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3.1 CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

3.1.2 A teoria socio-histórica-cultural

A abordagem da autopoiesis – (re)construção de si próprio, de Maturana e Varela, encontra intersecção em Vigotski, que compreende a relação entre indivíduo e objeto no processo de construção do conhecimento, no qual o indivíduo não é apenas passivo, regulado por forças externas que o vão moldando; e não é somente ativo, regulado por forças internas; ele é inter-ativo.

Outro ponto em comum gira em torno da visão de que o conhecimento se constrói a partir da interação social, que também é observada na teoria sócio-histórico-cultural de Vigotski (2007). De acordo com ela, a origem das mudanças que ocorrem no homem, ao longo do seu desenvolvimento, está vinculada às interações que sucedem entre o indivíduo e a sociedade, a cultura e a sua história de vida, além das oportunidades e situações de aprendizagem, que promovem este desenvolvimento, ponderando acerca das várias representações de signo, instrumento, cultura e história, propiciando o desenvolvimento das funções mentais superiores, como é o caso da linguagem, através da mediação. Essa mediação corresponde à relação entre os instrumentos que são o auxílio nas ações concretas, externas e os signos que tem a função de auxiliar a construção do pensamento (SALES, 2013).

A linguagem, para Vigostki, não é somente um instrumento de comunicação, é também responsável pela formulação dos conceitos, permitindo, ao homem, abstrair e generalizar a realidade, através de atividades mentais complexas, que envolvem um conjunto de elementos ligados por um nexo.

A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o processo não pode ser reduzido à atenção, à associação, à formação de imagens, à inferência ou às tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução do problema que enfrentamos. (VIGOTSKI, 2008, p. 72-73).

Isso significa que algumas das categorias de funções mentais superiores (tais como atenção voluntária, memória lógica, pensamento verbal e conceitual, emoções complexas, pensamento divergente, dentre outras) não poderiam se estabelecer sem a contribuição construtora das interações sociais.

Para Vigotski (2008), a função primordial da fala – instrumento da linguagem – é a comunicação, o intercâmbio social. Para ele, “o curso do desenvolvimento do pensamento não vai do individual para o socializado, mas do social para o individual” (p. 24),

contrariando tanto a abordagem behaviorista de Skinner, por exemplo, quanto a piagetiana. É no significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal, e é onde se encontram as respostas entre o pensamento e a fala.

O pensamento verbal não é uma forma de comportamento natural e inata, mas é determinado por um processo histórico-cultural e tem propriedades e leis específicas que não podem ser encontradas nas formas naturais de pensamento e fala. Uma vez admitido o caráter histórico do pensamento verbal, devemos considerá-lo sujeito a todas as premissas do materialismo histórico, que são válidas para qualquer fenômeno histórico na sociedade humana. Espera-se apenas que, neste nível, o desenvolvimento do comportamento seja regido essencialmente pelas leis gerais da evolução histórica da sociedade humana. (VIGOTSKI, 2008, p. 63).

Ou seja, as palavras desempenham um papel não apenas no desenvolvimento do pensamento, mas também na evolução histórica da consciência de forma mais ampla.

Vale destacar que uma palavra não se refere a um objeto isolado, mas a um conjunto deles, considerando que cada palavra se revela como generalização de conceitos, construída a partir da interação do indivíduo com o mundo.

A generalização é um ato verbal de pensamento e reflete a realidade de modo bem diverso daquele da sensação e da percepção. Essa diferença está implícita na proposição segunda a qual há um salto dialético não apenas entre a total ausência da consciência (na matéria inanimada) e a sensação, mas também entre a sensação e o pensamento. Tudo leva a crer que a distinção qualitativa entre a sensação e o pensamento seja a presença, nesse último, de um reflexo generalizado da realidade, que é também a essência do significado da palavra; e, consequentemente, que o significado é um ato de pensamento, no sentido pleno do termo. (VIGOTSKI, 2008, p. 6-7).

A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, que envolvem todas as funções intelectuais básicas, mas não pode ser reduzido a elas, pois são insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como o meio à condução das operações mentais superiores. Um conceito, mais que a soma de certas conexões associativas formadas pela memória, é um ato real e complexo de pensamento que não pode ser ensinado por meio de treinamento, podendo somente ser realizado a partir do desenvolvimento do indivíduo que perpassa pelas interações sociais ao longo da vida.

Essa capacidade de generalizar e abstrair liberta os indivíduos dos limites da experiência concreta. Por outro lado, a função de generalização garante a comunicação entre pessoas, e o entendimento pode ocorrer, pois se mantém preservada a característica essencial do objeto observado.

