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Academic year: 2021

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(1)MARCELO BRISENO MARQUES DE MELO. ZÉ DO CAIXÃO: PERSONAGEM DE HORROR. Tese apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da UMESP-Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Doutor. Orientadora: Profª Drª Sandra Lucia Amaral Assis Reimão. Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo, 2010.

(2) 2. FOLHA DE APROVAÇÃO A tese de doutorado sob o título “Zé do Caixão: personagem de horror”, elaborada por Marcelo Briseno de Marques de Melo, foi apresentada e aprovada em 15 de março de 2010, perante banca examinadora composta por Prof (a) Dr(a) Sandra Lucia Amaral de Assis Reimão (Presidente/UMESP), Prof (a) Dr(a) Fabio Botelho Josgrilberg (Titular/UMESP), Prof (a) Dr(a) Alfredo Dias D’almeida (Titular/UMESP), Prof (a) Dr(a) Helena Bonito Couto Pereira (Titular/MACKENZIE), Prof (a) Dr(a) Edson Roberto Leite (Titular/USP).. ______________________________________________ Prof (a) Dr(a) Sandra Lucia Amaral de Assis Reimão Orientadora e Presidente da Banca Examinadora. ______________________________________________ Prof. Dr. Sebastião Squirra Coordenador do Programa de Pós-Graduação. Programa : Pós-Graduação em Comunicação Social Área de concentração: Processos Comunicacionais. Linha de pesquisa: Processos Comunicacionais Midiáticos.. 2.

(3) 3 Agradecimentos Agradeço em especial meus pais José Marques de Melo e Silvia Marques, pessoas indispensáveis na minha formação como cidadão, vocês são o início de tudo. Ainda em especial, Priscila, esposa carinhosa e companheira de tantos anos e aos meus filhos, Gabriel e Beatriz, sementes do amanhã que me encantam nos seus primeiros livros e palavrinhas todos os dias e que, mesmo com dificuldade, entenderam minha ausência e à minha sogra Marisa, sempre presente em momentos decisivos. Aos meus amigos Danilo Beiruth e Joaquim Ghirotti, agradeço por todas as discussões acerca do tema que muito me ajudaram. Meus agradecimentos também a todos os que viabilizaram a conclusão desta obra, cada um com sua peculiaridade como: a Prof. Drª Sandra Reimão, minha orientadora, que acreditou no meu projeto desde o início e me apoiou, sendo objetiva no ponto certo e crítica na medida, o Prof. Dr. Sebastião Squirra, caro coordenador da pós-graduação da UMESP, o Prof. Ms. Antonio de Andrade, presente na minha graduação em outros tempos e hoje companheiro de todos os dias na docência à frente da coordenação do curso de Rádio e TV da UMESP, o Prof. Dr. Fábio Josgrilberg e o Prof. Dr Isaac Epstein presentes na banca de qualificação com colocações valiosas e oportunas e enfim, aos demais dirigentes da UMESP, que me permitiram a conclusão deste Doutorado. Meus agradecimentos são para todos os que de alguma forma fizeram parte desta nova conquista em minha vida.. 3.

(4) 4. SUMÁRIO Página INTRODUÇÃO.........................................................................................08 Capítulo I – CONSTRUINDO UMA TEORIA DO HORROR............18 1. O horror na literatura..........................................................................18 2. O horror no cinema..............................................................................24 3. A teoria do horror..................................................................................36. Capítulo II – A PERSONAGEM DRÁCULA........................................70 1. A evolução da personagem vampiro......................................................71 2. Considerações sobre Drácula como personagem.....................................83 3. A adaptação cinematográfica na construção da imagem pública de Drácula...............................................................................................91 4. Encaixotando o vampiro – A personagem Drácula inserida na teoria do horror...............................................................................................103. Capítulo III – A PERSONAGEM ZÉ DO CAIXÃO...........................109 1. A Sedução dos Inocentes.....................................................................110 2. Horror nos quadrinhos brasileiros......................................................115 3. A trajetória de José Mojica Marins e a criação de Zé do Caixão......................................................................................................124. Capítulo IV – DRÁCULA E ZÉ DO CAIXÃO – O COVEIRO ENTERRA O VAMPIRO.......................................................................153 1. A personagem Zé do Caixão na teoria do horror....................................158. CONCLUSÃO.................................................................................................167 REFERÊNCIAS......................................................................................172. 4.

(5) 5 Autor: Marcelo Briseno Marques de Melo Título: Zé do caixão: personagem de horror Orientadora: Profª Drª Sandra Reimão Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo, 2010. Resumo: Esse trabalho busca entender a personagem Zé do Caixão em dois aspectos correlacionados: 1) enquanto uma personagem passível de ser classificada como pertencente ao gênero horror e; 2) no enfoque comparativo entre essa personagem e a personagem Drácula, referência central no gênero horror. Para subsidiar essas discussões, em primeiro lugar, esboçamos as linhas principais de um quadro teórico conceitual do gênero horror; e a seguir, nos detivemos na construção da personagem Drácula. Por fim, nos detemos na personagem Zé do Caixão buscando entender sua especificidade dentro do gênero.. Palavras-chave : Estudos midiáticos, Cinema, Ficção, Personagem, Horror.. 5.

(6) 6 Resumen: Plantear la especificidad del personaje Zé do Caixão en el contexto del género horror es el reto de la presente investigación. Para validar la tesis revisamos criticamente el marco teórico que legitima el gênero horror en el espacio mediático, empleando empiricamente una estratégia que mescla dos operaciones metodológicas secuenciadas: 1) ubicar el personaje en la estructura del género, argumentando sobre la identidad del horror brasileño; 2) comparar este personaje nacional con Drácula, el protótipo universal del género horror.. Palabras-clave: Estúdios mediáticos, Cine, Ficción, Personaje, Horror.. 6.

(7) 7 Abstract: This work attempts to understand the character Zé do Caixão (Coffin Joe) in two correlated aspects: 1) As a character which can be classified as one that belongs to the horror genre and; 2) Using a comparative procedure between this character and the character of Dracula, a central reference in the horror genre. To subsidize this discussions, firstly, we set up the main lines of a theoretical framework of the concept of the horror genre; after that, we focus in the construction of Dracula as a character. Finally, we concern ourselves with the character of Zé do Caixão, attempting to understand his specificity within the genre. Keywords: Media Studies, Cinema, Fiction, Character, Horror.. 7.

(8) 8. INTRODUÇÃO. Sob o manto do horror. A personagem de horror tem características paradoxais que a diferenciam das personagens de outros gêneros ficcionais. Afinal, como algo criado para assustar e provocar repulsa pode ser atraente? Este é o caso das personagens monstruosas que habitam as narrativas de horror. Esta questão também pode ser formulada de outra maneira: por que alguém se interessaria pelo horror já que a experiência de tal sensação é tão desagradável? O segundo paradoxo relaciona-se com a própria ficcionalidade do gênero horror, afinal como alguém pode ficar apavorado com o que sabe não existir? Observar a personagem de horror sob o prisma destes paradoxos e entender os mecanismos e recursos que estas personagens se utilizam para cumprir sua função narrativa será de grande valia para compreender Zé do Caixão, objeto deste estudo. Zé do Caixão, principal personagem do gênero horror no Brasil estaria inserido nestes paradoxos e se valeria dos mesmos mecanismos que as outras personagens de horror? Analisar e comparar esta personagem tendo como modelo Drácula, a personagem do gênero mais estudada no mundo e uma referência completa para compor um quadro analítico comparativo da criação de José Mojica Marins, irá proporcionar um entendimento do objeto de estudo. Desta maneira poderemos obter uma visão mais ampla da personagem no gênero a que ela se vincula, ao contrário da maioria dos textos sobre Zé do Caixão que costumam observá-lo dentro do cinema em geral ou sob a ótica de um elemento da cultura brasileira. Também poderemos entender os mecanismos de que ele se vale para se perpetuar como parte do imaginário cultural brasileiro e ver como a personagem se relaciona com os modelos tradicionais de horror.. 8.

