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1. INTRODUÇÃO

1.1 PROBLEMÁTICA E CONCEITOS CENTRAIS

1.1.2. A transição da pessoa associada à dependência no autocuidado

Temos vindo a referir que o autocuidado é um domínio central para a enfermagem. Em particular, o fenómeno da transição após um evento gerador de dependência no autocuidado, uma das principais dimensões do presente estudo. Pode ser resultado do processo (natural) de envelhecimento ou estar associado a eventos críticos agudos (doença), que desafiam os indivíduos a experimentar transições, para as quais, os cuidados de enfermagem podem dar um contributo importante. Partimos então do pressuposto, que a “transição da pessoa associada à dependência no autocuidado” tem implicações nas actividades da vida diárias, alterando, drasticamente, as rotinas e os hábitos de vida dos indivíduos. Implica, por isso, o desenvolvimento de processos adaptativos a uma nova condição de saúde, para os quais, as pessoas necessitam de ajuda para desenvolverem a capacidade de lidarem com os novos desafios, onde os enfermeiros se afiguram como um recurso de saúde indispensável.

A dependência pode ser definida como “estado com as características específicas: Estar dependente de alguém ou de alguma coisa para ajuda e apoio” ICN, 2005, p. 107). No Decreto-Lei nº101/2006, de 6 de Junho (criação da RNCCI), a dependência é definida como:

“A situação em que se encontra a pessoa que, por falta ou perda de autonomia física, psíquica ou intelectual, resultante ou agravada por doença crónica, demência orgânica, sequelas pós-traumáticas, deficiência, doença

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severa e ou incurável em fase avançada, ausência ou escassez de apoio familiar ou de outra natureza, não consegue, por si só, realizar as atividades da vida diária” (p. 3857).

Como já refletimos anteriormente, a dependência no autocuidado é avaliada pela relação que existe entre as capacidades de ação do indivíduo e as suas necessidades de cuidado. Perante esta avaliação, o enfermeiro adequa a sua intervenção, uma vez que, esta ocorre quando as necessidades terapêuticas do dependente são superiores à sua capacidade de realizar o autocuidado (Orem, 2001). É nesta altura que os enfermeiros, através da sua ação profissional, intervêm, no sentido de minimizar os efeitos desse défice (dependência). Portanto, perante o défice no autocuidado, torna-se fundamental a capacidade dos enfermeiros em avaliar o potencial de desenvolvimento dos indivíduos, com recurso a instrumentos adequados, sendo esta avaliação, orientadora do processo terapêutico, com vista aos melhores resultados em saúde na transição da pessoa associada à dependência. A intervenção do enfermeiro na satisfação das necessidades de autocuidado do indivíduo é, deste modo, realizada de forma terapêutica, como resultado da incapacidade do indivíduo em determinar ou executar as necessidades de autocuidado (McEwen & Wills, 2009).

Quando partimos para a realização deste estudo, efetuámos uma revisão da literatura sobre o fenómeno do autocuidado (Petronilho, 2012)8. O trabalho realizado teve como finalidade, explorar o conhecimento disponível sobre o fenómeno da transição da pessoa associada à dependência no autocuidado, objeto central do nosso estudo. Todavia, chegámos à conclusão que, a maioria dos estudos encontrados, tinham como foco central de pesquisa, o autocuidado na perspetiva da gestão da doença (self- management). Assim, apresentamos o conjunto de resultados que encontrámos focalizados, especificamente, no objeto do presente estudo:

- Hoy et al. (2007) realizaram um estudo de revisão da literatura sobre o autocuidado e a promoção da saúde nos idosos. A amostra englobou cinquenta e sete (57) estudos publicados entre 1990 e 2006. Os participantes eram idosos (idade igual ou superior a 65 anos). O autocuidado, como recurso de saúde dos idosos, emerge como um conceito multidimensional e com diferentes definições: porque é realizado, o que implica a sua realização e como é realizado. Dos artigos analisados emergiram duas áreas de acordo e inter-relacionadas na exploração do conceito de autocuidado como um recurso de saúde dos idosos: 1) Autocuidado como a capacidade para a manutenção da saúde, 2) Autocuidado como um processo para a manutenção e desenvolvimento de saúde;

- A atitude e o nível de experiência adquirida pelos indivíduos face à capacidade de dar prioridade às atividades a desempenhar, influenciam os comportamentos e a capacidade de autocuidado (Cameron, Worrall-Carter, Page & Stewart, 2010; Dickson, Buck & Riegel, 2011);

- A preparação da alta hospitalar por parte da equipa multidisciplinar, como um método de planeamento de assistência bem estruturada, personalizada, com continuidade e sistematizada, pode levar a maior satisfação dos doentes com o suporte percecionado e, deste modo, a maior adesão a comportamentos adequados e a maior capacidade para realizarem o autocuidado, com um contributo significativo para a diminuição das taxas de readmissão hospitalar (Cebeci & Celik, 2008; Chapple & rogers, 1999; Jaarsma, Abu-saad, Dracup & Halfens, 2000; Minet, Møller, Vach, Wagner & Henriksen, 2010; Negarandeh,