O problema do pensamento e da linguagem estende-se, portanto, como afirma Vigotski, para além dos limites da ciência natural e torna-se o problema central da psicologia humana histórica, isto é, da psicologia social. Por isso, segundo Vigotski, para o

desenvolvimento do indivíduo, as interações com o ‘Outro social’ através da mediação são, além de necessárias, fundamentais (MICHINEL, 2001). Considerando que são os indivíduos que carregam consigo as mensagens de sua própria cultura, é na interação social, no compartilhamento de informações, práticas e percepções que essa cultura se reconstrói e se solidifica. Nesta interação, o papel essencial, mas não restritivo, corresponde aos signos, aos diferentes sistemas semióticos, viabilizando ou mesmo impedindo a comunicação, e, por isso, funcionam como instrumentos de organização e de controle do comportamento individual inserido no meio, no coletivo.

A interação social é uma ação mutuamente orientada entre dois ou mais indivíduos em contato, que, para Vigotski (2007), ocorre mediada pela linguagem. Nesse movimento, o comportamento dos indivíduos envolvidos é modificado, como resultado do contato e da comunicação que se estabelece. É dessa forma, portanto, que o ser humano se constitui como tal. Retomando Maturana (2008) que considera o ato de conhecer condição de existência para o ser vivente: “conhecer é condição de vida na manutenção da interação ou acoplamentos integrativos com os outros indivíduos e com o meio” (p. 8), pode-se afirmar que nossa sobrevivência como espécie humana depende do convívio social.

Vigotski (2007), ao explicitar a importância do ‘Outro social’ no desenvolvimento dos indivíduos e ao estabelecer ideias sobre a relação entre aprendizado e desenvolvimento elabora três conceitos fundamentais para sua teoria que são os Níveis de Desenvolvimento Real e Potencial e a Zona de Desenvolvimento Proximal.

O significado do Nível de Desenvolvimento Real na teoria sócio-histórico-cultural é a capacidade do indivíduo de realizar tarefas de forma independente, baseado nas estruturas de conhecimento das quais já dispõe como suas, podendo utilizar-se delas quando achar necessário, a sua maneira. Já a Zona de Desenvolvimento Proximal, é a distância entre o nível de desenvolvimento real e o Nível de Desenvolvimento Potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. A Zona de Desenvolvimento Proximal define as funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, que amadurecerão, mas que ainda estão em estado embrionário. Enquanto que o Nível de Desenvolvimento Real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, a Zona de Desenvolvimento Proximal o caracteriza de forma prospectiva.

Em outras palavras, pode-se dizer que na Zona de Desenvolvimento Proximal reside a capacidade do indivíduo para desempenhar tarefas com a ajuda do Outro social ‘mais experiente’, que facilita o acesso a um conhecimento pelo qual percorrem um determinado

caminho, a fim de torná-lo seu. É o que Castoriadis (2000) entende como construção da autonomia.

A autonomia é minha lei, oposta à regulação pelo inconsciente que é uma outra lei, a lei de outro que não eu. (p. 123-124).

[...]

a autonomia não é eliminação pura e simples do discurso do outro, e sim elaboração desse discurso, onde o outro não é material indiferente porém conta

para o conteúdo do que ele diz, que uma ação inter-subjetiva é possível e que não está fadada a permanecer inútil ou a violar por sua simples existência o que estabelece como seu princípio. (p. 129, grifo nosso).

O Nível de Desenvolvimento Potencial, segundo Vigotski, é o lugar ao qual se pretende chegar. É o conhecimento a ser construído, conquistado. O dinamismo que ocorre nesse processo de aquisição e construção do conhecimento é outro fato marcante nessa teoria. Isso é percebido quando o Nível de Desenvolvimento Potencial (virtual) se transforma em Real, a partir do momento em que nova percepção construída passa a ser disponibilizada em novas situações, que podem em nada ter de semelhante às situações do passado, quando ocorreram essas reflexões, e agora pode utilizar-se delas a sua maneira, quando considerar que lhe é conveniente, sem se prender a regras pré-estabelecidas, tendo liberdade de pensamento e ação.

A partir da concepção de desenvolvimento do indivíduo, apresentada por Vigotski, observa-se o quanto a aprendizagem interativa, compartilhada e dialogada, mediada pela linguagem, permite o seu desenvolvimento. O caráter interativo e comunicativo do processo de construção do conhecimento promove o seu desenvolvimento, no qual a mediação e a interação contribuem e interferem na qualidade do processo. É, então, o aprendizado que possibilita o despertar de processos internos do desenvolvimento do indivíduo, que são capazes de operar somente quando há interação entre indivíduos em seu ambiente e quando estes estão em colaboração. Ou seja, é o aprendizagem que efetiva a ligação entre o desenvolvimento do indivíduo e sua relação com o ambiente sociocultural em que vive e a outros indivíduos que o cercam. Uma vez internalizados, esses novos processos se tornam parte do Desenvolvimento Real.

