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Capítulo 2 – Os governos petistas, o conservadorismo e os movimentos sociais no âmbito

2.7 Há proximidade entre os protestos?

Embora os movimentos tenham características específicas evidentes que os diferem entre si, é possível observar relações e semelhanças entre eles.

1º Com exceção de países que compuseram a Primavera Árabe, como Tunísia e Egito, os demais movimentos ocorrem em países democráticos. No entanto, questionavam o sistema democrático repensando suas falhas e contradições, defendendo assim a “democratização da democracia”. Nas palavras de Pinto (2012, p.137) “forte crítica a uma democracia que não se realiza devido a uma elite política que se reproduz à custa da concentração de poderes políticos e econômicos”, o enfrentamento passa a ocorrer com os governos, os partidos e a estrutura de uma democracia elitista. Slavoj Žižek (2012) explica que o objetivo era de democratizar o capitalismo, estendendo o controle democrático para as mídias, economia, inquéritos parlamentares, leis mais severas, porém, sem indagar a moldura institucional democrática, aceitando-a sem questionamentos.

2º Pouca confiabilidade em partidos, sindicatos e estruturas governamentais, deixando de lado as organizações partidárias. Em sua estrutura não há grandes Movimentos Sociais, Ong’s ou partidos políticos, mas parcela da sociedade civil que se organiza e constrói o movimento ao mesmo tempo em que se manifesta (PINTO, 2012, p.137). Trata-se, portanto, de movimentos não organizados.

3º A divulgação dos movimentos via tecnologia, como celulares e Internet. Os teóricos pesquisados são unânimes em afirmar que a dimensão não teria sido tão grande nem a organização tão eficaz sem a utilização das mídias sociais. Redes Sociais como Twitter, Facebook, Blogs, Youtube e Instagram foram comumente utilizadas, seja com postagens em tempo real para divulgar os protestos, como organização ou discussão sobre o futuro dos movimentos e seus objetivos em fóruns da Internet. Ao navegar na Internet o usuário pode trocar mensagens com milhares de outras pessoas e, é nesse contexto de rapidez, que a divulgação de informações influiu no ritmo dos protestos. E assim, até mesmo um transeunte pôde criar uma produção independente ao filmar ou fotografar o movimento com seu celular e disponibilizar na rede.

Paralelo ao uso de novas tecnologias, popularizaram-se também novas mídias alternativas. Qualquer pessoa munida de um celular poderia ser um repórter e um divulgador dos protestos. Na Tunísia, a agência de TV All Jazeera, principal canal de televisão por satélite

92 fora do domínio governamental, transmitia as imagens das repressões do Estado, disponibilizava na Internet e divulgava a 40% dos tunisianos que residiam nas áreas urbanas. (CASTELLS, 2013). Ainda sobre a Revolução Egípcia, Castells afirma que nem mesmo quando o governo bloqueou a Internet o canal All Jazeera parou de transmitir, pois ele se alimentava de relatos por telefone e era capaz de assumir outras frequências de TV, para que não fosse cortada a transmissão. No Occupy Wall Street, a maioria das organizações, ou seja, dos acampamentos, criou seus próprios sites, em que era disponibilizado o contato, informações de como participar, campos para suprimentos e recursos e dicas políticas. Em termos de divulgação, ainda existiam jornais impressos como Occupied WJS, Occupy! N+1 ou Tidal que funcionavam como boletins locais, divulgando as decisões e os acontecimentos. (CASTELLS, 2013). No Brasil, Peruzzo (2013, p. 81) aponta algumas mídias que foram contrárias às tradicionais: “Jornal Pessoal, agência Adital – Notícias da América Latina e Caribe, Revista Boca de Rua, jornal O Trincheiro, Revista Viração, Voz da Periferia, Agência Brasil de Fato e outros”. Também a Mídia Ninja se popularizou ao colocar repórteres no meio das manifestações, gravando com celulares e smartphones e transmitindo ao vivo pela internet, sem edições.

