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1. INTRODUÇÃO

1.1 PROBLEMÁTICA E CONCEITOS CENTRAIS

1.1.3. A teoria das transições

O conceito de transição é central na enfermagem (Meleis et al., 2000; Meleis, 2007, 2010). Os enfermeiros ocupam-se dos indivíduos quando estes experienciam, antecipam ou completam as transições. Neste contexto, a transição é definida como (Meleis, 2010):

“A passagem de uma fase de vida, condição ou estado para outro, é um conceito multidimensional que engloba os elementos do processo, o intervalo de tempo e as perceções. O processo sugere fases e sequência, o intervalo de tempo indica um fenômeno em curso mas limitado e a perceção tem a ver com o significado da transição para a pessoa que a experimenta" (pp. 25-26).

Meleis e seus colaboradores desenvolveram uma teoria de médio alcance sobre as experiências de transições que engloba um conjunto de dimensões (Meleis et al., 2000; Meleis, 2007, 2010) (Figura 1.1):

 Tipos e padrões de transições,

 Propriedades das experiências de transições,  Condições da transição facilitadoras e inibidoras,  Indicadores de processo,

 Indicadores de resultado,  Terapêuticas de enfermagem.

Os tipos de transição com que os enfermeiros lidam na interação com os clientes podem ser de desenvolvimento, quando associadas às fases do ciclo de vida. O fenómeno da transição da pessoa

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associado à dependência no autocuidado está, em grande medida, associado à velhice. As transições podem, também, ser de saúde-doença (com enfoque na doença crónica), às quais, o fenómeno da dependência no autocuidado, também, está muito associado. Podem, ainda, ser situacionais. Damos como exemplo, sendo um aspeto central deste estudo, a transição para o exercício do papel de prestador de cuidados. Este ocorre em resposta à transição vivida pelo familiar dependente e envolve mudanças nos papéis, padrões de comportamentos estabelecidos, nas expetativas e na aquisição de novos conhecimentos e habilidades, por parte dos familiares cuidadores. Por último, as transições podem ser organizacionais e damos como exemplo, a mudança nas lideranças das equipas de trabalho.

Todavia, as transições têm padrões de multiplicidade e complexidade, uma vez que há situações em que os indivíduos experienciam mais do que uma transição (ex. a transição da pessoa associada à dependência no autocuidado por motivo de doença e, em simultâneo, a transição associada à reforma), o que mostra que não são mutuamente exclusivas. Apesar das transições serem um fenómeno complexo e multidimensional, podemos definir um conjunto de propriedades comuns. Estas propriedades englobam a consciencialização que está relacionado com a perceção, o conhecimento e o reconhecimento da experiência da transição. A aquisição do papel de prestador de cuidados é um processo de consciencialização e uma experiência individual.

O compromisso, refere-se ao grau de envolvimento demonstrado pela pessoa no processo inerente à transição. Por exemplo, o grau de vinculação dos familiares cuidadores ao papel de tomar conta do dependente é decisivo para a qualidade da transição. Outra dimensão das propriedades da transição é a mudanças e diferenças. Isto é, todas as transições envolvem mudança, mas nem todas as mudanças estão relacionadas com a transição. O intervalo de tempo, também como dimensão central. Assim, as

NATUREZA DAS TRANSIÇÕES Tipos Desenvolvimental Situacional Saúde/Doença Organizacional Padrões Simples Múltiplos Sequenciais Simultâneos Relacionados N/relacionados Propriedades Consciencialização Envolvimento Mudança e diferença Períodos de transição Pontos críticos e eventos CONDIÇÕES DA TRANSIÇÃO: FACILITADORAS /INIBIDORAS Pessoais Significados

Crenças culturais e atitudes

Status socioeconómico Preparação econhecimento Comunidade Sociedade PADRÕES DE RESPOSTA Indicadores de Processo Sentir-se ligado Interagir

Localizar-se e estar situado Desenvolver confiança e adapatar-se (coping)

Indicadores de resultado

Mestria

Integração fluída nova identidade

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transições são caracterizadas por fluxo e movimento ao longo do tempo. O dispositivo metodológico do presente estudo, perspetiva uma caraterização mais adequada do fenómeno da transição da pessoa associada à dependência no autocuidado e associada ao exercício do papel de prestador de cuidados, em diferentes fases, uma vez que, serão feitas avaliações em sucessivos momentos no espaço temporal. Portanto, numa perspetiva longitudinal. Por último, os pontos críticos e eventos. As transições podem ser despoletadas por um evento marcante que, frequentemente, promove a consciencialização da transição – nascimento, morte, diagnóstico da doença, período imediato ao regresso a casa do familiar dependente.

As transições são, ainda, determinadas por um conjunto de fatores pessoais e ambientais facilitadores ou inibidores dessas mesmas transições. Meleis et al. (2000) identificam vários fatores, como as condições pessoais, da comunidade e da sociedade. Relativamente aos fatores pessoais, referem-se ao significado atribuído ao evento, podendo precipitar a transição e, deste modo, ser um fator facilitador ou inibidor da transição.

