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A teoria do horror

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Capítulo I – CONSTRUINDO UMA TEORIA DO HORROR

3. A teoria do horror

Antes de prosseguir no exame do horror ficcional é necessário fazer algumas ponderaçoes sobre o conceito do fantástico, no qual grande parte das obras do gênero horror se inserem. Para Todorov quando eventos não podem ser explicados pelas leis de nosso mundo existem duas opções para tentar entende-los.

Ou se tratam de uma ilusão dos sentidos, de um produto da imaginação e nesse caso as leis do mundo continuam a ser o que são; ou então o acontecimento realmente ocorreu, é parte integrante da realidade, mas nesse caso esta realidade é regida por leis desconhecidas para nós. Ou o diabo é uma ilusão, um ser imaginario; ou então existe realmente. (TODOROV, 1975, p. 30)

O fantástico propriamente dito surge da incerteza entre estas opções, ao escolher uma das duas soluções estará se incorrendo em uma das instâncias de sua materialização: o estranho e o maravilhoso. O fantástico estranho ocorre quando se confirma que o evento inusitado trata-se de um produto da imaginação. Já o fantástico maravilhoso acontece quando o fato é confirmado e entende-se que a realidade é regida por leis desconhecidas.

Um esquema classificatório semelhante se refere especificamente ao romance gótico do século XIX (CARROLL, 1999, p. 17). O gótico histórico narra uma história ambientada no passado imaginado, não sugerindo qualquer tipo de acontecimento sobrenatural. O gótico natural ou gótico explicado introduz fenômenos sobrenaturais que posteriormente terminam por serem racionalmente explicados (fantástico estranho),

enquanto que no gótico sobrenatural a existência e a ação cruel de forças não-naturais desafiam as leis de nossa realidade (fantástico maravilhoso). Uma quarta categoria é o gótico equívoco que torna ambígua a origem sobrenatural dos eventos narrados por meio de personagens tomadas pela loucura, equivalendo ao fantástico puro.

Todorov aponta outras definições para o conceito de fantástico, formuladas por teóricos do século XIX, porém todas acabam incorrendo nas instâncias do estranho e do maravilhoso.

Um ponto de vista teórico diferente é o que situa o fantástico no leitor. Lovecraft é citado por Todorov (1975, p. 40) como representante desta tendência que vimos no início deste capítulo quando abordamos o horror na literatura. Assim, para Lovecraft o elemento real para julgar o conto fantástico ocorre em função da intensidade emocional provocada no leitor, que deve incorrer num sentimento de temor diante de mundos e poderes desconhecidos. Todorov se opõe claramente a esta concepção.

É surpreendente, ainda hoje, esses juízos na pena de críticos sérios. Se tomarmos suas declarações literalmente, e que o sentimento de medo deva ser encontrado no leitor, seria preciso deduzir daí (e este é o pensamento de nossos autores?) que o gênero de uma obra depende do sangue-frio do leitor. Procurar o sentimento de medo nas personagens não permite delimitar melhor o gênero: em primeiro lugar, os contos de fada podem ser histórias de medo: como os contos de Perrault (contrariamente ao que deles diz Penzoldt); por outro lado, há narrativas fantásticas nas quais todo medo está ausente: pensemos em textos tão diferentes quanto “A Princesa Brambilla” de Hoffman e “Véra” de Villiers de I’sle-Adam. O medo está freqüentemente ligado ao fantástico, mas não como condição necessária. (TODOROV, 1975, p. 41)

Porém o medo é condição necessária para o horror no cinema. “O filme de horror é uma caixa fechada, com uma manivela de um lado, e, em última analise, tudo se reduz à tarefa de girar essa manivela até que o boneco lá dentro pule na nossa cara, segurando seu machado e arreganhando seu sorriso assassino” (KING, 2003, p. 129). A

comparação com a caixa de surpresa assustadora também é válida para o conto de terror, do qual descende o filme de horror. Assim, quando Lovecraft (1987, p. 05) fala sobre o verdadeiro conto fantástico, devemos entender, de acordo com a distinção estabelecida por Todorov, como se referindo diretamente ao fantástico maravilhoso e mais especificamente ao conto de terror.