(9) 9 Partimos de duas hipóteses. A primeira é que a personagem Zé do Caixão enquadra-se no quadro teórico-conceitual do gênero horror. A segunda é que a personagem Zé do Caixão tem como referência central a personagem Drácula. O objetivo geral deste estudo é discutir uma inserção possível da personagem Zé do Caixão em um quadro teórico-conceitual do horror e assim entender esta personagem no gênero a que pertence. Para tanto pretende-se inicialmente esboçar um perfil teóricoconceitual do gênero horror; a seguir analisar a personagem Zé do Caixão tendo como referência. a. personagem. Drácula.. O. papel. das. adaptações,. especialmente. cinematográficas, na construção da imagem pública de ambas as personagens é outra meta a ser atingida; bem como, observar a personagem Zé do Caixão sob o prisma dos paradoxos próprios das personagens do gênero horror e verificar se esta se vale de mecanismos e recursos semelhantes para obter o fascínio da audiência.. *. *. *. Horror hoje. Há pelo menos cinco décadas o horror ganhou visibilidade como fonte reconhecida de estímulo estético. “De fato, ele pode até ser o gênero de vida mais longa, o mais amplamente disseminado e o mais persistente da era pós-Vietnã” (CARROLL, 1999, p.12). Os romances de horror, que já conquistaram o mercado literário nos EUA, ganham cada vez mais espaço nas prateleiras das livrarias brasileiras. Enquanto escrevo estas linhas, os romances vampíricos Crepúsculo (2005), Eclipse (2006) e Lua Nova (2007) de Stephenie Meyer figuram nas listas de livros de ficção mais vendidos no Brasil (http://veja.abril.com.br/livros_mais_vendidos/ acesso em 01/04/2009). Ao. 9.

(10) 10 mesmo tempo a TV Record acaba de exibir a telenovela Os Mutantes (2008) dirigida por Alexandre Avancini, que também apresenta vampiros, dentre outros monstros, com êxito de audiência e gerando uma série de produtos inspirados nos personagens monstruosos, como álbum de figurinhas, material escolar e roupas. Vale lembrar que Mutantes já deu prosseguimento ao sucesso de outra telenovela produzida na TV Record, Caminhos do Coração (2007) dirigida por Alexandre Avancini, que também apresentava personagens vampíricos e já começa a ser reprisada. A Rede Globo de Televisão também obteve grande aceitação do público em telenovelas que tinham vampiros como protagonistas em Vamp (1991) e O Beijo do Vampiro (2002) ambas escritas por Antônio Calmon. Recordando os primórdios do cinema com a celébre exibição de A chegada do trem à estação em 1895 pelos irmãos Lumiére, podemos notar o grande potencial deste suporte material para o gênero horror, já que os relatos deste evento destacam que o público manifestou medo em relação as imagens projetadas. Ao longo do século XX o horror foi se perpetuando no cinema geração após geração, ganhando aceitação do público e gerando cada vez mais produções do gênero. Desde o sucesso de bilheteria de O Exorcista (1973) houve um imenso crescimento no volume de exibições de filmes de horror. Nas últimas décadas ao visitar cinemas com multi-salas de exibição no Brasil é muito raro não encontrar ao menos uma produção de horror. O gênero também floresceu em outros meios, na música influenciou e se faz presente explicitamente nos vídeos e shows de rock. “O horror tornou-se um artigo básico em meio às formas artísticas contemporâneas, populares ou não, gerando quantidade de vampiros, duendes, diabretes, zumbis, lobisomens, crianças possuidas pelo demônio, monstros espaciais de todos os tamanhos, fantasmas e outros” (CARROLL, 1999, p.13).. 10.

(11) 11 José Mojica Marins, pioneiro do gênero horror no cinema nacional e um dos diretores mais perseguidos durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), deu início a saga de Zé do Caixão em 1964 com À Meia-Noite Levarei Sua Alma seguido de Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver em 1967. Porém o terceiro filme que traria uma conclusão à trajetória de Zé do Caixão nunca havia sido realizado por diversos motivos, dentre eles a falta de apoio financeiro, o amadorismo de Mojica ao conduzir sua carreira, problemas pessoais e principalmente a perseguição pela censura. Em 2008, Mojica voltou às telas de cinema, conseguiu exibir Encarnação do Demônio no circuito comercial através da distribuidora norte-americana Fox. O longametragem de Mojica encerra a trilogia de Zé do Caixão que levou mais de 30 anos para se concretizar e traz o maior orçamento de uma produção do gênero no Brasil, mantendo seu criador como ícone do horror brasileiro. A personagem de Mojica desde sua criação vem habitando o imaginário nacional graças à habilidade de seu criador em mantê-la viva por meio de adaptações para outros meios de comunicação de massa como a televisão e as histórias em quadrinhos. No exterior Zé do Caixão obteve status cult sendo conhecido como Coffin Joe e Mojica Marins é reconhecido como um dos pioneiros do gore1 no cinema juntamente com Herschell Gordon Lewis. Mesmo tendo ficado longe das telas por cerca de trinta anos, Zé do Caixão é provavelmente a personagem originalmente cinematográfica mais importante do cinema brasileiro.. *. *. *. 1. “Subgênero do cinema de terror que se caracteriza por seqüências de clímax de larga duração e extrema violência, mutilações, sangue, vísceras e personagens pouco realistas. Costuma manifestar-se em filmes de baixo orçamento. (...) Existe no audiovisual japonês uma corrente gore que se produz tanto no cinema de imagens reais como no cinema de desenhos animados.” (RAMOS, 2002, p.285). 11.

(12) 12 Passo a passo no horror. Esta pesquisa apresenta uma análise comparativa entre duas personagens expoentes do gênero horror tendo o procedimento analítico exploratório como linha de raciocínio. Esta análise foi realizada a partir de um perfil teórico-conceitual do gênero horror construído a partir das obras destacadas na revisão da literatura, e a referência central para o exame das personagens baseia-se na delimitação das obras cinematográficas mais relevantes na construção de sua imagem pública. Desta maneira foi possível observar como se posiciona Zé do Caixão, a principal personagem do gênero no Brasil, frente a este quadro teórico. A personagem modelo para esta análise comparativa, Drácula, funciona como referência ideal já que está plenamente encaixada nos textos que servem de base para a teoria do horror. Além das considerações sobre a gênese da personagem de ficção, as categorias de análise que utilizamos neste exame comparativo entre as duas personagens incluem: a presença do elemento fantástico e a instância em que acontece (puro, estranho e maravilhoso); a intenção de provocar a emoção do horror na audiência; a ocorrência do horror explícito (refinado, explícito e repulsa); os arquétipos de personagens de horror; a dicotomia na manifestação do mal; a presença de subtextos nas narrativas; as condições de produção na indústria cinematográfica, a manifestação do horror como resposta emocional das personagens positivas; a categorização dos monstros em relação a suas características impuras (fusão, fissão, magnificação, massificação, metonímia) e as estruturas de enredo mais recorrentes no gênero (descobrimento complexo e extrapolador).. *. *. *. 12.