As crenças culturais e a atitude. Por exemplo, no presente estudo, as crenças e atitude dos familiares cuidadores podem ser um condicionalismo pessoal das próprias transições e monitorizadas pela perceção de autoeficácia para tomar conta do dependente. O Status socioeconómico. Centrado no fenómeno do nosso estudo, a capacidade económica das famílias para aceder aos recursos necessários para assegurar os cuidados aos dependentes, será um aspeto determinante das transições. A preparação e o conhecimento adequado que permite antecipar e preparar a experiência da transição, sendo um fator facilitador da própria transição vivenciada pelos indivíduos. Quanto aos fatores associados à comunidade e sociedade, as autoras referem os recursos disponíveis, como o apoio e aconselhamento dos pares, amigos, vizinhos, profissionais de saúde, produtos de apoio, económicos, equipamentos sociais ou instituições de saúde.

Uma vez que as transições manifestam-se ao logo do tempo, podem ser identificados padrões de resposta (indicadores) que nos apontam a direção das transições (ou no sentido da transição saudável ou no sentido de maior vulnerabilidade). Estes padrões de resposta são indicadores de processo e de resultado. Quanto aos indicadores de processo, temos como dimensão, sentir-se conectado perante a experiência de transição. É importante sentir e contar com novos apoios e continuar com os apoios de que já dispunha antes da vivência da transição (por parte dos familiares, dos amigos, da rede social e de saúde). Outro indicador é interagir. Através da interação com os profissionais de saúde, familiares ou amigos, o significado da transição e os comportamentos necessários são integrados, clarificados e reconhecidos. Localizar-se e estar bem situado, onde damos como exemplo, as comparações estabelecidas por parte dos familiares cuidadores, entre a vida, as relações, as experiências, as práticas quotidianas, as atitudes, as expetativas, antes e durante a experiência do exercício do papel.

Desenvolver confiança e mecanismos de coping configura-se, também, como um indicador de processo. Na experiencia do processo de transição, existe um padrão que indica que os indivíduos envolvidos, experienciam um aumento nos níveis de confiança. Desenvolver a confiança manifesta-se no grau de compreensão relativamente ao diagnóstico, tratamento, convalescença, limitações, recursos a utilizar e desenvolvimento de estratégias para gerir o problema. No presente estudo, a caraterização da evolução

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da perceção de autoeficácia dos familiares cuidadores ao longo dos três meses após a alta hospitalar do dependente, será um indicador (de processo) que nos ajudará a avaliar a qualidade da transição.

Por fim, na teoria sobre as experiências de transição, emergem dois indicadores de resultado. Estes refletem o grau de aproximação (ou distanciamento) da experiência de transição com a qualidade de vida percecionada pelos indivíduos. A mestria, concetualizada como a necessidade de desenvolver novas habilidades e comportamentos para gerir o processo de transição. Podemos tomar como exemplo, os “processos de cuidar” de Schumacher et al. (2000), onde os familiares cuidadores têm necessidade de desenvolver competências na monitorização e interpretação de sinais e sintomas de agravamento do dependente, tomar decisões, providenciar ações, fazer ajustamentos, acesso aos recursos, capacidades instrumentais, trabalhar em colaboração com os profissionais de saúde, negociar com o sistema de saúde. A Integração fluida da (nova) identidade é, também, um indicador de resultado. A experiência da transição resulta na reformulação da identidade que leva a uma melhor adaptação. A integração por parte dos dependentes e dos familiares cuidadores de novos comportamentos, novas experiências, novos contextos culturais, económicos, sociais e políticos, novas competências, transformam a sua identidade, promovendo melhores condições para que a experiência de transição seja saudável.

A avaliação do momento em que a transição está completa é, forçosamente, variável e depende do tipo de mudança ou do evento que dá inicio à transição, bem como, da natureza e os padrões da transição. A determinação do início e do termo da transição frequentemente está relacionada com outros eventos vividos pelos indivíduos, bem como, pela natureza da própria transição. Cada experiência de transição, por ser única, é caraterizada pela sua singularidade, complexidade e multidimensionalidade, o que deve implicar esforços dos investigadores no sentido de desenvolver mais conhecimento com outro tipo de populações, com outros tipos e padrões de transições e a necessidade de descobrir o nível e a natureza dos diferentes estadios percorridos durante o processo de transição.

Finalmente, as terapêuticas de enfermagem. Estas refletem a variedade e complexidade das experiências de transição, o que torna necessário identificá-las, clarificá-las, desenvolvê-las, testá-las e avaliá-las (Meleis, 2010). Para Meleis as terapêuticas de enfermagem vão para além das intervenções de enfermagem, uma vez que referem-se à intencionalidade colocada nas ações de enfermagem. A experiência da transição, como dimensão central na condição humana, deve ter implicações na prática de enfermagem, uma vez que, fornece aos enfermeiros, uma estrutura para descrever as necessidades das pessoas ao longo deste processo de transição. São exemplos de vivências destas transições por parte das famílias e relacionado com o nosso estudo, o evento gerador do internamento hospitalar do dependente, o período imediato ao seu regresso a casa, bem como, o período da sua permanência no domicílio.