Desse ponto de vista, aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas. (VIGOTSKI, 2007, p. 103).

Na teoria de Vigotski, todo aprendizado passa pela compreensão do que se insere na Zona de Desenvolvimento Proximal, por parte dos indivíduos envolvidos no processo de

aprendizagem, seja os que ‘ensinam’, seja os que ‘aprendem’. Portanto, torna-se crucial identificar o mecanismo adequado para possibilitar que os que ‘aprendem’ consigam de forma eficiente identificar o que sabem; despertar o desejo de ir de encontro ao novo, causando o ‘espanto’ criativo; reelaborar o que sabem, dialeticamente; e com isso gerar um aprendizado eficiente, embuído de novos símbolos, novos signos e novos significados.

3.2 CIBERCULTURA: ENTREMEIO DA CONSTRUÇÃO E DA

DIFUSÃO DO CONHECIMENTO

As transformações no nosso mundo que caracterizam o final do século XX e início do século XXI afetaram e continuam a afetar o modo de ser, saber, fazer e con-viver das pessoas e organizações. Segundo as ideias de Tofler (1980), Dyson e outros (1994), Winner (1997), Stewart (1998) e de Castells (2000, 2007, 2009), estamos saindo da Era Industrial e entrando na Era da Informação, ou como alguns consideram, na Era do Conhecimento; ou até mesmo, em razão do modo como interagimos e como construímos conhecimento em rede, talvez estejamos na Era da Aprendizagem. Para alguns desses autores, a exemplo, de Tofler, são muitos os benefícios que esse modo de vivenciar e compreender o mundo trazidos para a sociedade, opinião não compartilhada por Winner e Castells, por exemplo, que fazem a análise sociológica do impactos dos novos artefatos e mídias frente à vida das pessoas.

Duarte (2003) considera que a perspectiva de que estamos vivendo na sociedade da informação, do conhecimento ou da aprendizagem, não importando qual seja a denominação, mas tendo essa sociedade um viés democrático com acessibilidade à informação por parte de todos, em qualquer lugar, trata-se de atitude idealista pós- modernista. O autor reconhece que o capitalismo atual está se modificando, contudo não significa que sua essência tenha se alterado e que estamos vivendo em uma sociedade radicalmente nova, podemos ser redenominada seja como Sociedade do Conhecimento, Sociedade da Informação ou Sociedade da Aprendizagem. Na opinião do autor, a moção para fazer surgir a ideia de nova sociedade é uma reprodução ideológica do capitalismo, ou seja, para ele, trata-se de mera ilusão e de artifício para enfraquecer a luta pela superação do capitalismo, gerando a crença de que essa luta teria sido superada pela preocupação com outras questões mais atuais.

Sem entrar no mérito da questão entre realismo, pessimismo ou excesso de otimismo, não se pode deixar de perceber que vêm surgindo novas atividades econômicas, sobretudo na área de serviços, o que potencializou a importância destinada às informações e à construção e difusão do conhecimento.

A transformação digital de surpreendente quantidade de artefatos vem intervindo nas práticas sociais, especialmente nas relações entre as pessoas. Para Winner (1997), este movimento provoca mudanças nas formas culturais preexistentes, fazendo com que essas percam sua forma original para uma expressão computadorizada. O autor afirma que esse processo é muito abrangente e complexo, atingindo muitos aspectos e instâncias ainda não totalmente compreendidas, tais como os conceitos de ciberespaço e cibercultura.

O termo ciberespaço, apresentado por Gibson (1984), designa, originalmente, o espaço de realidade virtual baseada em dispositivos e sistemas computacionais. A ‘virtualização’ da realidade que se refere Gibson constitui uma simulação criada por meios eletrônicos, como algo possível, factível, mas sem efeito real a princípio. A partir da popularização da Internet, iniciada em meados da década de 1990, com a vivência intensa do ciberespaço por partes das pessoas, essa noção de virtual foi se modificando. Assim, não se pode mais, atualmente, considerar o que é vivido no ciberespaço como virtual ou potência de real, distinto de atual, como define Deleuze (CRAIA, 2009), pois o que é vivido no ciberespaço não é uma simulação, não está por se tornar real e não tem qualquer coisa de irreal.

Do conceito de ciberespaço, derivaram-se outros como cibercultura, que abrange os fenômenos relacionados ao ciberespaço, ou seja, os fenômenos associados às formas de comunicação, aprendizagem e trabalho mediadas por computadores conectados à web, porém não somente. Por conseguinte, potencialmente – vale ressaltar, o ciberespaço pode servir como mola propulsora da trans-formação do indivíduo e do coletivo, sob os aspectos cognitivos, sociais e culturais, tornando-o interativo responsável pela trans-formação de seu contexto, estimulando o pensamento divergente, a motivação, a flexibilidade, a autonomia, a criatividade e a inovação.