(13) 13 Dois dos mais relevantes estudos sobre o gênero horror, utilizados neste estudo, foram realizados por autores que se especializaram na criação de ficção de horror. O primeiro foi Howard Phillips Lovecraft (1890-1937) que manteve vivo o horror cósmico nos Estados Unidos e influenciou uma geração de novos escritores de terror através de seus trabalhos publicados no periódico Weird Tales. Lovecraft além de produzir dezenas de histórias e criar uma mitologia do horror cósmico publicou um tratado intitulado O Horror Sobrenatural na Literatura no qual aborda cronologicamente a história das publicações de horror e também faz reflexões sobre os mecanismos engendrados nas narrativas para atingir o clímax do horror. O tratado de Lovecraft torna-se a referência principal ao tratar da gênese do romance de horror nesta pesquisa. De certa maneira espelhando-se no trabalho de Lovecraft, Stephen King escreveu Dança Macabra, em que se dedica a estabelecer sua visão sobre o gênero horror. King, diferentemente de Lovecraft, que não conheceu o sucesso como escritor em vida, é provavelmente o autor moderno mais popular e representativo da literatura de massa de horror norte-americana. Em seu estudo trata principalmente da produção no gênero nos últimos trinta anos, não se limitando apenas à literatura, mas centrando-se no cinema e na televisão. King racionaliza a sedução do grotesco (paradoxo relevante neste estudo), a mecânica das histórias de horror, os sentimentos alegóricos presentes nas obras do gênero e os sentimentos catárticos experimentados pelo espectador. King também dedica espaço para discutir a personagem de horror, seja pelo aspecto da monstruosidade ou pela internalização do horror, dicotomia na qual podemos encaixar todas as narrativas do gênero. Estas reflexões sobre a personagem são exemplificadas por meio da análise de três romances imortais, O Médico e o Monstro (1886) de Robert Louis Stevenson, Dracula (1897) de Bram Stoker e Frankenstein (1818) de Mary Shelley, e estabelecem os quatro conceitos primordiais da personagem de Horror. 13.

(14) 14 (o vampiro, o lobisomem, a coisa inominável e o fantasma). Tal conceituação tem grande valor para analisar Zé do Caixão e posicioná-lo diante do quadro teóricoconceitual exposto neste estudo. Diferentemente dos textos acima citados, cuja autoria traz a ótica interna exclusiva daquele que cria dentro do gênero, o trabalho de maior relevância para esta pesquisa traz a visão externa e o distanciamento afetivo do gênero para construir uma teoria do horror. Em, A Filosofia do Horror ou Paradoxos do Coração, Noel Carroll, professor do departamento de Filosofia da Universidade de Wisconsin, se propõe a fazer com o gênero do horror o que Aristóteles fez com a tragédia. Carroll segue a linha de abordagem do pensamento analítico e da psicologia cognitiva e é reconhecido como pensador da arte cinematográfica, tendo dedicado parte significativa de sua produção acadêmica à teoria do cinema. A Filosofia do Horror se aprofunda numa das questões chave do filme de horror (também suscitada por King em sua pesquisa), o paradoxo baseado no envolvimento afetivo do espectador neste gênero. Tendo Aristóteles como paradigma do que pode ser a filosofia de um gênero artístico, Carroll apresenta uma explicação do horror tendo como foco os efeitos emocionais que o gênero se destina a causar no público. Partindo da premissa de que o gênero horror é destinado a produzir um efeito emocional, Carroll tenta isolar esse efeito com um exame e análise das figuras recorrentes e das estruturas de enredo usadas pelo gênero para mostrar como estas estruturas características são arranjadas para causar a emoção que ele denomina “horror artístico”. Este tratado sobre o horror se concentra nos enigmas próprios do gênero, batizados pelo autor como “Paradoxos do Coração”. “Em relação ao horror, esses paradoxos podem ser resumidos nas duas perguntas seguintes: 1) como pode alguém ficar apavorado com o que sabe não existir, e 2) por que alguém se interessaria pelo horror, uma vez que ficar horrorizado é tão desagradável” (CARROLL, 1999, p.21)?. 14.

(15) 15 A Filosofia do Horror traz uma abordagem da caracterização do gênero horror diferente daquelas apresentadas por Lovecraft, King e por muitos críticos acadêmicos, que oferecem reflexões gerais sobre o horror no primeiro capítulo para posteriormente detalhar historicamente a evolução do gênero se valendo do exame de exemplos. Carroll propõe uma explicação da natureza do horror sob o ponto de vista do aspecto emocional que o gênero procura gerar. Além de definir o horror e apresentar o termo “horror artístico”, mostra as estruturas recorrentes que originam a emoção do “horror artístico”, juntamente com uma explanação histórica sobre as origens do gênero. Introduz o paradoxo da ficção que ao ser aplicado ao horror pode ser exemplificado com a questão de como podemos ficar apavorados com aquilo que sabemos não existir. Faz um minucioso exame dos enredos mais recorrentes no gênero e coloca uma extensa discussão entre enredos, suspense e o elemento fantástico. Introdução à Literatura Fantástica, de Tzvetan Todorov, traz uma conceituação e uma classificação das narrativas que trazem o elemento fantástico, característico das narrativas de horror, que serve como referência para a formação do quadro teórico conceitual do horror neste estudo. Outra obra referencial nesta pesquisa é A Personagem de Ficção, organizada por Antônio Cândido, que traz textos que discutem a personagem na literatura, teatro e cinema, fornecendo reflexões valiosas sobre as relações entre as personagens com os meios de comunicação onde se originam. As reflexões sobre a personagem na literatura especificamente fornece uma linha racional para entender a gênese da personagem e assim apreender as origens dos seres ficcionais analisados neste estudo. A personagem selecionada como referência para este estudo, Drácula, é a personagem de horror mais estudada mundialmente, tendo sido alvo de diversas pesquisas. Vale destacar os textos referenciais para caracterizar Drácula neste projeto. O. 15.

(16) 16 trabalho dos historiadores Raymond T. Mcnaly e Radu Floresco, In search of Dracula, traça as origens históricas do personagem literário e sua transformação pelas adaptações para diversos veículos de comunicação. The Vampire Book, de J. Gordon Melton, faz uma extensa análise do mito do vampiro em relação ao folclore, literatura, televisão, cinema e história em quadrinhos. Estabelecendo a versão cinematográfica de Drácula como ícone da cultura pop. Voivode: estudos sobre os vampiros, organizado por Cid Vale Ferreira, explora as diversas facetas do fenômeno vampírico, destacando o papel da literatura e do cinema em sua difusão sob uma ampla gama de perspectivas, dentre elas: antropologia, psicologia e crítica literária. Estudos semelhantes aos citados fazem parte da bibliografia selecionada juntamente com títulos que tratam especificamente do cinema de horror. O tratado de Carroll, juntamente com os trabalhos de King, Lovecraft, Todorov e Cândido fornecem elementos consistentes para formar um quadro teórico-conceitual sobre o gênero permitindo analisar a personagem de horror especificamente e assim observar a personagem Zé do Caixão a partir deste modelo teórico.. *. *. *. O primeiro capítulo deste estudo aborda a personagem de horror de forma geral, com um histórico cronológico do gênero na literatura e cinema para depois apresentar o quadro teórico-conceitual do horror e sua problemática sob a perspectiva emocional da audiência. O segundo capítulo se dedica ao personagem referência para está análise, Drácula. Esta personagem é observada a partir de uma perspectiva histórico cultural, destacando o processo de adaptação na construção de sua imagem pública, bem como. 16.

(17) 17 sua gênese como ser ficcional. Também são observadas suas adaptações no Brasil. Depois, examinamos a personagem Drácula partindo do quadro teórico conceitual apresentado no capítulo anterior. No terceiro capítulo tratamos da personagem Zé do Caixão. Inicialmente vemos a evolução do horror no Brasil a partir do meio em que o gênero mais se proliferou, as histórias em quadrinhos. Depois examinamos a carreira de José Mojica Marins, a criação e inserção de Zé do Caixão na cena cinematográfica nacional e o fenômeno da adaptação na perpetuação deste personagem no imaginário do povo brasileiro. O quarto capítulo dedica-se a inserção da personagem Zé do Caixão no quadro teórico-conceitual do horror e a análise comparativa entre esta personagem e a personagem Drácula. Este exame comparativo tem como referências centrais os longasmetragens Dracula (1931), para Drácula e À Meia Noite Levarei sua Alma (1964) e Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967) para Zé do Caixão. Na conclusão apresentam-se as últimas reflexões acerca dos paradoxos do horror e as considerações finais sobre a personagem Zé do Caixão. Também discutimos a confirmação das hipóteses deste estudo bem como o sucesso de seus objetivos.. 17.

