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3.1  A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

3.1.4  A teoria do núcleo central das representações sociais

Uma representação social pode ser vista como uma preparação para a ação, pois permite guiar o comportamento, remodelar e reconstituir elementos do meio ambiente em que este comportamento tem lugar. Isto inclui dar um sentido a este comportamento, integrando-o “[...] numa rede de relações em que está vinculado seu objeto, fornecendo ao mesmo tempo as noções, as teorias e observações que tornam estas relações estáveis e eficazes” (MOSCOVICI, 1978, p.49). Equivale a realizar uma aproximação entre o comportamento conhecido e o desconhecido, mudar seu universo sem que este deixe de ser o seu universo, com isso se dá a necessidade de articular saberes. (MOSCOVICI, 1978).

Moscovici (1978) afirma que seus princípios de organização podem também ser submetidos a uma análise estrutural. Para ele o campo da representação leva a pensar que existe uma unidade hierarquizada de elementos representacionais.

Segundo Moscovici (1978) ocorre uma reprodução, que remodela os elementos, remaneja as estruturas, reconstituindo um dado objeto no contexto de valores, das noções e das regras do indivíduo.

A principal contribuição teórica a respeito da organização hierárquica foi dada por Abric com a proposição da Teoria do Núcleo Central, construída a partir do modelo figurativo de Moscovici. Essa teoria surgiu em 1976, através da tese de doutorado de Jean Claude Abric, defendida na “Université de Provence”, dentro de um quadro experimental e com uma abordagem mais estrutural do que processual.

Essa proposta trouxe contribuições importantes a respeito da organização interna das representações.

Segundo Abric (2001), a ideia principal da Teoria do Núcleo Central é:

Toda a representação se organiza em torno do núcleo central [...] que determina ao mesmo tempo sua significação e organização [...] o núcleo central é um subconjunto da representação, composto de um ou mais elementos, cuja ausência desestruturaria ou daria um significado radicalmente diferente à representação em seu conjunto. (ABRIC, 2001, p.163).

A abordagem estrutural desenvolvida por Abric está relacionada ao processo de objetivação das representações sociais e ocupa-se mais especificamente do conteúdo cognitivo das representações, concebendo-as como um conjunto organizado estruturado (SÁ, 1998). Essa teoria se articula à hipótese de que toda representação se organiza em torno de um núcleo central, formado por elementos em quantidade limitada (ABRIC, 2003). Para o autor, “[...] uma representação constitui um sistema sócio cognitivo particular, composto de dois subsistemas: o sistema central e o sistema periférico”. (ABRIC, 2003, p.54).

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Segundo Abric (1998, p.33),

[...] um sistema central cuja determinação ligada às condições históricas, sociais e ideológicas, diretamente associada aos valores e normas definindo os principais fundamentos em torno dos quais se constitui as representações.

É a base comum propriamente social e coletiva que define a homoge-neidade de um grupo, através dos comportamentos individualizados que podem parecer contraditórios.

Para este autor, o núcleo central é essencialmente social, ligado às condições históricas, sociológicas, ideológicas, sendo este sistema geralmente associado a valores e normas, definindo os princípios fundamentais nos quais se definem as representações. E, ainda, possui um papel relevante na estabilidade e coerência da representação, assegurando sua perenidade (ABRIC, 1998). Assim, partilhar valores associados à doença renal seria compartilhar representações sociais.

Igualmente, enquanto estrutura organizada, a representação social possui funções que são essenciais: a função geradora; a função organizadora e a função estabilizadora (FLAMENT, 2001; ABRIC, 2003). Abric (2003, p.38) apresenta as seguintes definições: “função geradora consiste no significado da representação;

função organizadora trata da organização interna e função estabilizadora confere a estabilidade”.

Ao redor do núcleo central de uma representação, organizam-se os elementos periféricos. O sistema periférico “é bem menos limitante, mais leve e flexível, [...] se o núcleo central de algum modo constitui a cabeça ou o cérebro da representação, o sistema periférico constitui o corpo ou a carne” (ABRIC, 2003, p.38). Para este autor, o sistema central de uma representação é essencialmente normativo e seu sistema periférico é funcional e constitui o essencial do conteúdo das representações, “[...] seus componentes são mais acessíveis, mais vivos e mais concretos”. (ABRIC, 2003, p.38).

Flament define os esquemas periféricos de uma representação da seguinte forma:

Os esquemas periféricos asseguram o funcionamento quase instantâneo da representação como grade de decodificação de uma situação: indicam, às vezes, de modo muito específico, o que é normal (e, por contraste, o que não é); e, portanto, o que é preciso fazer, compreender ou memorizar.

Esses esquemas normais permitem a representação funcionar economicamente, sem que seja necessário, a cada instante, analisar a situação em relação ao princípio organizador, que é o núcleo central.

(FLAMENT, 2001, p.177).

Os elementos periféricos encontram-se em torno do núcleo central, apresentam as funções de concretização, regulação e defesa ou proteção do núcleo

central (FLAMENT, 2001; SÁ, 2000; ABRIC, 2003). A função de concretização posiciona-se na interface entre o núcleo central e a situação concreta, surge como resultado da ancoragem das representações e confere uma formulação compreensível e transmissível. (SÁ, 2000; ABRIC, 2003).

A função reguladora, menos rígida que os elementos centrais por constituir um aspecto móvel e evolutivo da representação, tem um papel essencial de adaptação da representação às evoluções do contexto; informações novas ou as transformações do meio ambiente podem ser integradas na periferia da representação. (SÁ, 2000;

ABRIC, 2003).

A função de defesa ou proteção do núcleo central tem como finalidade promover as transformações dos elementos periféricos da representação, assim a alteração só ocorre à medida que acontecem mudanças nos elementos do sistema periférico e aparecem contradições, prescrição de comportamentos e personalização.

(SÁ, 2000; ABRIC, 2003).

E, finalmente, em relação aos aspectos normativos e funcionais das representações segundo Abric (1998), o núcleo central é determinado pela natureza do objeto representado e pela relação que o sujeito mantém com esse objeto. Para este autor, “os elementos natureza normativa caracteriza todas as situações onde intervêm diretamente dimensões sócio afetivas ou ideológicas” (ABRIC, 1998, p.33).

Já “os elementos funcionais associam-se às características e à inscrição do objeto nas práticas sociais, determinam condutas, são pragmáticos por atribuírem práticas específicas”. (ABRIC, 1998, p.33).

Menin (2007) ressalta três possíveis funções normativas do núcleo central:

as localizadas em elementos referentes à avaliação e julgamentos dos objetos de representação, as relativas a guardar o consenso na representação de uma população e as relativas à justificação de condutas em relação à representação.

Para Menin (2007), a relação existente entre o sujeito e o objeto da representação possui papel determinante na predominância das dimensões do núcleo central: a funcional ligada às ações a se realizarem sobre o objeto; ou a normativa definida como expressão dos julgamentos, estereótipos, opiniões sobre os objetos.

Ainda, segundo Campos e Rouquette (2003, p.436), “abordagem estrutural não concebe as representações como um conjunto de eventos ou processos cognitivos, tampouco se dedica a estabelecer primazia do aspecto cognitivo sobre o afetivo ou vice-versa”. Esses autores ressaltam que a representação social tal qual definida por Abric, estabelece-se como uma organização, uma estrutura que é atravessada por diferentes dimensões. (CAMPOS; ROUQUETTE, 2003). Desse modo, o objeto cuidado com a saúde e a doença da pessoa com DRC, a partir desta definição, conforme as diferentes situações, é ativado de modo mais normativo ou funcional.

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