4º Utilização do espaço público como ponto de organização e discussão dos movimentos. O público passa a ser o espaço de encontro, troca de experiências, construção de discursos e formação de opinião. Isso acontece na medida em que o movimento vai tomando forma e ganhando as ruas e praças. Em muitos casos os manifestantes divergem sobre bandeiras, trajetos ou visões políticas, e é nesse espaço que as divergências são discutidas. (PINTO, 2012).

Gohn (2015) fez um interessante estudo sobre praças em diferentes lugares do mundo como território de manifestações, sendo: Praça Tahrir no Cairo (Egito), Praça Mohamed Bouazizi em Túnis (Tunísia), Praça Taksim em Istambul (Turquia), Praça Puerta de Sol em Madri (Espanha), Praça Syntagma em Atenas (Grécia), Praça do Parque Zuccoti e Wall Street, em Nova York (EUA) e a Willy – Bandt Platz em Frankfurt (Alemanha). No Brasil, são lembradas: a Praça da Candelária, no Rio de Janeiro e a Praça da Sé, Avenida Paulista e Largo da Batata, em São Paulo.

5º Salvo momentos em que a tática Black Bloc entra em cena, ou que saqueadores aproveitam a movimentação para saquear lojas, são movimentos sociais pacíficos, em que os manifestantes se recusam a utilizar a violência e a depredação do patrimônio público com o objetivo de não deslegitimar o movimento ou torná-lo criminoso. No entanto, em todos houve indícios de excessos por parte da polícia e confronto com manifestantes.

93 6º A falta de habilidade da polícia para conter os manifestantes não foi exclusividade do Brasil. Em todas as manifestações houve excesso na repressão, com utilização de bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta, balas de borracha, jatos d’água, entre outras estratégias utilizadas pela polícia. Alguns casos tornaram-se simbólicos, como a fotografia “a mulher de vermelho”, que virou símbolo das manifestações turcas, pela evidente brutalidade policial.

Figura 6 - Manifestante vestida de vermelho é atingida por gás lacrimogêneo disparado por um policial no Parque Gezi, Istambul. ORSAL, Osman. Mulher de Vermelho. mai. 2013. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/06/mulher-de-vermelho-agredida-com-gas-lacrimogenio-motiva-

revolta-turca.html

7º Os movimentos se caracterizam pela composição social diversa e por conter uma grande parcela de jovens que estavam afastados da política nas últimas duas décadas, liderando as manifestações. Exemplos disso são Camila Vallejo, 23 anos e Asmaa Mahfouz, de 26, a primeira foi militante do Partido Comunista, ex-presidente do Confech - Confederação de Estudantes do Chile (PINTO, 2012); a segunda, uma das líderes da revolução egípcia, responsável por convocar as primeiras manifestações. Na Europa as manifestações foram compostas por “jovens empregados, operários precários, trabalhadores desempregados e estudantes de graduação subjugados pelo endividamento e inseguros quanto ao futuro” (PINTO, 2012, p. 138). No caso de Wall Street, além da juventude, havia muitos veteranos de guerra, sindicalistas, pobres, profissionais liberais, anarquistas, hippies, trabalhadores, etc. (ALVES, 2012). Carneiro (2012) utiliza o termo “precariado”, neologismo cunhado no Japão, para designar uma nova forma de trabalhador informal e terceirizado, cujo trabalho é caracterizado pela exploração, precarização, desregulamentação e perda de direitos sociais.

94 Da mesma forma, o Brasil se caracterizou pela diversidade de participantes e de diferentes tendências político-ideológicas, desde as posições de esquerda, liberais, assim como as de conservadores, pessoas comuns, trabalhadores, homossexuais, jovens, homens, mulheres, crianças, cidadãos que queriam mudar o Brasil ou que simplesmente quiseram sair de casa.

De forma geral, esses movimentos defendem a democracia e questionam o autoritarismo; exigem a melhoria nos serviços ofertados pelo Estado (cultura, lazer, educação, polícia cidadã, moradia, defesa meio ambiente); clamam favor das liberdades individuais; exigem uma maior participação dos indivíduos nas decisões tomadas pelo Estado; defendem chamadas minorias (mulheres, imigrantes, negros, gays) etc.