(18) 18. Capítulo I – CONSTRUINDO UMA TEORIA DO HORROR. A primeira parte deste capítulo introdutório tem como objetivo apresentar um breve histórico do gênero horror na literatura e no cinema para que o leitor possa obter uma visão ampla da evolução deste tema e observar as origens de um padrão de personagens em sua constituição. Não se pretende aqui fazer uma longa compilação de títulos de obras ou realizadores. Mas sim traçar uma linha cronológica que permita ao leitor, distante do tema aqui tratado, contextualizar o objeto deste estudo e assim apreender melhor os conceitos desenvolvidos na segunda parte deste capítulo. Dedicada a formar um quadro teórico-conceitual do horror e compor ferramentas analíticas para um exame a partir de uma perspectiva interna ao gênero.. 1. O horror na literatura. O horror como gênero narrativo se faz presente na história da civilização logo que o homem passa a compartilhar experiências. Criaturas fantásticas habitam narrativas religiosas, mitológicas, míticas ou lendárias, impressionando e assombrando os ouvintes que se reuniam à noite para se emocionar com estes relatos. Histórias que contavam as aventuras e provações que passavam os heróis dos textos mitológicos, fossem eles egípcios, gregos, indianos, persas ou romanos. Porém uma das referências a criaturas monstruosas mais antigas está na bíblia.. O propósito do mais famoso deles Lúcifer ou Satanás, pelo menos, é assustar aqueles que crêem nas escrituras como obras escritas ou ditadas por deus. Ao se observar o livro sagrado por esse aspecto, pode-se compreender melhor como o sobrenatural e o terror se consolidaram nas mais diversas formas de representação do medo no. 18.

(19) 19 ocidente ao longo de séculos, em narrativas de mitos e lendas até chegar à idade moderna. (GONÇALO, 2008, p. 40). Estabelecidas as raízes do gênero horror é necessário restringir o panorama cronológico e evolutivo do terror que se pretende construir aqui, em relação, somente, à literatura e cinema ocidentais. Já que expor esta evolução em todas as formas de manifestação artística ou apresentar o desenvolvimento deste tema no oriente acabaria por desviar o foco deste estudo. Outra fonte importante para o florescimento do horror acontece na segunda metade do segundo milênio da era cristã com o surgimento dos contos de fadas. A origem destas narrativas “está relacionada à literatura cortesã da idade média, por volta do século VII e nas novelas de espada” (GONÇALO, 2008, p.59). Traziam seres bizarros que representavam o mal que eram confrontados pelo herói antes de vencer no final. “Os primeiros textos eram marcados por situações que iam do adultério e do incesto ao canibalismo e às mortes hediondas” (GONÇALO, 2008, p. 59). Normalmente as tramas envolvem magia, metamorfose, encantamentos ou animais falantes. As versões infantis, suavizadas e amplamente conhecidas na idade moderna, foram difundidas pelo ocidente a partir dos anos 1800, geralmente transmitindo ensinamentos morais. Autores de tendências totalmente opostas ao horror desenvolveram este tema em contos isolados.. Assim, Dickens escreveu diversas narrativas de pavor; Browning, o tétrico poema Childe Roland; Henry James, A Volta do Parafuso; Dr Holmes, o engenhoso romance Elsie Vonner; F. Marion Crawford, O Leito de Cima e o humorista W. W. Jacobs produziu o excelente melodrama intitulado A Pata do Macaco. (LOVECRAFT, 1987, p.04). 19.

(20) 20 Porém não se deve confundir este tipo de literatura, em que o formalismo ou a ironia do autor extingue o verdadeiro senso do mórbido e do sobrenatural. Pela concepção de Lovecraft, o verdadeiro conto de horror exige uma atmosfera e um ambiente de terror onde agem forças externas, não-naturais, para gerar uma sensação sufocante e inexplicável de horror.. O critério final de autenticidade não é o recorte de uma trama e sim a criação de uma determinada sensação. Pode-se afirmar em termos gerais que uma história fantástica cujo intento seja instruir ou produzir um efeito social, ou em que no final os horrores se desfaçam explicados por meios naturais, não é um autêntico conto de pavor cósmico. (LOVECRAFT, 1987, p.05). Assim, uma obra de horror não deve ser avaliada somente pela intenção do autor ou pela mecânica do enredo, mas pelo plano emocional que o leitor atinge ao estabelecer contato com o gênero.. O único teste para o verdadeiro horror é simplesmente este, se suscita ou não no leitor um sentimento de profunda apreensão, e de contato com esferas diferentes e forças desconhecidas: uma atitude sutil de escuta ofegante, como à espera do ruflar de asas negras ou do roçar de entidades e formas nebulosas nos confins extremos do universo conhecido. (LOVECRAFT, 1987, p.06). A partir desta concepção podemos afirmar que o típico conto de horror da literatura corrente é fruto do século dezoito. A literatura gótica, cujo apogeu se deu entre 1780 e 1820, pode ser considerada como precursora do terror como gênero. As narrativas deste movimento literário apresentavam características em comum, o cenário, geralmente ambientado no castelo gótico, cheio de alas abandonadas ou em ruínas, corredores úmidos e catacumbas que guardavam fantasmas e lendas tenebrosas. Também incluía o nobre perverso como vilão, a heroína inocente, vítima dos principais horrores, e o valente herói de nascimento nobre, mas freqüentemente em disfarce. 20.

(21) 21 humilde, enfim personagens melodramáticos e maniqueístas. Também era recorrente o uso de nomes italianos para os personagens, bem como temas envolvendo segredos do passado, manuscritos escondidos, profecias e maldições (GONÇALO, 2008, p.61). Em 1764, Horace Walpole publica O Castelo de Otranto, considerado o marco inicial da literatura gótica. Uma narrativa sobrenatural que ganhou ampla e instantânea popularidade, permitindo o lançamento de diversas edições, adaptações teatrais e inúmeras imitações na Inglaterra e Alemanha.. Tal era a ânsia da época por esses toques de mistério e antiguidade fantasmal que ela reflete, que foi recebida a sério pelos seus leitores mais equilibrados, e elevada, apesar de sua inépcia intrínseca, a um pedestal de excelsa importância na história literária. O que acima de tudo ela fez foi criar um novo tipo de cenário, de personagens-títeres e de incidentes; o que, manipulado com melhores resultados por autores mais naturalmente adaptados à criação do horrível, estimulou o desenvolvimento de uma escola gótica imitativa. (LOVECRAFT, 1987, p.15). Na Inglaterra o gótico confrontava-se com a produção literária científica e histórica e surpreendentemente se consolidou como um gênero geralmente escrito por mulheres. Destacam-se no gótico inicialmente os romances Os Mistérios de Udolpho (1794), de Ann Radcliffe e O Monge (1796), de Matthew Gregory Lewis. Posteriormente, em 1818, Frankenstein: o moderno prometeu, de Mary Shelley inovou o gênero e se estabeleceu como um dos clássicos de horror de todos os tempos. “Os historiadores da literatura gótica apontam Melmoth, the Wanderer (1820), de Charles Maturin, como o último suspiro do gênero. Tem início, então, o declínio, com obras previsíveis e apelativas para o sensacionalismo exagerado” (GONÇALO, 2008, p.63). Com a publicação dos poemas e contos de Edgar Allan Poe, como aponta Lovecraft (1987, p.47), o horror no século XIX ganha uma nova dimensão, afetando. 21.

