• Nenhum resultado encontrado

Encaixotando o vampiro – A personagem Drácula inserida na teoria do

No documento Download/Open (páginas 103-109)

Capítulo II – A PERSONAGEM DRÁCULA

4. Encaixotando o vampiro – A personagem Drácula inserida na teoria do

Para finalizar este capítulo centrado na personagem Drácula, vamos examiná-la a partir dos elementos conceituais próprios do gênero horror, estabelecidos no quadro teórico apresentado no primeiro capítulo deste estudo. Assim, analisaremos a personagem Drácula, tomando como referência central a versão fílmica de 1931, quanto: a presença do elemento fantástico e sua instância; a intenção em buscar o horror artístico; a materialização do horror explícito e sua classificação; os arquétipos do

gênero horror; a questão do mal interior; o subtexto da narrativa fílmica; as condições de produção na indústria cinematográfica; a resposta emocional das personagens positivas; a classificação como monstro impuro e a estrutura de enredo.

A presença do elemento fantástico em Drácula é intrínseca ao personagem, acontece na maioria das adaptações do romance de Stoker e evidentemente ocorre na versão cinematográfica de 1931. Como já foi dito anteriormente o filme estrelado por Bela Lugosi e dirigido por Tod Browning foi a primeira incursão de Hollywood no sobrenatural. Caracterizado de acordo com a instância do fantástico maravilhoso, já que o vampiro se trata de uma força não-natural que desafia o conceito da nossa realidade, contrastando com o filme de vampiros, anteriormente dirigido por Browning, London After Midnight, com Lon Chaney. Neste caso o vampiro era na verdade um disfarce para provocar a confissão do real criminoso, exemplo perfeito do fantástico estranho, onde o inexplicável se revela como uma ocorrência natural do nosso mundo. Ambas as instâncias do fantástico, estranho e maravilhoso, são comuns no cinema, em contrapartida exemplos do fantástico puro (formado pela hesitação entre o estranho e o maravilhoso) são menos freqüentes. Apenas para ilustrar esta instância, podemos citar a Bruxa de Blair (1999) como um exemplo contemporâneo do puro fantástico no cinema de horror.

A intenção dos realizadores de Dracula (1931) em provocar a emoção do horror artístico na audiência é obviamente constatada pela reação da platéia ao assistir o filme na época de seu lançamento. Como nas apresentações teatrais desmaios eram freqüentes nas salas de cinema durante a projeção do filme. Outra consideração relevante é que Drácula é uma personagem extremamente influente no gênero horror, ao qual corresponde como um símbolo perfeitamente reconhecível. Outro indício da busca pela resposta emocional do horror artístico no público, ponto chave para a inclusão do filme

no gênero, encontra-se na resposta emocional das personagens humanas frente ao conde Drácula. Apesar de inicialmente seduzidos ou impressionados pela imagem aristocrática do vampiro, que aparentemente se porta como um cavalheiro, as personagens positivas manifestam horror e repugnância ao constatarem com quem realmente estão lidando, não mais conseguindo reagir ao conde com naturalidade.

O horror explícito em Dracula (1931) opera nos três níveis, mas a maior parte do tempo se alterna entre o horror explícito em si e o horror refinado. A seqüência em que Harker viaja até o castelo de Drácula e inclusive sua estadia lá sugere muitos elementos de horror que não vemos. Os ataques de Drácula efetivamente também não são vistos bem como suas presas, em acordo com os padrões de censura vigentes na época. Porém temos alguns momentos de repulsa que ocorrem logo no início, como as tomadas que mostram o ambiente macabro em que repousam Drácula e as outras vampiras, com caixões, ratazanas, tatus e aranhas. Entretanto, se considerarmos qual o nível em que a imagem pública da personagem Drácula se encaixa no horror explícito, definitivamente não se trata do horror explícito refinado. Apesar dos aspectos de sedução da personagem se intensificar ao longo das diferentes adaptações que ela sofreu ao longo do século XX, sua ferocidade e características horríficas, como os olhos vermelhos, as presas afiadas, a metamorfose em morcego, também cresceram proporcionalmente. Assim podemos dizer que a personagem Drácula opera no nível do horror explícito em si, já que seus traços sedutores e humanizados acabam por equilibrar suas características repugnantes.

No quadro teórico proposto no primeiro capítulo, Drácula é propriamente um arquétipo do gênero horror, juntamente com a coisa inominável, o lobisomem, o fantasma e o lugar ruim. Não restando dúvidas quanto a sua posição nesta categoria de análise, o arquétipo do vampiro. Como vimos o mal personificado em Drácula, um

vampiro não-natural, não se origina de nenhum ato humano, é totalmente exterior às personagens positivas. Sendo esta uma das características do arquétipo do vampiro, a exteriorização do mal. A segunda característica relevante e latente, a violação sexual, simbolizada pelo ato vampírico de chupar o sangue da vítima, também já foi satisfatoriamente reconhecida quando abordamos especificamente este arquétipo.