As manifestações, no entanto, não tiveram um fim em si mesmo. Muitos países ainda enfrentam consequências das guerras civis decorrentes dos protestos. Na Líbia, desde que o ditador Muammar Kaddafi foi assassinado, em 2011, o governo é exercido por Fayez Sarraj, primeiro ministro. Em 2018, a rede americana CNN denunciou por meio de vídeos divulgados na imprensa, jovens sendo vendidos como escravos na Líbia. Mulheres ainda são vendidas como escravas sexuais. O comércio de seres humanos foi denunciado em pelo menos nove cidades próximas à capital, Trípoli. A maioria das pessoas vendidas nos leilões são refugiados da Nigéria, Somália, Etiópia, Eritreia, Burundi, Níger e Gâmbia, que foram até a Líbia para atravessar o mediterrâneo e construir uma nova vida na Europa. Os leilões são sintomas de uma crise que vem se arrastando desde a Primavera Árabe, e a guerra civil é financiada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Segundo reportagem de José Antonio Lima para a Carta Capital, após a queda de Kaddafi o país foi abandonado pelo Ocidente, e as eleições parlamentares não conseguiram conciliar os diversos interesses políticos e grupos étnicos.

Na Síria a situação é ainda mais grave, sendo que a ONU já considera a maior crise humanitária do século XXI. Em 2011, protestos iniciados na Primavera Árabe contra o ditador Bashar al-Assad logo se transformaram em guerra civil. Segundo estimativas divulgadas pela ONU, 400 mil pessoas foram mortas e mais de 4,5 milhões de pessoas fugiram do país. A situação ficou mais delicada, após a comunidade internacional tomar partido no conflito. Enquanto Estados Unidos, Reino Unido e França atacam as forças do governo Sírio, a Rússia busca estabilizar o conflito e manter o governo. Outro agravante é a presença de grupos jihadistas e terroristas da Al-Qaeda e do Estado Islâmico no país, que aproveitaram a instabilidade política para criar uma espécie de "guerra dentro da guerra", sustentada pelos próprios interesses, atacando tanto forças do governo quanto opositoras (BBC, 2017).

95 No Iêmen a situação não é menos grave. Da mesma forma, a tensão é decorrente da Primavera Árabe, quando rebeldes xiitas houthis aproveitaram os protestos para expandir o controle territorial e político. Enquanto rebeldes, grupos internacionais e grupos terroristas (Al- Qaeda e Estado Islâmico) lutam pelo controle do país, há denúncias de fome, desnutrição, ataques a hospitais, treinamento de crianças para combater em guerra e diversas outras violações dos direitos humanos.

Outros países enfrentaram cada qual a sua realidade, instabilidade e conflitos. O que fica evidente é o interesse da comunidade internacional nesses territórios, o que deixa dúvidas sobre que interesses seriam esses e qual a real interferência dos Estados Unidos no início desses protestos, afinal os EUA armaram rebeldes e incentivaram sua população a se levantar contra os ditadores.

Bandeira acredita que, da mesma forma, a instabilidade política brasileira foi incentivada pelos Estados Unidos (Apud NASSIF e FAERMANN, 2016). A visão do autor vai ao encontro das informações referentes ao financiamento e treinamento oferecidos pela Atlas Network a membros do Movimento Brasil Livre. Lembrando que essa não é a única think tank financiada pela organização, outras como o Instituto Liberal, Instituto Millenium, além de jornalistas brasileiros pagos para criar um clima de instabilidade, deslegitimar o Estado de bem-estar social e demonizar ideias, teóricos e políticas à esquerda.

Assim, vimos que o interesse dos Estados Unidos é de, tanto incentivar a adoção de políticas neoliberais em outros países, por meio de treinamentos, estudos patrocinados e financiamento de think thanks, como de assegurar sua hegemonia econômica e política desestabilizando outras possíveis potências, em uma constante disputa de poder.

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