(22) 22 diretamente a história não apenas da narrativa fantástica, mas também a da ficção curta como um todo. A representativa produção de Poe, marcadamente influenciou escritores norte-americanos ao longo do século seguinte. Seus textos continuam a ser lidos e cultuados como pequenas obras primas. Antes de Poe a maioria dos autores de horror escreveu sem a compreensão da base psicológica da sedução do horror e sujeitos ao conformismo com certas convenções literárias, como o final feliz, a virtude premiada, aceitação de padrões e valores populares e o empenho do autor em colocar suas próprias emoções na narrativa e em se posicionar favoravelmente em relação aos personagens defensores das idéias da maioria (LOVECRAFT, 1987, p.48). Poe, contrariamente, traduziu a impessoalidade do verdadeiro artista e procurou com sua ficção expressar eventos e emoções, sem se importar que sejam bons ou maus, agradáveis ou repugnantes, felizes ou deprimentes. Tornou-se intérprete de sentimentos poderosos ligados à dor, morte, decadência e medo.. Na verdade pode-se dizer que Poe inventou o conto em sua forma presente. Por outro lado, a elevação da morbidez, da perversão e da degenerescência ao nível de temas artisticamente exprimíveis teve conseqüências de um alcance imenso; pois, avidamente assimilada, abonada, intensificada pelo seu eminente admirador francês Charles Pierre Baudelaire, tornou-se o núcleo dos principais movimentos estéticos na França, assim fazendo Poe de certo modo o pai dos decadentes e dos simbolistas. (LOVECRAFT, 1987, p.49). A segunda metade do século XIX apresentou duas narrativas clássicas para a ficção de horror, Dracula (1897), de Bram Stoker, cujo personagem central será objeto de análise no próximo capítulo, e O Médico e o Monstro (1886), de Robert Louis Stevenson. Ambos os romances, juntamente com Frankenstein, formam a trindade dos arquétipos do horror (KING, 2003, p.46). Ainda neste século vale destacar A Volta do Parafuso (1898), de Henry James. “Mesmo com a reputação de escrever críticas literárias dentre as mais importantes da. 22.

(23) 23 língua inglesa, James se aventurou em fazer uma das histórias mais aterrorizantes já escritas” (GONÇALO, 2008, p.66). No século XX a literatura de horror passa a ser influenciada pelo novo veículo de comunicação que surgiu no final do século anterior, o cinema. A partir da década de 1930 um número maior de pessoas passou a consumir livros de horror. “Ao transpor para as telas criaturas como Frankenstein, Drácula, Lobisomem e Múmia, os estúdios Universal, especialmente, deram um novo fôlego ao mercado editorial” (GONÇALO, 2008, p.70). Nesta época surgem várias revistas de ficção, as populares pulp fiction, com títulos destinados ao horror como Ghost Stories, Weird Tales e Horror. As pulp fiction ostentavam capas que costumavam apresentar uma criatura monstruosa ameaçando uma linda jovem. Um padrão de personagens que remete ao melodrama das narrativas góticas e que foi prontamente assimilado pelo cinema ao abordar o horror. A partir da segunda metade do século XX, a literatura de horror passa a ocupar um expressivo filão do mercado editorial norte-americano e conseqüentemente mundial. Nos anos 1960, surgem autores de best-sellers dedicados exclusivamente ao gênero. Os mercados editoriais e cinematográficos se alinham cada vez mais ao explorar o horror. O que pode ser visto por meio de dois sucessos editoriais que também obtiveram êxito comercial nas telas: O Bebê de Rosemary (1967), de Ira Levin e O Exorcista (1971), de William Peter Blatty, adaptados para o cinema em 1968 e em 1973 respectivamente. Nos anos 1970, aparece Stephen King, provavelmente um dos nomes mais representativos da literatura de massa norte-americana. Autor de sucessos como Carrie (1974) e o Iluminado (1977), King tem uma vasta produção dentro do gênero horror que vem sendo, paralelamente, adaptada para o cinema, fazendo com que a popularidade de suas tramas tenha um alcance ainda maior.. 23.

(24) 24 Vale citar ainda Anne Rice, que ainda na década de 1970 publica Entrevista com o Vampiro (1976) e inicia uma longa série de romances vampíricos, populares durante as décadas de 1980 e 1990, e o autor inglês Clive Barker. Os romances de Baker abordam a idéia da existência de um mundo oculto que convive junto ao nosso. No cinema a franquia cinematográfica Hellraiser, baseada em um conto seu, fez muito sucesso nos anos 1980. Atualmente vemos um uma nova explosão da exploração editorial do personagem vampiro. A série de livros iniciada em Twilight (2005), de Stephenie Meyer, vem se tornando cada vez mais consumida por um público jovem, ávido por experiências emocionais, abrindo caminho para que novos autores explorem o filão. Apoiada por uma estratégia de lançamentos paralela a série cinematográfica de sucesso, as narrativas de Meyer vem conseguindo uma popularidade expressivamente maior que aquela atingida por Anne Rice na década de 1980.. 2. O horror no cinema. Como podemos ver as indústrias editorial e cinematográfica geralmente estiveram aliadas na exploração de narrativas de horror que se tornaram parte do repertório ficcional coletivo. “O gênero cinematográfico de horror descende diretamente da literatura de horror do século XIX, esta nascida no seio da chamada literatura fantástica” (SANTANA et al, 2007, p.219). Assim vamos retroceder até o final do século XIX para observar o desenvolvimento do horror como gênero narrativo cinematográfico. Não se pretende aqui listar títulos de obras e diretores, mas traçar uma breve exposição evolutiva do gênero, afim de, posteriormente, situar e compreender as personagens de horror a serem examinadas.. 24.

(25) 25. O cinema nasceu com uma cena de medo, pelo menos oficialmente. A primeira projeção pública feita pelos irmãos Lumiére, foi em 28 de dezembro de 1895, no Grand Café do Boulevard des Capucines, com dez pequenos filmes. Um deles tinha o propósito de assustar a platéia: L’arrivée D’un Train em Gare. (GONÇALO, 2008, p.162). De acordo com os relatos deste evento a platéia reagiu temerosa com a imagem do trem vindo na sua direção, mostrando o potencial para o horror do novo veículo que surgia. O pai do filme de horror é sem dúvida o francês Georges Mélies (AYLESWORTH, 1986, p.12). Nascido em 1861, este pioneiro do cinema e mágico popular, inicialmente tentava utilizar a invenção dos irmãos Lumiére como extensão para seus números de ilusionismo. Mas começou a produzir filmes experimentando efeitos fotográficos. Entre 1897 e 1913, realizou mais de uma centena de curtasmetragens, muitos deles com a intenção de assustar a audiência. Diferentemente das projeções dos irmãos Lumiére, que obtinham esta resposta emocional da platéia com imagens realistas, Mélies conseguia assustar com efeitos especiais fantasmagóricos e criaturas monstruosas. Porém, com o desenvolvimento da narrativa cinematográfica, Mélies tornou-se obsoleto frente a diretores como F. W. Murnau e David Griffith. Em 1910, a Edison Company realiza a primeira adaptação de um romance de horror para o cinema, Frankenstein. O curta-metragem com duração de doze minutos, escrito e dirigido por J. Searle Dawley, além de ostentar o título de primeiro filme de horror, também foi o primeiro filme do gênero a ser banido pelos exibidores norteamericanos, impressionados com o monstro.. (...) e desde então, dado como perdido. Por muitos anos, a única imagem que restara dele (descoberta em 1963 num libreto da Edison Company preservado na Biblioteca do Congresso, em Washington) era a hoje famosa fotografia still do ator Charles Ogle devidamente caracterizado como monstro, desafiando a lente com um olhar assustador. (SANTANA et al, 2007, p.217). 25.

(26) 26. Na década de 1980, o filme perdido foi incluído na lista das dez maiores raridades desaparecidas da história do cinema pelo American Film Institute. Motivando um colecionador a doar sua única cópia do filme que foi parcialmente recuperada e exibida em 1997 na Inglaterra durante os eventos comemorativos dos duzentos anos do nascimento de Mary Shelley. Evidentemente, com o banimento do Frankenstein da Edison Company, a visualização do monstro criado por Shelley ficaria a cargo da versão da Universal Studios na década de 1930. Nos Estados Unidos, ainda neste período do cinema mudo, Hollywood tinha apenas uma única estrela que explorava com sucesso temas ligados ao horror, Lon Chaney. Filho de pais surdos-mudos, Chaney aprendeu muito cedo a se expressar por mímica. Seus talentos como maquiador permitiam que interpretasse mais de uma personagem no mesmo filme e acabaram dando-lhe a alcunha de “o homem das mil faces” (BADDELEY, 2003, p.47). Suas personagens mais marcantes foram Quasímodo, em O Corcunda de Notre Dame (1923) e o papel título em O Fantasma da Ópera (1925).. A dedicação de Chaney à arte era assustadoramente perversa. O termo “masoquista” surge inúmeras vezes nas descrições dos figurinos e maquiagem torturantes que ele adotava - muitas vezes contrariando conselhos médicos – para atingir os desfiguramentos e deformações requeridas pelos personagens nos quais se especializou. (BADDELEY, 2003, p.48). Em 1927, Chaney estrelou a primeira incursão de Hollywood ao tema vampírico, London After Midnight, dirigido por Tod Browning. Apesar de no final revelar-se que o vampiro na realidade era um disfarce para prender o verdadeiro criminoso, Chaney exibiu uma maquiagem extrema, com fileiras de dentes como um tubarão e olhos 26.