Ao longo deste trabalho irá se alternar entre as denominações horror e terror para identificar o gênero aqui tratado. Conceituamos ambos os termos como sinônimos, e adotaremos tal procedimento visando tornar mais agradável a leitura desta pesquisa.

Tanto o horror está contido na literatura fantástica como o contrário também pode acontecer, mesmo tendo características distintas. Assim, a observação do elemento fantástico no cinema de horror passa a ser um recurso de análise a ser explorado neste estudo, procurando a diferenciação, quando ocorrer o elemento fantástico, entre o estranho e o maravilhoso.

A condição da existência de medo no plano emocional da audiência para a concretização do filme de terror se reforça na definição de Ramos (2002, p. 564) que afirma que o gênero “se caracteriza pela utilização de histórias e personagens que pretendem provocar o medo e o susto no espectador”. Estes personagens podem estar à margem das leis naturais (maravilhoso) como mortos-vivos, seres invisíveis ou monstros diabólicos, mas também podem ser realistas como doentes mentais ou mesmo seres humanos sádicos. Desta maneira fica estabelecida uma divisão inicial nas personagens deste gênero, elas podem caracterizar o horror fantástico ou o horror natural (o horror sem o elemento fantástico).

O medo é uma emoção primária do ser humano que alcança maior intensidade quando é provocado por algo desconhecido que representa uma ameaça. A função catártica do filme de horror sobre o espectador é muito elevada, devido a liberação de

uma das maiores porcentagens de agressividade que pode permitir a realização áudio- visual.

O espectador somente sente medo se sabe que deve senti-lo. Geralmente costuma se dar a preparação de uma série de elementos consistentes em definir um personagem geralmente atraente, cuja expressão mais caricata é a de uma jovem indefesa; se costuma criar a existência de um perigo (um monstro, um assassino), recriar o ambiente (a noite, a escuridão), somar a ameaça sonora (sons de origem desconhecida, música que manipula a emoção) mais a iluminação (muitas vezes de baixo, recortada) e a partir daí se pode disparar o susto. (RAMOS, 2002, p. 564)

Alguns dos elementos dramáticos mais habituais para a concretização do medo no filme de terror são: o susto por surpresa, o susto com suspense, o assassinato, a tortura e a deformidade que se relaciona aos personagens e ao ambiente em que agem. Esta deformidade pode ser uma doença mental da personagem que se converte em ameaça, como também pode ser a esquizofrenia, a psicose, o delírio, a alucinação, o sadismo, a necrofilia, a condição de não-morto (vampiro, morto-vivo) ou a transformação em monstro. Outro elemento dramático comum no gênero é a utilização freqüente do sexo, muitas vezes na forma de assassinato sexual. “O fato mais simples da ficção de horror, não importando a mídia que você escolher... o fundamento da ficção de horror, pode-se dizer, é este: você tem que apavorar a platéia” (KING, 2003, p. 146).

A dança macabra do horror

Estabelecida a essência do filme de horror vamos nos dedicar a observação das considerações feitas por Stephen King em seu ensaio analítico sobre o gênero, para obter mais elementos para examinar as personagens Drácula e Zé do Caixão.

Um apontamento inicial é que as narrativas que lidam com o horror operam em dois níveis. Primeiramente está o nível do horror explícito: “quando Regan vomita na cara do padre e se masturba com um crucifixo em O Exorcista ou quando o terrível monstro, virado do avesso, arranca e mastiga a cabeça do piloto do helicóptero como se fosse pipoca em a Semente do Diabo, de John Frankenheimer” (KING, 2003, p. 19). O horror explícito é a concretização do elemento assustador, fantástico ou não, que está sempre presente no cinema de terror e que pode ocorrer em diferentes graus de refinamento artístico.

O segundo nível procura atingir temores e suscitar medos mais profundos no espectador. King chama de pontos de pressão fóbica, que quando o fazem em nível nacional ou global e acabam por abordar temores políticos, econômicos ou psicológicos, em vez de sobrenaturais apenas, conferem um sentimento alegórico aos filmes de terror. O horror profundo, como veremos adiante, se relaciona com o subtexto que pode estar contido no filme de horror. De maneira cíclica o cinema de horror, a cada dez ou vinte anos, parece desfrutar de maior interesse ou popularidade, quase sempre coincidindo com épocas de grande tensão política ou econômica (KING, 2003, p. 33). Desta maneira refletindo e representando estes pontos de pressão fóbica da sociedade.

