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2.2 PCP: DA ORIGEM À ERA COMPUTACIONAL

2.2.1 A Técnica MRP para Auxiliar as Atividades de PCP

No quadro de evolução da informática, os anos 70 marcaram o aparecimento dos microcomputadores com maior poder de processamento e armazenamento de dados, características primordiais para os primeiros sistemas informatizados de PCP.

Os sistemas de informações desenvolvidos nesse período tinham um poder de processamento suficiente para suportar aplicações grandes e complexas e eram bastante confiáveis. As aplicações começaram a não ficar restritas à contabilidade. Sistemas de apoio à produção ajudavam os gerentes de chão de fábrica a monitorarem a produção. [...]. As áreas de finanças, gestão de recursos humanos e marketing, por sua vez, receberam a atenção dos programadores (DAVENPORT; MARCHAND; DICKSON, 2004, p. 42).

Embora a informática em rede não fosse uma realidade da década de 1970, para Davenport; Marchand; Dickson (2004), os benefícios de se utilizar os

computadores eram maiores que os custos associados e o abandono dessa ferramenta seria um retrocesso. Logo, não tardou a utilização dos computadores também no PCP.

A justificativa pela informatização do PCP passava pela necessidade de lidar com inúmeras quantidades de peças da lista de materiais, por problemas de volumes de estoques de componentes sobressalentes e a falta endêmica de outros, ora pelo desbalanceamento da capacidade, ora pela deficiência no fornecimento, e com mais freqüência, também pela falta de controle de estoque. A função de pedir (produzir/comprar) baseado nas reais necessidades das empresas de manufatura aflorou devido à moderada concorrência que já se fazia presente na época e da maior diversidade de produtos que as indústrias passaram a oferecer. Dessa forma, evidenciou-se a impossibilidade das indústrias de manter em estoque um pouco de tudo e geri-lo de forma manual. Nesse sentido, com maior intermitência da produção, surge a necessidade de controlar o fluxo de materiais, operadores de chão de fábrica, ferramentas e outros recursos para manter a produção.

De sorte que, uma das primeiras ferramentas para se resolver os problemas provocados pela intermitência da produção foi o MRP, com verificação das necessidades de materiais e a programação das ordens de produção (quanto e quando produzir) para cada centro de trabalho com base no plano mestre de produção. De acordo com a APICS, o MRP é um conjunto de técnicas que usa os dados da lista de materiais, dados de estoque e do MPS para calcular os requisitos de materiais necessários, para recomendar liberações de ordens de reposição de materiais dentro de um lead time específico para cada material, determinando um cronograma de produção para o chão de fábrica e para o setor de compras (BLACKSTONE; COX, 2005). A definição da APICS é ilustrada na figura 2.1.

Figura 2.1 – Planejamento de Requisitos de Materiais. Fonte: do autor (2007).

De acordo como Kumar e Meade (2002), esse sistema era normalmente referenciado como ‘little MRP’ em que a capacidade produtiva era considerada infinita para efeito de cálculos.

O PCP passou a contar com uma ferramenta computacional poderosa e eficiente, sendo executado em grandes computadores centrais conhecidos como mainframes, desdobrando as necessidades do plano mestre em necessidades de peças e componentes. Em essência, “a abordagem do MRP visa, dentro do quadro de incertezas e de encadeamento de eventos que interferem na fabricação, oferecer um procedimento de sincronização de ações” (ZILBOVICIUS, 1999, p. 186). Assim, executar o software MRP era fazer referência à criação de um plano de produção para um mês ou um período maior por meio do envio de ordens de produção para os centros de trabalho e ordens de compra para os fornecedores de acordo com as necessidades, conforme já apontado, procurando sincronizar as ações. Os lead times eram pré-definidos e constantes, e o estoques de segurança estabelecidos como forma de evitar a falta de materiais necessários para a produção (BENTO; SHIN, 1998; TOOMEY, 1999; YÜCESAN; GROOTE, 2000; KRISHNAMURTHY; SURI; VERON, 2004). De forma geral, pode-se desde já presumir a influência

Pedidos Previsão de Vendas Ordens de Reposição Ordens de reprogramação Programa Mestre de Produção Liberação de ordens de produção e compra MRP Registro de estoque Lista de materiais

desses e outros fatores no desempenho do MRP e por conseqüência, na produção a partir de então (ENNS, 2002).

Para os sistemas MRP4, a execução do plano no chão de fábrica era de responsabilidade do programador ou controlador de cada departamento de forma a atender todos os pedidos enviados na data requisitada. Contudo, as tarefas de coordenar todo o fluxo de materiais e a liberação de ordens para o chão de fábrica ficavam a cargo do sistema centralizado. Era um modelo de hierarquia na qual autoridade e informação fluíam diretamente de cima para baixo, na mais legítima organização taylorista. Ou seja, com departamento de planejamento para administrar a empresa, retirava-se o poder de decisão do chão de fábrica, servindo à gerência de relatórios e números de produção.

The work of every workman is fully planned out by the management at least one day in advance, and each man receives in most cases complete written instructions [...]. This task specifies not only what is to be done but how is to be done and the exact time allowed for doing it (TAYLOR, 1967 apud BEST,

1990, p. 57).