(27) 27 salientes. Browning chegou a discutir com Chaney a realização de Dracula, mas um câncer de garganta acabou encerrando a carreira do ator em 1930. Antes de prosseguir com o advento do cinema falado no gênero horror, é necessário destacar o expressionismo, movimento de vanguarda européia de grande influência na indústria cinematográfica nas. décadas. de 1920. e 1930, e. conseqüentemente, também influente no horror. O expressionismo pretendia “estabelecer uma ligação entre a arte contemporânea e a arte do futuro, com a negação da arte alemã neo-romântica e a criação de um contato íntimo com a natureza e a realidade”. (GONÇALO,. 2008,. p.164).. O. movimento. cessa. sua. existência. aproximadamente em 1913, mas serve de influência no cinema alemão, um dos segmentos artísticos que tiveram grandes avanços e conseguiu destaque na época e acabou por assimilar seu clima sombrio. Nota-se uma tendência em utilizar a nova arte para abordar temas fantásticos desde o início. Este direcionamento se consolidaria com O Golem (1915) e O Médico e o Monstro (1915). Posteriormente, O Gabinete do Dr. Caligari (1919) tornou-se o maior êxito internacional do expressionismo na época e passou a ser aclamado pela crítica ao longo do século como uma obra-prima da história do cinema (GONÇALO, 2008, p.165). Porém, Nosferatu (1922), de F. W. Murnau, uma adaptação não autorizada do romance Dracula, é o mais famoso e polêmico filme de horror deste período e o primeiro filme de vampiro a ser lançado em grande circuito. O filme de Murnau e a polêmica sobre os direitos autorais da obra original serão comentados mais adiante, quando tratarmos da adaptação cinematográfica na construção da imagem pública de Drácula, no segundo capítulo.. 27.

(28) 28 Durante as décadas de 1930 e 1940, o estúdio norte-americano Universal Pictures apresentou para as grandes massas o horror no cinema e consagrou uma visão sobre algumas personagens literárias de horror que perdura até hoje. É claro que outros estúdios também exploraram o gênero com sucesso, mas durante algum tempo a Universal não teve concorrentes. Os estúdios de cinema estavam produzindo filmes que ajudassem o público a esquecer os problemas que passavam decorrentes da crise econômica de 1929, apresentando tramas de amor e aventura em paisagens exóticas com lindas mulheres e galantes heróis. Entretanto a Universal seguiu um caminho contrário, mas que atingiria o mesmo propósito, explorando inicialmente os monstros da literatura de horror. “Com a preocupação de não afastar o público potencial pelo medo, estabeleceu-se como estratégia histórias de horror mais leves, de grande apelo ao público médio e que podiam ser vistas pela tradicional família americana” (GONÇALO, 2008, p. 169). O primeiro sucesso da Universal no horror foi Dracula (1931), dirigido por Tod Browning, que logo foi seguido por Frankenstein (1931), com direção de James Whale. Transformando Bela Lugosi e Boris Karloff, respectivamente, em grandes astros do cinema de horror. O ciclo de horror da Universal levou às telas diversos monstros como a múmia, o lobisomem e o monstro da lagoa negra, e realizou muitas seqüências de seus filmes iniciais, mas na segunda metade da década de 1940 entra em declínio reunindo seus principais monstros em produções de baixa qualidade ou em comédias com a dupla cômica Abbott & Costello. A Segunda Guerra Mundial mobilizava a atenção da indústria cinematográfica e em seu desenvolvimento mostrou horrores que tornaram obsoletos os monstros da Universal (AYLESWORTH, 1986, p. 76). Já na era atômica, a década de 1950 marcou o cinema de horror com uma série de produções com insetos gigantes e invasores alienígenas. Era mais plausível que os. 28.

(29) 29 monstros dos filmes no pós-guerra viessem de outros planetas ou fossem fruto da mutação radioativa do que provenientes de cemitérios ou castelos em ruínas. Este desenvolvimento do horror é um reflexo do aumento da sensação de desconforto causada no público norte-americano pela guerra fria. As ameaças à segurança da nação não vinham mais da Europa, ambientada em cenários góticos, mas da União Soviética no oriente, adversária na corrida espacial e numa possível guerra nuclear.. Se os filmes são os sonhos da cultura de massa – um crítico de cinema chegou a chamar o ato de assistir a um filme de “sonhar com os olhos abertos” – e se os filmes de horror são os pesadelos da cultura de massa, então muitos desses horrores dos anos 50 expressam o fato de o americano estar encarando a possibilidade de aniquilação nuclear em conseqüência de divergências políticas. (KING, 2003, p. 101). Os avanços tecnológicos também traziam desenvolvimentos não só para o conteúdo dos filmes de horror, mas também para seu veículo, o cinema. Assim, em 1953, House Wax, com Vincent Price, estreava inovando com a tecnologia do cinema em terceira dimensão (3D), que utilizava o uso de três projetores posicionados em diferentes ângulos na sala de exibição, somados ao uso de óculos bicolores pela platéia. Proporcionando a sensação de profundidade na tela e aproximando personagens e objetos dos espectadores. Outro evento marcante para o cinema de horror na década de 1950 foi o surgimento de estúdios especializados na exploração de produções de baixo orçamento. Estes novos estúdios eram amparados por uma lei colocada em vigor pela justiça norteamericana em 1948, que abria o mercado para a produção e distribuição de filmes, até então monopólio dos grandes estúdios de Hollywood (BADDELEY, 2002, p. 58). Dentre os produtores que exploraram o filão dos filmes de horror de baixo orçamento, o mais inventivo foi sem dúvida William Castle. Como não podia arcar com tecnologias. 29.

(30) 30 de alto custo como a terceira dimensão, Castle utilizou diversos truques para assustar a platéia, como um esqueleto de plástico, suspenso por ganchos, que voava sobre o público durante a exibição de A Casa dos Maus Espíritos (1958). Ou mesmo se valendo de assentos equipados com dispositivos elétricos que causavam choques brandos em alguns espectadores nas projeções de Força Diabólica (1959). Ambas as produções traziam Vincent Price como protagonista. Price na década seguinte se consagrou como ator ícone do horror (ao lado de Lugosi e Karloff) ao estrelar uma série de adaptações da obra de Edgar Allan Poe produzidas por Roger Corman. Outro produtor que se beneficiou da abertura do mercado cinematográfico nos Estados Unidos, não menos criativo que Castle, porém relegado à obscuridade durante aquele período, é o diretor Edward D. Wood Jr. Realizador de Bride of the Monster (1956) e Plan 9 From Outer Space (1959). Ed Wood trabalhou com Bela Lugosi no final de sua carreira, dirigindo seus últimos filmes.. As tramas são incoerentes e os roteiros surreais de tão inaptos, as atuações são manifestamente inexpressivas e os cenários são obviamente feitos de papelão. Mas a distinção dúbia de ser rotulado como “o pior filme de todos os tempos” no bem sucedido livro de 1980 The Golden Turkey, colocou Plan 9 – que já alcançara uma improvável reputação de filme Cult – sob os refletores. (BADDELEY, 2002, p. 60). Com as mudanças de comportamento dos adolescentes no pós-guerra, eles se tornaram um problema de Estado a partir da segunda metade da década de 1950. Passaram a fumar, desafiavam os adultos, trocavam carícias no banco traseiro dos automóveis, se referiam aos mais velhos com termos desrespeitosos e logo passaria a ouvir o rock’n’roll para aumentar o confronto entre gerações. Os adolescentes viraram um dos grandes medos da sociedade norte-americana e logo começaram a ser representados como ameaças, não apenas em filmes de horror, mas também em. 30.