Respondendo a questão paradoxal do horror: por que se submeter a experiência de se horrorizar no cinema se o horror na vida real é uma emoção contra a qual se luta? Primordialmente é preciso fazer uma distinção (que será reforçada mais adiante com o conceito do horror artístico) entre a emoção do horror da vida real e a emoção do horror “de mentira” da ficção, apesar deste tentar em alguns casos reproduzir ou superar o primeiro. A criação deste horror ficcional tem uma finalidade catártica de nos auxiliar a suportar os horrores da vida real. “Contando com a infinita criatividade do ser humano, nos apoderamos dos elementos mais polêmicos e destrutivos e tentamos transformá-los

em ferramentas para desmantelar esses mesmos elementos” (KING, 2003, p. 24). Porém, sempre com o momento de reintegração com o mundo real em total segurança. Um convite para a audiência exercitar emoções que a sociedade exige que se mantenha o controle.

Se aprofundando na questão do horror explícito, King (2003, p. 29) sugere três graus para sua ocorrência. Nota-se o caráter valorativo desta classificação, cujo primeiro grau invoca a emoção do horror da maneira mais apurada, que pode ser exemplificada pela história do Gancho ou pelo conto A pata do Macaco (1902), que sugerem muito mais o horror explícito do que realmente mostram. No segundo grau estão as narrativas de horror que fazem por merecer o termo horror explícito, materializando aos olhos do espectador seus temores. E no terceiro grau está o horror da repulsa, que provoca o asco na platéia, como na cena em que explode o peito de uma astronauta em Alien o Oitavo Passageiro (1979), de Ridley Scott. As películas do subgênero gore costumam operar quase que totalmente neste nível, enquanto que os filmes de horror geralmente vão oscilar entre estes graus. “Há o horror mais refinado; o horror que está abaixo deste primeiro; e a mais baixa forma de horror a golfada de repulsa” (KING, 2003, p. 31).

Em relação à personagem de horror, King (2003, p. 46) define os três arquétipos essenciais da ficção de horror, que podem ser aplicados quase sempre ao observar os monstros ou ameaças dos filmes de terror. São eles os monstros dos romances Dracula, Frankenstein e O Médico e o Monstro, ou, o vampiro, a coisa inominável e o lobisomem. Apresentados metaforicamente na forma de cartas do baralho de tarô do horror. Um quarto arquétipo, o fantasma, presente no romance A Volta do Parafuso (1898), de Henry James, acaba sendo excluído pela pouca influência do romance na cultura de massa norte-americana e também por ser um arquétipo presente em uma área ampla demais para que possa ser limitado a uma única obra a ser discutida. King diz que

o arquétipo do fantasma é o Mississipi da ficção sobrenatural, mas mesmo assim é abordado a partir da análise de uma série de narrativas com esta temática na parte final de seu ensaio. Neste estudo o arquétipo do fantasma também será considerado a fim de aumentar as possibilidades para análise.

Os três romances ocupam uma posição extremamente influente, ao longo do século XX, na formação da moderna história do horror. “No seio de cada um deles está prostado (ou cambaleia) um monstro que engrossa e faz parte do (...) “complexo mítico” – aquele corpo literário de ficção no qual nós, mesmo os que não lêem ou não vão ao cinema, estamos todos imersos” (KING, 2003, p. 46).

Frankenstein, dentre os três romances é o menos lido. O nome é extremamente conhecido, mas a grande maioria o confunde ao se referir a criatura sem saber que se trata na verdade do nome do criador. Tanto a imagem do monstro de Frankenstein, quanto a imagem do conde Drácula, foram transformadas e popularizadas pelo cinema como ícones do horror em geral. “Os filmes têm desempenhado muito bem a função de criar essa câmera de eco cultural. (...) Em lugar das idéias que os livros e romances nos fornecem, os filmes nos dão em troca boas doses de emoção visceral” (KING, 2003, p. 49). A característica preponderante no arquétipo do monstro de Frankenstein, que no “baralho do tarô” se torna a coisa inominável, é a dicotomia desenvolvida por Shelley no romance: por um lado podemos sentir o pavor e sofrimento do Dr. Victor Frankenstein em relação a sua criação, mas por outro lado nos deparamos com a inocência da criatura, despertando sentimentos contraditórios de amor e ódio. O leitor de Frankenstein é submetido a uma divisão em seu próprio espírito: “(...) o leitor que deseja apedrejar o monstro e o leitor que sente a pedrada e chora a injustiça dela” (KING, 2003, p. 51). Outra personagem de horror que se encaixa perfeitamente sob a