O subtexto do romance de Stoker está intrinsecamente ligado ao próprio arquétipo do vampiro e a época e o local em que foi escrito, a Inglaterra do fim do século XIX, uma sociedade extremamente moralista, principalmente se tratando de sexualidade. Porém, um fator importante ao examinar sua primeira adaptação oficial para o cinema é que os Estados Unidos viviam a grande depressão na época de sua realização. Além da leitura da sexualidade simbolizada pelo vampirismo, que pode ser feita em outros ciclos de horror (como relacionada com a AIDS nos anos 1980), também podemos observar como uma fuga para a situação caótica pela qual passava a sociedade norte-americana. Principalmente se notarmos que este filme originou todo um ciclo de filmes de horror nas décadas de 1930 e 1940. Uma espécie de reflexo invertido para os problemas naturais da sociedade, projetados na tela como uma ameaça exterior não-natural. Também podemos observar a antecipação de sentimentos xenófobos que viriam a se evidenciar na década seguinte. Drácula, causador do mal, vem de terras distantes e a única maneira de lidar com ele é através de sua destruição.

Quanto às condições de realização dentro da indústria cinematográfica estabelecemos dois pólos distintos, as produções A e B dos grandes estúdios em oposição às produções independentes de pequenas companhias muitas vezes associadas ao exploitation. O filme Dracula (1931) se encaixa no primeiro pólo. Apesar da Universal também ter sido afetada pela crise econômica era um estúdio respeitado, de prestígio no mercado, e com um sistema de distribuição funcional. A produção de

Dracula envolveu a compra dos direitos de um romance popular e era apoiada no sucesso da adaptação teatral. A Universal estava investindo em um produto de provável sucesso e lançou mão de todos os recursos disponíveis, inclusive a novidade do som, para realizar o filme, e por fim acabou lançando três versões de Dracula para alcançar um público maior: a versão tradicional aqui analisada, a versão com o elenco latino e falada em espanhol e a versão muda com letreiros. Contrariando a postura corrente deste pólo da indústria, que costuma frear a ousadia frente aos riscos dos altos investimentos requeridos pelas suas produções, a Universal foi muito ousada ao levar às telas o elemento sobrenatural e oferecer o horror artístico às massas.

Sendo um vampiro, Drácula automaticamente preenche as qualidades impuras dos monstros criados pela fusão. Ele é uma criatura que une elementos de duas categorias diferentes, é um morto-vivo, um ser impuro causador de repulsa. Um amálgama de duas categorias conflitantes num ser integral num tempo contínuo. A metonímia horrífica também se aplica neste caso, já que Drácula é associado a objetos macabros e animais repelentes para acentuar sua impureza e provocar a repulsa disfarçada pela figura humanizada do cavalheiro.

Do mesmo modo que a personagem Drácula é ela mesma um dos arquétipos dos monstros de horror, o roteiro do filme dirigido por Browning corresponde perfeitamente a uma das estruturas de enredo matrizes que examinamos, o enredo de descobrimento complexo. Logo no início somos apresentados ao conde e a ameaça que representa nas seqüências no castelo na Transilvânia. A irrupção se dá com os ataques de Drácula a Lucy e o estranho comportamento dela. Van Helsing encarna a essência da figura do descobridor. É o antagonista ideal para o vampiro, um homem da ciência capaz de usar a razão humana para combater forças externas não-naturais. Durante os movimentos de descobrimento e confirmação (ainda é preciso convencer a família de Lucy de que se

trata de um vampiro para poder proteger a jovem) Van Helsing discursa sobre a ameaça do vampiro e os meios para reconhecê-lo e conseqüentemente o destruírem. Ação que logo se segue no movimento de confronto, restaurando a normalidade. A relação com o desconhecido neste caso e na maioria dos casos do enredo de descobrimento complexo está sintetizada na fala de Van Helsing quando alerta para o poder dos vampiros estar no fato das pessoas não acreditarem neles. As histórias nesta estrutura de enredo geralmente apresentam uma visão que ataca o pensamento rígido, sugerindo que a recusa em admitir a existência de elementos desconhecidos para a nossa realidade é um erro grave.

Concluímos este capítulo com um paradigma sólido da personagem de horror, correspondendo plenamente aos conceitos aplicados e permitindo a comparação com a personagem Zé do Caixão a partir de uma ótica apropriada ao gênero narrativo a que pertencem.

No documento Download/Open (páginas 103-109)