(31) 31 produções fora do gênero. Como em O Selvagem (1953), Juventude Transviada (1955) e Sementes da Violência (1955), que logo deram lugar a I Was a Teenage Frankenstein (1957), I Was a Teenage Werewolf (1957) ou Monster on the Campus (1958) (GONÇALO, 2008, p. 173). Na Inglaterra, os monstros da Universal receberiam novas versões no final da década de 1950 pela companhia Hammer Films, que exploraria amplamente o gênero horror durante as décadas de 1960 e 1970. A companhia inglesa, que antes da segunda guerra mundial dedicava-se apenas a distribuição de filmes, passou a produzir filmes ampliando sua participação no mercado nacional. Inicialmente com produções de ação e espionagem a Hammer migrou para o terror e a ficção-científica afim de preencher um espaço desocupado no mercado britânico. O primeiro longa-metragem no gênero horror foi o bem sucedido The Quatermass Xperiment (1955), que obteve uma continuação no ano seguinte e motivou a Hammer Films a investir no gênero. As criaturas da Universal foram revitalizadas, agora com cores e um erotismo inaceitável para os padrões da época em que Lugosi e Karloff brilharam. Primeiramente com The Curse of Frankenstein (1957), seguido por Horror of Dracula (1958), ambos dirigidos por Terrence Fisher. “Os dois filmes arrastaram multidões para as salas de cinema no mundo inteiro e estabeleceram a Hammer como destaque do gênero” (GONÇALO, 2008, p. 174). Tanto Christopher Lee quanto Peter Cushing que protagonizaram ambos os filmes participaram de dezenas de filmes de horror da Hammer nas décadas seguintes e alcançaram um lugar entre os grandes astros do gênero. Lee assumiu o manto de Drácula e enfrentou Cushing, como Van Helsing em algumas das seqüências de Horror of Dracula. Apesar de os anos 1960 já mostrarem consideráveis avanços nas técnicas de maquiagem e efeitos especiais o horror no cinema seguiu uma tendência, que se. 31.

(32) 32 consolidou ao longo da década seguinte, de humanizar seus monstros. Se no início se valia de criaturas sobrenaturais, neste período as ameaças estavam mais próximas do espectador, como em Psicose (1960), de Alfred Hitchcock e Repulsa ao Sexo (1965), de Roman Polanski. Esta tendência se desdobra em um ciclo de filmes de serial-killers nas décadas de 1970 e 1980, gerando franquias de sucesso como O Massacre da Serra Elétrica (1974), Halloween (1978) e Sexta-Feira 13 (1980). Com os avanços nos recursos de maquiagem os anos 1960 também marcam um aumento na violência exibida nas películas do gênero, notadamente Blood Feast (1963), dirigido por Herschell Gordon Lewis, é reconhecido como o primeiro filme gore. “Subgênero do cinema de terror que se caracteriza por seqüencias de clímax de longa duração e extrema violência, mutilações, sangue, vísceras e personagens pouco realistas. Costuma manifestar-se em filmes de baixo orçamento” (RAMOS, 2002, p. 285).. O. termo gore, proveniente da língua inglesa, “significa o sangue derramado, coagulado ou nauseabundo, diferenciando-se de blood, o sangue nobre da vida que circula em nosso corpo” (MATTOS, 2003, p. 62). O filme de horror gore, procura provocar na audiência uma reação violenta de repulsa ao mostrar a simulação de corpos de seres humanos ou animais retalhados e grandes quantidades de sangue. “É um tipo de filme que permite truques espetaculares por um preço muito baixo: bastam espessas camadas de maquiagem, carniças e vísceras de animais, e uma boa provisão de líquido espesso simulando o sangue” (MATTOS, 2003, p. 62). O gore também costuma ser chamado de splatter (no sentido de espirrar ou esparramar sangue) pela crítica norte-americana principalmente. Ao mesmo tempo em que Lewis filmava Blood Feast, José Mojica Marins no Brasil produzia À Meia Noite Levarei Sua Alma (1964). Mojica é reconhecido como precursor do gore, tão em voga nas produções do gênero atualmente, e também como. 32.

(33) 33 pioneiro na abordagem de tabus e temas extremos. O Estranho Mundo de Zé do Caixão (1968), dirigido por Mojica, é citado por sua ousadia gráfica e temática na abertura do livro de Jay Slater (2006, p. 14), Eaten Alive! Italian Cannibal and Zombie Movies. Neste texto Slater faz um levantamento dos predecessores cinematográficos que abordaram o canibalismo, explorado exaustivamente pelo ciclo de filmes de zombies e canibais do terceiro mundo, que ocorreu na Itália na década de 1970 e primeira metade da década de 1980, e cujo mais polêmico expoente é Cannibal Holocaust (1980), de Ruggero Deodato. Com o sucesso de O Bebê de Rosemary (1968), de Roman Polanski, a década de 1970, paralelamente aos serial-killers, coloca o demônio como uma das grandes ameaças, como em O Exorcista (1973), de William Friedkin e A Profecia (1976), de Richard Donner. O filme de Friedkin mostrou que o horror era capaz de atrair o interesse de um público tão grande quanto o de qualquer outro gênero de sucesso nas bilheterias. O Exorcista apareceu e tornou-se um fenômeno social em si mesmo. As filas davam a volta no quarteirão em todas as grandes cidades onde foi exibido, e mesmo nas cidades menores onde as ruas ficavam desertas e a luz dos postes era desligada pontualmente às 19:30, foram realizadas sessões à meia noite. Grupos da igreja fizeram piquetes; sociólogos com seus cachimbos vaticinaram; radialistas leram segmentos da contracapa em seus programas de fim de noite. (KING, 2003, p. 115). Enquanto isso na Inglaterra a Hammer Films entrava em decadência com os filmes sobre Drácula, cada vez mais distantes do texto original de Stoker, transportando o conde vampiro para a atualidade. O estúdio inglês acabou por encerrar suas atividades em 1976. Porém seu concorrente no Reino Unido, o estúdio Amicus, estava produzindo bons exemplos de horror, predominante na forma de antologias que apresentavam várias histórias reunidas num só filme.. 33.

(34) 34 Nos Estados Unidos durante os anos 1980, apesar da crescente evolução em maquiagem e efeitos especiais, de maneira geral o gênero torna-se menos sombrio, substituindo o clima transgressivo e doentio por situações cômicas, como em Um Lobisomem Americano em Londres (1981), dirigido por John Landis, A Hora do Espanto (1985), de Tom Holland e A Volta dos Mortos Vivos (1985), de Dan O’Bannon dentre outros. Misturando serial-killers com elementos sobrenaturais Jason Voorhees e Freddy Krueger de Sexta-Feira 13 (1980) e A Hora do Pesadelo (1984) tornam-se os monstros mais populares da década através de várias seqüências que acabaram condenando os filmes de horror a serem vistos pela crítica, e conseqüentemente pelo público que a tem como referência, como trabalhos sem valor artístico, inconseqüentes e dispensáveis. O tema do serial-killer, iniciado em Psicose (1960) e O Massacre da Serra Elétrica (1974), ganhou tal força entre as décadas de 1970 e 1980 que se tornou um subgênero do horror, o Slasher. As características básicas deste tipo de filme podem se resumidas como “(...) assassinatos em série numa pequena área do interior e adolescentes que são mortos por um monstro no momento em que fazem sexo – o que parece reforçar o sentimento de culpa e o moralismo” (GONÇALO, 2008, p. 179). Dois mercados acabaram por impulsionar a produção deste subgênero do horror, que oferecia grandes margens de lucro para produções realizadas rapidamente e que requeriam baixíssimos orçamentos. Inicialmente o mercado de cinemas drive-ins nos Estados Unidos, que ofereciam sessões de exibição com mais de um filme e numa segunda fase o mercado de videolocadoras que se formava e necessitava de novidades para preencher suas prateleiras. A revolução digital transformou o computador num importante recurso para o terror na década de 1990. Praticamente sobrepondo a computação gráfica às técnicas tradicionais de maquiagem e efeitos especiais na década seguinte. Contraditoriamente,. 34.