efígie da coisa inominável é o gorila gigante de King Kong (1933), numa das grandes fusões entre horror e amor ou inocência e terror.

Antes de examinar o próximo arquétipo, o vampiro, é importante considerar mais uma divisão na ficção de terror de um modo geral: a interiorização do mal. “As histórias de horror de fundo psicológico – aquelas que exploram os caminhos do coração humano – quase sempre remexem no conceito de vontade própria; “mal interior”, se assim desejarem, aquele a que não se tem o direito de responsabilizar Deus- Pai” (KING, 2003, p. 53). Um ótimo exemplo para este tipo de narrativa é o conto O Coração Denunciador (1843), de Edgar Allan Poe, onde o assassinato é cometido por pura maldade, sem nenhuma motivação atenuante. Poe ainda sugere a insanidade do narrador da história, pois uma maldade tão perfeita, sem justificativa, só poderia ser fruto da loucura.

É verdade! Tenho sido e sou nervoso, muito nervoso, terrivelmente nervoso! Mas, por que ireis dizer que sou louco? A enfermidade me aguçou os sentidos, não os destruiu, não os entorpeceu. Era penetrante, acima de tudo, o sentido da audição. Eu ouvia todas as coisas, no céu e na terra. Muitas coisas do inferno ouvia. Como então, sou louco? Prestai atenção! E observai quão lucidamente, quão calmamente vos posso contar toda a história. (POE, 2001, p. 287-288)

Assim temos as histórias nas quais o horror é resultado de um ato de vontade própria e consciente, em oposição aquelas narrativas nas quais o horror tem sua origem de uma fonte externa. Este segundo grupo de histórias que abordam o mal exterior são freqüentemente mais difíceis de serem levadas em sério, porém ainda assim é um conceito amplo e pavoroso quando bem executado como na obra de Lovecraft. “Afinal de contas o que é o ridículo medo interior da bomba H, quando comparado ao Nyarlathotep, o caos rastejante ou a Yog-Sothoth, o bode com mil filhotes” (KING,

2003, p. 53)? Todavia, é em Dracula, de Bram Stoker que o arquétipo do vampiro atinge sua total plenitude, dando ao conceito do mal exterior uma forma humanizada.

O mal que carrega o conde Drácula apresenta-se predestinadamente; sua viagem para Londres não é originada por nenhum ato de maldade de um mortal; o sofrimento e castigo sofrido por Jonathan Harker no castelo de Drácula não é fruto de pecado ou fraqueza íntima da personagem, ele bateu à porta da morada do vampiro porque seu patrão lhe ordenou que o fizesse. Da mesma maneira a morte de Lucy Westenra, com o coração trespassado por uma estaca e a cabeça decapitada, não pode ser justificada por nada que tivesse feito em vida.

A segunda característica marcante do arquétipo do vampiro é o da violação sexual. O moralismo na Inglaterra na virada para o século XX deve ter sido um fator influenciador para que a maldade de Drácula viesse de fora, já que se origina de uma perversão sexual. As impressões de Harker sobre os ataques vampíricos são apresentadas em seu diário em descrições notadamente de cunho sexual.