Por volta do início da década de 1970, a sigla MRP já estava popularizada. Nasceram as cruzadas do MRP5 (PLOSSL, 1985; PTAK, 2000; MABERT, 2007). As atividades de PCP passaram a ser apoiadas por um sistema computacional, planejando a produção baseada na demanda dos consumidores, na quantidade disponível em estoque e nos materiais a receber. A quantidade de estoque ficou disponível para todos por meio de uma tela de computador. Em outras palavras, a técnica MRP representou um marco de evolução na história para o PCP, contribuindo para um melhor controle de estoque se comparada com as técnicas anteriores.

Não bastasse a técnica MRP ser mais apropriada para lidar com variações e incertezas da demanda se comparada com técnicas anteriores, os sistemas MRP também se tornaram ferramentas indispensáveis para as indústrias com produtos

4 Para Plossl (1994), o MRP não é um sistema, mas sim uma técnica que pode ajudar as indústrias nas atividades de controle da produção. Assim, nessa pesquisa, ‘sistema MRP’ é utilizado como referência às ferramentas computacionais que utilizam a lógica do MRP, ou seja, são os softwares de MRP.

5 As cruzadas do MRP representaram um conjunto de debates ocorridos durante a 14th conferência da APICS em Outubro de 1971. Joseph Orlicky, considerado o pai do MRP, apresentou um paper na conferência intitulado ‘MRP – A hope for the future or a present reality – a case study, referenciando o MRP como a ‘Cinderela’ do planejamento e controle de estoques (MABERT, 2007).

padronizados e complexos, com vários níveis na composição da lista de materiais e com longos lead times de manufatura (PLENERT, 1999). A técnica MRP concebia as indústrias como organizações em que os processos fossem totalmente controlados por computador, e adequou-se mais aos sistemas de produção em lotes, ajustando a proteção da produção com estoques de forma mais eficiente (KRAJEWSKI; RITZMAN, 1996).

Normalmente, a produção em lotes era realizada, preferencialmente, em empresas organizadas em leiautes funcionais. Para esses casos e de acordo com a realidade da época, os sistemas MRP se adequaram à forma de produção adotada, enviando ordens de fabricação e rastreando-as para controlar a movimentação de materiais por todo o chão de fábrica. Para manter eficiência no trabalho, segundo Plenert (1999) era necessária uma grande quantidade de material disponível para se trabalhar, surgindo as grandes quantidades de estoques armazenadas na frente das estações de trabalho. Era a fórmula que os programadores encontravam para evitar a interrupção de trabalho por falta de materiais. Além disso, era economicamente mais viável produzir grandes lotes antes das próximas trocas e paradas de máquinas, conforme já apontado.

Um estudo compreensivo feito por Schroeder et al. (1981) mostrou os benefícios alcançados por mais de seiscentas empresas que instalaram o sistema MRP, entre eles o aumento do giro de estoque de 3.2 para 4.3, a redução do lead time de entrega de 71 para 59 dias, aumento de 16% das entregas no tempo prometido e redução de 13% do percentual de ordens requerendo split devido à falta de material. Consta ainda no estudo realizado pelos autores que entre os maiores benefícios colocados pelas empresas, em ordem de resultados mais expressivos, estavam a melhoria do controle de estoque e melhoria na programação da produção. Mais tarde, Braglia e Petroni (1999) e mais recentemente Petroni (2002) mostraram que esses benefícios ainda são alcançados por meio da aplicação da técnica MRP pelas indústrias.

É notório que os sistemas MRP trouxeram avanços significativos para as empresas de manufatura por meio de um processamento de informações muito mais ágil. Mas esses sistemas também trouxeram novos desafios como a tentativa de romper com os tradicionais sistemas informais e manuais. Contudo, essa transição nem sempre foi rápida e pacífica. No início, para muitas empresas, a convivência

entre o formal e o informal gerou muitas confusões de maneira que as próprias pessoas não conheciam como gerenciar os estoques por meio dos computadores. As empresas de manufatura, de certa forma, não estavam acostumadas com esses novos sistemas formais e se precaviam das possíveis falhas e deficiências dessas ferramentas por meio de seus sistemas informais, tão comum na época e que ultrapassou fronteiras no tempo.

A expedição de ordens para a produção e para o departamento de compras continuou exatamente como antes. [...]. A teoria de gerenciamento de estoques estava fortemente concentrada em QUANDO pedir. A prática do controle da produção focava na tentativa de se obter o material para cobrir a reais NECESSIDADES (WIGHT, 1974, p. 28).

Esse fato colocado por Wight revela uma postura por parte de muitas empresas de manufatura que, ao invés de utilizar sistemas formais voltados para ‘quando pedir’, utilizavam sistemas informais concentrados nas suas necessidades. Disso resultava um sistema pobre em que, conforme Wight (1974, p. 28), “it expedited, but it never unexpedited”, com prioridades de produção desatualizadas no chão de fábrica e com muitas ordens de produção e compras atrasadas.