(35) 35 outra característica marcante do cinema de horror nos últimos vinte anos é a releitura de obras do gênero, nem tão distantes no tempo, e o retorno a tendências das décadas passadas. Em 1994, Francis Ford Coppola, recria o conde vampiro em Bram’s Stokers Dracula, e a partir daí, num novo ciclo, os monstros da Universal são mais uma vez revisitados e atualizados para uma nova geração. Frankenstein, a Múmia e o Lobisomem vão sendo sucessivamente reinventados e na primeira década do segundo milênio a indústria cinematográfica investe na atualização de diversos sucessos do gênero dos últimos trinta anos. Assim, vão sendo lançados uma série de remakes: O Massacre da Serra Elétrica (2003), A Casa de Cera (2005), A Profecia (2006), Halloween (2007), Sexta-Feira 13 (2009), numa tentativa de revitalizar as antigas franquias. Paralelamente, o cinema norte-americano também passa a realizar remakes de produções de horror européias ou orientais com potencial de sucesso em seu mercado interno. Como no caso do filme japonês Ringu (1998) e na produção espanhola Rec (2007) que ao serem refilmados nos Estados Unidos receberam os títulos de O Chamado (2002) e Quarantine (2008). Nota-se neste período um receio de investir em novidades no gênero. Uma exceção que vale ser citada é A Bruxa de Blair (1999), escrito e dirigido por Daniel Myrick e Eduardo Sánchez. Este filme utiliza uma linguagem narrativa documental, que numa época em que as pessoas carregam câmeras embutidas em aparelhos celulares o tempo todo, passa a ser extremamente atual e aponta para uma nova tendência que pode ser vista em Diary of the Dead (2007), Cloverfield (2008), o já citado Rec (2007) e Paranormal Activity (2009). Talvez o pânico mundial provocado pelo terrorismo neste novo milênio tenha eclipsado o pavor oferecido pelos filmes de horror da mesma maneira que a Segunda Guerra Mundial influenciou o gênero na década de 1940 e acabou fazendo com que. 35.

(36) 36 houvesse uma renovação no pós-guerra. Esperamos que a indústria cinematográfica aposte em novas idéias e que esta renovação também aconteça logo. Para nos próximos anos proporcionar ao público novos “pesadelos da cultura de massa”.. 3. A teoria do horror. Antes de prosseguir no exame do horror ficcional é necessário fazer algumas ponderaçoes sobre o conceito do fantástico, no qual grande parte das obras do gênero horror se inserem. Para Todorov quando eventos não podem ser explicados pelas leis de nosso mundo existem duas opções para tentar entende-los.. Ou se tratam de uma ilusão dos sentidos, de um produto da imaginação e nesse caso as leis do mundo continuam a ser o que são; ou então o acontecimento realmente ocorreu, é parte integrante da realidade, mas nesse caso esta realidade é regida por leis desconhecidas para nós. Ou o diabo é uma ilusão, um ser imaginario; ou então existe realmente. (TODOROV, 1975, p. 30). O fantástico propriamente dito surge da incerteza entre estas opções, ao escolher uma das duas soluções estará se incorrendo em uma das instâncias de sua materialização: o estranho e o maravilhoso. O fantástico estranho ocorre quando se confirma que o evento inusitado trata-se de um produto da imaginação. Já o fantástico maravilhoso acontece quando o fato é confirmado e entende-se que a realidade é regida por leis desconhecidas. Um esquema classificatório semelhante se refere especificamente ao romance gótico do século XIX (CARROLL, 1999, p. 17). O gótico histórico narra uma história ambientada no passado imaginado, não sugerindo qualquer tipo de acontecimento sobrenatural. O gótico natural ou gótico explicado introduz fenômenos sobrenaturais que posteriormente terminam por serem racionalmente explicados (fantástico estranho), 36.

(37) 37 enquanto que no gótico sobrenatural a existência e a ação cruel de forças não-naturais desafiam as leis de nossa realidade (fantástico maravilhoso). Uma quarta categoria é o gótico equívoco que torna ambígua a origem sobrenatural dos eventos narrados por meio de personagens tomadas pela loucura, equivalendo ao fantástico puro. Todorov aponta outras definições para o conceito de fantástico, formuladas por teóricos do século XIX, porém todas acabam incorrendo nas instâncias do estranho e do maravilhoso. Um ponto de vista teórico diferente é o que situa o fantástico no leitor. Lovecraft é citado por Todorov (1975, p. 40) como representante desta tendência que vimos no início deste capítulo quando abordamos o horror na literatura. Assim, para Lovecraft o elemento real para julgar o conto fantástico ocorre em função da intensidade emocional provocada no leitor, que deve incorrer num sentimento de temor diante de mundos e poderes desconhecidos. Todorov se opõe claramente a esta concepção.. É surpreendente, ainda hoje, esses juízos na pena de críticos sérios. Se tomarmos suas declarações literalmente, e que o sentimento de medo deva ser encontrado no leitor, seria preciso deduzir daí (e este é o pensamento de nossos autores?) que o gênero de uma obra depende do sangue-frio do leitor. Procurar o sentimento de medo nas personagens não permite delimitar melhor o gênero: em primeiro lugar, os contos de fada podem ser histórias de medo: como os contos de Perrault (contrariamente ao que deles diz Penzoldt); por outro lado, há narrativas fantásticas nas quais todo medo está ausente: pensemos em textos tão diferentes quanto “A Princesa Brambilla” de Hoffman e “Véra” de Villiers de I’sle-Adam. O medo está freqüentemente ligado ao fantástico, mas não como condição necessária. (TODOROV, 1975, p. 41). Porém o medo é condição necessária para o horror no cinema. “O filme de horror é uma caixa fechada, com uma manivela de um lado, e, em última analise, tudo se reduz à tarefa de girar essa manivela até que o boneco lá dentro pule na nossa cara, segurando seu machado e arreganhando seu sorriso assassino” (KING, 2003, p. 129). A. 37.

(38) 38 comparação com a caixa de surpresa assustadora também é válida para o conto de terror, do qual descende o filme de horror. Assim, quando Lovecraft (1987, p. 05) fala sobre o verdadeiro conto fantástico, devemos entender, de acordo com a distinção estabelecida por Todorov, como se referindo diretamente ao fantástico maravilhoso e mais especificamente ao conto de terror. Ao longo deste trabalho irá se alternar entre as denominações horror e terror para identificar o gênero aqui tratado. Conceituamos ambos os termos como sinônimos, e adotaremos tal procedimento visando tornar mais agradável a leitura desta pesquisa. Tanto o horror está contido na literatura fantástica como o contrário também pode acontecer, mesmo tendo características distintas. Assim, a observação do elemento fantástico no cinema de horror passa a ser um recurso de análise a ser explorado neste estudo, procurando a diferenciação, quando ocorrer o elemento fantástico, entre o estranho e o maravilhoso. A condição da existência de medo no plano emocional da audiência para a concretização do filme de terror se reforça na definição de Ramos (2002, p. 564) que afirma que o gênero “se caracteriza pela utilização de histórias e personagens que pretendem provocar o medo e o susto no espectador”. Estes personagens podem estar à margem das leis naturais (maravilhoso) como mortos-vivos, seres invisíveis ou monstros diabólicos, mas também podem ser realistas como doentes mentais ou mesmo seres humanos sádicos. Desta maneira fica estabelecida uma divisão inicial nas personagens deste gênero, elas podem caracterizar o horror fantástico ou o horror natural (o horror sem o elemento fantástico). O medo é uma emoção primária do ser humano que alcança maior intensidade quando é provocado por algo desconhecido que representa uma ameaça. A função catártica do filme de horror sobre o espectador é muito elevada, devido a liberação de. 38.

Referências

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