantes dos poderes, de um lado, e o poder dos que se sentem muito mal representados, de outro. A presidente acuada, as instituições em estado de estupor, os políticos desaparecidos e a turbamulta subindo a frágil passarela do Palácio Itamaraty criaram outro sentimento estarrecedor: é muito fácil quebrar o vidro que separa a ordem e o caos (VEJA, 26 jun. 2013, p.61).

Ou seja, se a edição anterior caracterizava os jovens como rebeldes sem causa, essa outra faz uma nova interpretação das manifestações, com um tom profético e apaixonado. Na

120 reportagem principal, salienta em tom comemorativo que os “esquerdistas” tentaram tomar o protagonismo das passeatas, mas que foram “emparedados”: “Os esquerdistas tiveram que ouvir um dos mais elegantes xingamentos da história mundial das manifestações: ‘Oportunistas, oportunistas’” (VEJA, 2013, p.63), numa referência à confusão entre manifestantes de esquerda, que, apesar de comporem a base dos movimentos sociais, inclusive do MPL, foram expulsos dos protestos e impedidos de empunhar bandeiras de partidos.

Ao longo das páginas, são reunidos 119 pequenos depoimentos e fotografias de pessoas que participaram dos protestos, em que transmitiam mensagens ou justificativas para participarem dos protestos. Além disso, a reportagem divulga uma pesquisa realizada pelo Departamento de Inteligência e Pesquisa de Mercado Abril que mostrou as principais reivindicações dos manifestantes, sendo, a corrupção, declarada por 53% dos entrevistados, em segundo lugar a PEC 37, 49% e, em terceiro e quarto, pela melhoria em educação, 45% e saúde, 38%. Mostra também que entre os partidos “condenados” pelos manifestantes, 33% eram contra o PT, 4% contra o PSDB, enquanto 58% se declaram contra todos os partidos políticos, por não se sentirem representados. Há, ainda, um indício sobre o perfil dos entrevistados, onde mais de 50% era composto por brasileiros de 40 anos ou mais, sendo que 84% pertenciam as classes A ou B.

Como já é característica das reportagens veiculadas na Veja, os textos sobre os protestos são repletos de ironias e sarcasmos direcionados aos “bolcheviques” e “esquerdistas”, como transparece no trecho: “Desde os tempos da revolução bolchevique na Rússia que os líderes esquerdistas desdenham qualquer revolta popular que não tenha sido organizada por eles” (VEJA, 26 jun. 2013, p.67). Para a Veja, o que ficou evidente é que as ruas abrigaram “multidões de libertários independentes não ideológicos cansados de corrupção e descaso” (VEJA, 2013, p.67), cuja principal bandeira era a corrupção do Partido dos Trabalhadores, além de outras relacionadas ao governo federal, como os gastos exacerbados com a Copa e a PEC 37.

Outro assunto abordado foi o das empresas de ônibus e como financiam campanhas políticas para manter suas concessões, sendo essa uma denúncia antiga do MPL. Trata-se de empresários que financiam campanhas de candidatos a prefeitos de um ou mais partidos e em troca, quando eleitos, contratam o serviço dessas empresas após processos de licitação fraudulentos. O resultado é o enriquecimento das empresas enquanto utilizam ônibus velhos e superlotados, com tarifa muito além do que seria necessário para manter o funcionamento do sistema. É interessante notar que em uma de suas reportagens, Veja menospreza a ideia de

121 estatização do transporte público, trazida pelo MPL, e questiona como seria possível baixar o valor das tarifas, se o custo da manutenção aumentou, questionando quem pagaria pela perda da receita, porém, nas páginas seguintes dá a resposta, desmontando os esquemas das empresas de ônibus.

As últimas páginas são reservadas a “desvendar” quem são os arruaceiros e os vândalos que aproveitaram as manifestações para “incitar o quebra-quebra”, diferenciando assim movimentos legítimos de ilegítimos, os ideais, dos oportunistas. A reportagem também menciona pela primeira vez a tática Black Bloc, definindo como anarquistas que “acendem a fagulha do vandalismo para depois se retirar ou se misturar à multidão pacífica” (VEJA, 2013, p.89).

Por fim, o último texto da série de reportagens, aborda os jovens do Movimento Passe Livre, suas futuras lutas, estratégias e visibilidade proporcionada pelo crescimento dos protestos:

‘Olha aqui!’, gabava-se, na última quinta-feira, Mayara Vivian, de 23 anos, ao mostrar a uma amiga o registro de mais de cinquenta ligações perdidas durante a hora em que passou longe de seu celular (que, claro, não era iPhone, mas um aparelho velho e ‘sem frescuras’, como manda o Manual do Militante Raiz) (VEJA, 2013, p.91).

Aqui, é possível observar mais uma vez o tom de escárnio ao falar dos integrantes do MPL. Segundo a reportagem, os jovens “deleitam-se com a fama” após tornarem-se um fenômeno pop, e vendem suas camisetas mais que “pãozinho quente”, enquanto veem o número de adesão ao grupo crescer exponencialmente. Ou seja, com duas páginas dedicadas ao movimento, a reportagem não se ocupada em informar de fato quem são as pessoas que fazem parte do movimento, nem em entender ou explicar as causas que defendem, mas sim, desqualificá-los com tom de escárnio, sustentando a imagem de estudantes elitistas ingênuos e/ou hipócritas.