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Nayeri, Shirani & Janani, 2011; O’Hara, Cadbury, Souza & Ide, 2002; Yu et al., 2010; Spichiger, Rieder, Fröhlich & Kesselring, 2011; Zrínyi & Zékányné, 2007);

- Os idosos com maior capacidade para o autocuidado são aqueles que têm maior capacidade funcional, melhores estilos de vida, melhor aceitação do futuro e do envelhecimento e assim permanecem mais ativos, melhores relações familiares, maior satisfação com a vida, mais responsáveis pela sua saúde e gestão do regime medicamentoso (Zeleznik, Zeleznik & Stricevic, 2010);

- A melhoria da autoestima, o desejo de regressar a casa, o suporte adequado da equipa de enfermagem e dos familiares, são fatores que facilitam a recuperação de habilidades no autocuidado (Chang, 2009; Conn, Taylor & Hayes, 1992; Blair, 1999; Driver, Rees, O’Connor & Lox, 2006);

- A ação profissional dos enfermeiros por forma a facilitar a transição de cuidados agudos para os cuidados de reabilitação dos doentes com vista a recuperarem o autocuidado engloba 3 fases: 1) facilitar o envolvimento dos doentes no processo de reabilitação, 2) potenciar o esforço do doente, 3) proporcionar assistência gradual. O objetivo é melhorar a sua independência no autocuidado (Pryor, 2009);

- A taxa de institucionalização dos idosos dependentes no autocuidado é significativamente mais elevada quando as relações com os familiares cuidadores (FC) são mais pobres. As relações familiares estão muito associadas à tensão psicológica e podem ser determinantes para a decisão de institucionalizar o familiar dependente em lares (Kodama et al., 2009);

- O suporte percecionado através dos profissionais de saúde, a procura de informação relevante na internet acerca das necessidades específicas, a partilha de experiências com os pares, a socialização com amigos e familiares, são estratégias fundamentais dos indivíduos para a manutenção do sentido de normalidade nas suas vidas diárias, a preservação da identidade e com impacte positivo na capacidade de manter e realizar o autocuidado (Kidd, Kearney, O’Carroll & Hubbard, 2008);

- O acesso a programas de intervenção de saúde individualizados promove mais competências no autocuidado (mestria), maior perceção de autoeficácia e uma melhoria na condição de saúde (Huang, Li & Wang, 2008);

- Maior apoio social (particularmente pessoas significativas) está associado a menor confiança no desempenho do autocuidado. Este facto pode ser explicado pelo facto dos familiares poderem ter uma atitude de excessiva proteção e não promoverem a sua responsabilidade e autonomia no autocuidado (Sayers et al., 2008);

- Vários fatores multidimensionais estão associados à baixa satisfação com a vida dos idosos com capacidade de autocuidado reduzida. Estes fatores estão relacionados com a atividade física e as AVD, sociais, saúde mental e económicos. A baixa satisfação com a vida dos idosos com reduzida capacidade no autocuidado está associada, no global, a uma fraca condição de saúde, recursos financeiros insuficientes em relação às necessidades do dia-a-dia, a uma diminuição da capacidade de realizar as AVD, à solidão e a um sentimento de preocupação (Borg, Hallberg & Blomqvist, 2006);

- O uso sistemático do instrumento de avaliação da condição de saúde do idoso aumentou a sua capacidade no autocuidado, maior satisfação, facilitou o processo de comunicação entre os diferentes elementos da equipa multidisciplinar e com impacte positivo no número de dias de internamento

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hospitalar. O conhecimento mais global e mais holístico da condição de saúde do doente com a aplicação da escala ajudaram ao planeamento das intervenções de forma mais personalizadas e assim o trabalho dos profissionais passou a ser mais centrado no idoso e menos na tarefa a desempenhar. O papel do enfermeiro ao tornar-se mais eficaz com esta nova metodologia teve implicações positivas na comunicação e no papel desenvolvido por toda a equipa multidisciplinar. Foi também identificada uma melhor compreensão por parte dos idosos do trabalho dos profissionais e daquilo que era esperado por estes no seu envolvimento nos cuidados por forma a tornarem-se mais autónomos. Os idosos expressaram também uma maior satisfação com os cuidados de reabilitação prestados no domicílio com impacte na sua capacidade de gerir melhor o autocuidado no dia-a-dia (Lorensen & Eriksen, 2003); - Há uma associação positiva, estatisticamente significativa, entre o suporte social e a capacidade de autocuidado (Chapple & rogers, 1999; Conn et al., 1992; Maèkinen, Suominen & Lauri, 2000; Silverman, Musa, Kirsch & Siminoff, 1999; Toljamo & Hentinen, 2001; Whittle & Goldenberg, 1996; Williams & Bond, 2002);

- Há uma associação significativa entre o estilo de autocuidado dos idosos e o nível de autoestima, nível de satisfação com a vida, nível de perceção de saúde e de capacidade funcional (Conn et al., 1992; Nicholas, 1993; Whittle & Goldenberg, 1996; Backman & Hentinen, 2001);

Após termos dado a conhecer uma síntese dos principais resultados da revisão da literatura que efetuámos sobre o fenómeno do autocuidado e de maior interesse para o objeto de estudo da presente investigação, passamos a focalizar-nos noutro conceito, igualmente, importante – As transições.