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Capítulo 2 – Os governos petistas, o conservadorismo e os movimentos sociais no âmbito

2.3 Uma nova classe média?

As políticas sociais e econômicas de trasferência de renda, incentivo à criação de empregos, valorização do salário mínimo, fomento a aquisição da casa própria, valorização da educação e saúde públicas melhoraram à qualidade de vida de uma grande parcela da população. Com base nesses avanços sociais e econômicos, Institutos de pesquisa de mercado e de sociologia organizam grupos sociais em pirâmides, seguindo fatores variáveis.

Enquanto a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), por meio do Critério de Classificação Econômica Brasil, utiliza diferentes critérios, como: renda familiar, número de pessoas por domicílio, posse de bens duráveis, condições de moradia, escolaridade, profissão e padrão de consumo, a pirâmide populacional por classes econômicas elaborada pelo economista Marcelo Neri, ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, entre março de 2013 e fevereiro de 2015, classifica a população pela renda domiciliar percapita. Como vemos no gráfico elaborado por Neri:

Figura 2: Pirâmide populacional e classes econômicas 2003, 2009 e 2013 Fonte: Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, 2014, p. 24.

71 Os dados utilizados por Neri são do PNAD/IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). O gráfico define as classes econômicas pela renda domiciliar per capita10, sendo a Classe E até R$ 1.254, Classe D de R$ 1.255 a 2.004, Classe C R$ 2.005 a 8.640, classe B R$8.641 a 11.261 e a Classe A acima de R$ 11.262, com valores correspondentes a janeiro de 2014.

Como podemos observar no gráfico, de 2003 a 2013 as classes D e E decresceram, passando de 98,9 milhões para 62,1. A classe C, que foi chamada de nova classe média, aumentou de 67,9 para 112,6 milhões, ou seja, a redução das classes D e E fizeram com a classe C expandisse. Da mesma forma, as classes A e B dobraram, subindo de 13,9 para 26,4. Conclui- se assim que na política lulista tanto classes mais altas quanto mais baixas passaram a ganhar mais, isto é, trabalhadores passaram a viver melhor, mas sem agitar os mercados financeiros.

É pertinente observar também que, em comparação com as demais classes, a C é a mais abrangente no que se refere a diversidade de renda, podendo incluir famílias com renda mínima de 2.005 até a máxima de 8.640, ou seja, uma diferença de até 4 vezes, uma discrepância em termos de poder aquisitivo (SINGER, 2012). Singer (2015) chega a questionar se a ampliação das faixas de renda das classes B e D não proporcionariam uma maior equidade, deixando a classe C menor e mais homogênea.

Pochmann (2012) explica que nos últimos anos houve alterações no setor produtivo, com maior desenvolvimento no setor terciário e na criação de novos postos de trabalho, com isso, o Brasil conseguiu combinar crescimento econômico, ampliação de renda per capita e diminuição da desigualdade pela melhor distribuição de renda do trabalho. Além disso, verificou-se uma melhora nas condições de trabalho, com aumento das vagas de emprego formal e diminuição do desemprego. Em geral, as vagas criadas na década de 2000 concentram- se no chamado salário de base, ou seja, que giram em torno do salário mínimo. Segundo o pesquisador, anualmente foram abertas aproximadamente 2,1 milhões de novas vagas, das quais 2 milhões ofereciam uma remuneração próxima a 1,5 salário mínimo. Tal combinação de aumento de salário mínimo real, criação de novas vagas de emprego e políticas de transferência de renda favoreceu a diminuição da pobreza. No entanto, seria um equívoco apontar essa mudança como constituição de uma nova classe social, pois se trataria apenas de adoção de novas bases de consumo de uma mesma classe social, a classe trabalhadora.

72 Na mesma direção, Jessé Souza chama essa nova classe, que se afasta das mais baixas e melhora seu padrão de consumo de "nova classe trabalhadora", apelidada de "classe batalhadora". Para ele as classes sociais não deveriam ser determinadas pela renda (liberalismo) ou pelo lugar na produção (marxismo), mas sim "por uma visão de mundo 'prática' que se mostra em todos os comportamentos e atitudes como esclarecida, com exemplos concretos acessíveis a todos" (SOUZA, 2012, p. 45). O próprio ato de denominar essa classe em ascensão como "classe média" seria carregado de violência simbólica, uma vez que os privilégios de classe seriam negados, assim como as dificuldades decorrentes das más condições de trabalho (dupla jornada, medo do desemprego, endividamento) e as especificidades dessa classe emergente.

Além disso, a denominação da classe trabalhadora como nova classe média, abre possibilidade para a condução de políticas públicas voltadas aos interesses do mercado, que, somadas à propaganda de desvalorização dos serviços públicos (Sistema Único de Saúde, universidades e escolas públicas, Previdência Social), levariam a um incentivo e fortalecimento dos serviços contratados, como planos de saúde, educação privada, previdência etc (POCHMANN, 2012).

Embora haja considerável ascensão social, com ampliação no padrão de consumo e elevação do rendimento, essas famílias ainda configuram a classe trabalhadora. Uma característica dessas classes populares em emergência é a despolitização e identificação com o capital, por meio de pensamento conservador, na medida em que se afastam de sindicalismo, associações de base, de comunidades e partidos políticos e idealizam o aumento do poder de consumo (POCHMANN, 2012). Esse bloco chamado de nova classe trabalhadora corresponde aos trabalhadores que estavam na informalidade ou desempregados e passaram a ter emprego com carteira assinada, com renda de até 2 salários mínimos, havendo assim um reforço na base da pirâmide social.

Pochmann explica que a ampliação do consumo de massa foi proporcionada também pelo deslocamento geográfico da produção de manufaturas das grandes corporações transnacionais. A Ásia foi o terreno propício encontrado para a instalação das indústrias manufatureiras, onde a mão de obra é excedente e, portanto, baixo custo de produção. Como consequência, a população de baixa renda teve acesso ao consumo de bens duráveis, que, somado ao aumento no seu rendimento, proporcionado por programas econômicos e sociais como Minha Casa Minha Vida, crédito consignado, aumento do salário mínimo, redução de juros e ampliação dos postos de trabalho, melhoraram o seu poder de consumo. (POCHMANN, 2014). Além disso, outros dois fatores apontados por Pochmann teriam contribuído para o aumento da renda

73 familiar per capita, o avanço das mulheres no mercado de trabalho, que passou de 35,4% em 2000, para 43,9%, em 2010, e a redução do número de filho por famílias.

Em resumo, os governos Lula e Dilma conseguiram combinar crescimento econômico, ampliação da renda por habitantes de diferentes classes, diminuição da desigualdade e aumento da distribuição de renda, fazendo com que uma nova classe trabalhadora emergisse e tivesse acesso a programas do governo, melhorando seu poder de compra e qualidade de vida. Contudo, seu poder de consumo e qualidade de vida ainda está muito aquém da velha classe média.