A moça estava ajoelhada a meu lado e nesta postura se mantinha ainda curvada sobre mim, apenas me olhando fixamente, como num êxtase de enternecimento. Brilhava em seus olhos uma desvairada voluptuosidade. (...) Sob a claridade do luar pude ainda observar a farta saliva que inundava sua boca aflorar no friso escarlate dos seus lábios e intensificar o rubor de sua língua ao se desdobrar sobre as arcadas dos seus dentes aguçados. E mais e mais foi baixando sua cabeça. Seus lábios pouco demoraram sobre a minha boca. E deslizando ainda um pouco mais, acompanharam a curva do meu queixo e, (...) senti então o trêmulo e macio toque dos lábios molhados sobre a supersensível pele de minha garganta de mistura com as cortantes serrilhas de seus fortes dentes, que agora pareciam repousar ali. Cerrei então meus olhos no excitado e langoroso êxtase que precedia agora a definitiva espera, enquanto meu coração batia descontroladamente. (STOKER, 1993, p. 50-51)

De maneira parecida Drácula só ataca as personagens do sexo feminino, primeiramente Lucy e depois Mina. As reações delas são muito semelhantes às

sensações experimentadas por Harker com as vampiras no castelo. “De dia, uma Lucy cada vez mais pálida, porém perfeitamente apolínea, conduz um namoro decoroso e dentro dos padrões com aquele a quem está prometida, Arthur Holmwood. À noite ela se embriaga num abandono dionisíaco do seu sedutor sombrio e sanguinário” (KING, 2003, p. 55). Assim o arquétipo do vampiro representa a sexualidade baseando-se na oralidade e comportando-se de maneira inversa: ele suga um poderoso fluido ao invés de contribuir numa relação de troca. Grande parte do sexo representado no cinema de terror está fundamentado neste tipo de relação, geralmente levando a um final infeliz, em que um parceiro está totalmente sob o controle do outro. Talvez esse seja um dos motivos para os vampiros se manterem populares entre os adolescentes, “(...) ainda tentando se entender com sua própria sexualidade. O vampiro parece ter encontrado o atalho entre todas as máximas culturais a respeito do sexo... e, para completar, ainda é imortal” (KING, 2003, p. 55).

O terceiro arquétipo é o lobisomem, cuja face original é Edward Hyde, alter ego do Dr. Jekyll no romance O Médico e o Monstro (1886), de Robert Louis Stevenson. Um claro exemplo da presença do mal interior, num conflito entre o potencial apolíneo (a criatura de intelecto, da moralidade, da nobreza, procurando o caminho da conduta social correta) e os desejos dionisíacos (próprios do deus das festanças e do prazer físico), que ocorre num grande número de filmes e romances de terror.

Um exemplo cinematográfico que se encaixa perfeitamente na “carta” do lobisomem é Psicose (1960), de Alfred Hitchcock. Seu conflito central é exatamente o conflito apolíneo/dionisíaco, que também pode ser visto como o conflito entre o id e o superego. Norman Bates, proprietário de um motel de beira de estrada em decadência , parece ser uma pessoa absolutamente normal sem dar qualquer motivo para que seja temido.

Mas Norman é o lobisomem. Só que em vez de ficar com o corpo cheio de pêlos, ele se transforma vestindo as anáguas, os vestidos e a combinação de sua mãe – retalhando os hóspedes em vez de mordê- los. Da mesma maneira que Dr. Jekyll tem aposentos secretos no Soho e “a porta do Sr. Hyde”, nós descobrimos que Norman tem seu próprio lugar secreto, onde suas duas personas se encontram: nesse caso, um buraco na parede por trás de um quadro que ele usa para ver as garotas se despirem. (KING, 2003, p. 61)

O fantasma, a quarta “carta” que atinge um vasto campo na ficção e dificilmente pode ser analisada a partir de um único romance, se caracteriza como um espelho de nossa própria imagem. Intensamente explorado pela literatura gótica, o fantasma acaba por remeter também ao conflito entre o livre arbítrio de praticar o mal ou negá-lo. Pois para a ficção em geral os fantasmas não são intrinsecamente malvados, mas para servir aos propósitos do horror, o fantasma deve ser malvado, assim levantando a característica central do arquétipo do lobisomem. Capaz de assustar justamente por nos mostrar nosso eu mais profundo, nossa parte dionisíaca totalmente despida de qualquer restrição, capaz de atravessar paredes, desaparecer e falar pela voz de estranhos possuindo seus corpos.

Para concluir este levantamento dos principais arquétipos do horror, King ainda apresenta outro arquétipo ao qual não confere o status de uma autêntica “carta” de seu tarô do horror. A casa mal-assombrada, chamada por ele de “lugar ruim”. Este arquétipo vale ser considerado neste estudo. Apesar de ocorrer genuinamente num pequeno

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