Neste sentido, Escobar (1994) afirma que a cibercultura tem como pano de fundo as tecnologias relacionadas à comunicação digital, à realidade virtual e à biotecnologia. Essa perspectiva faz com que a cibercultura seja considerada a partir da perspectiva da análise da tecnologia, passando a abranger fenômenos associados às tecnologias de ponta e à chamada tecnologia intelectual engendrada pelo computador, abordagem que se alinha com as ideias de Tofler (1980), mas muito criticada por Winner (1997). O que o autor critica é o

determinismo tecnológico generalizado, beirando a apologia aos ‘novos’ artefatos e modo de vida trazidos pelo que Tofler chama de Terceira Onda. Winner diz que, para os seguidores da Terceira Onda, o dinamismo da tecnologia digital é o nosso único destino, e que não há tempo para fazer pausa ou reflexão, posição essa que ele rejeita. Enormes proezas de rápida adaptação são exigidas de todos para responder às exigências que as tecnologias de informação e comunicação inauguram a cada dia; é como se aqueles que não conseguem acompanhar a evolução da tecnologia estão fadados ao esquecimento e ao fracasso. Isso, na visão do autor, é, no mínimo, cruel e não necessariamente real.

É fato que as relações pessoais e profissionais se tornaram mais complexas e mais dinâmicas atualmente, porém, como alerta Winner (1997), é possível ainda manter um ritmo menos acelerado, mesmo porque viver constantemente correndo contra o tempo faz com que haja perda da saúde física e mental, forçando uma parada não planejada. Essa polêmica em torno da existência ou não de benefícios da cibercultura para a sociedade não está restrita somente ao campo científico. As incertezas provocadas por essa polêmica dificulta o entendimento comum sobre os limites e possibilidades de utilização dos artefatos e mídias vinculados à cibercultura nas relações sociais e de trabalho, gerando preconceitos tanto por aqueles que colocam a cibercultura como base para seu modo de ser, conviver e fazer, quanto por aqueles que a rejeitam ou a olham com desconfiança tal como se fosse algo que possa lhes trazer algum mal.

O prognóstico apontado por Dyson e outros, incluindo Tofler, em um manifesto publicado em 1994, intitulado Cyberspace and the American Dream: a Magna Carta for the

Knowledge Age, predizia que haveria um mundo mais democrático e justo, em razão das

tecnologias de informação e comunicação, contudo isso ainda não se confirmou, como alerta Winner (DYSON, 1994). Ao contrário, como diz Castells (2008), é crescente a estratificação social entre os usuários dessas tecnologias, restringindo o acesso à informação àqueles com tempo e dinheiro, mas também às diferenças culturais/educacionais que são, na visão do autor, decisivas no uso da interação para o proveito de cada usuário. Castells completa dizendo que: “[…] a informação sobre o que procurar e o conhecimento sobre como usar a mensagem será essencial para se conhecer verdadeiramente um sistema diferente da mídia de massa personalizada […]” (p. 457). Para ele, no futuro haverá “[…] duas populações essencialmente distintas: a interagente e a receptora da interação, ou seja, aqueles capazes de selecionar seus circuitos multidirecionais de comunicação e os que recebem um número restrito de opções pré-empacotadas […]” (p. 457-458). A experiência em espaços de formação e de trabalho mostra que a preocupação de Winner e de Castells vai além de

reflexão teórica, pois a diferença encontrada no modo como as pessoas interagem com e através das tecnologias computacionais conectadas à web interfere sobremaneira na dinâmica de construção do conhecimento individual e coletiva. É justamente neste aspecto que incidirá parte da análise neste trabalho: buscar identificar os porquês do ser interagente e do ser receptor.

A cibercultura, portanto, extrapola os limites do uso puro e simples de recursos computacionais baseados na web, indo além do espaço que a potencializa – o ciberespaço. É necessário localizá-la tal como ela é, como uma cultura. Então, considerando que cultura, na perspectiva antropológica, abrange um complexo de elementos indo desde o conhecimento, até às crenças, valores, noções de ética e moral, estabelecendo um conjunto de padrões de comportamento e costumes que distinguem um grupo social (HOUAISS; VILLAR, 2009), a cibercultura interfere na vida de todos, influenciando o modo de ser, saber, fazer, e conviver das pessoas, em especial para aqueles que nasceram quando a Internet já fazia parte do cotidiano comum. Estes, também conhecidos como nativos digitais, naturalmente, demandam interagir/aprender/saber tal como percebem o mundo. Para eles, a cibercultura interfere na convivência familiar, nas relações e fazeres no trabalho, na disseminação de crenças, nas interações sociais etc. Enfim, a cibercultura está entre/intra/inter nós, mas não, é claro, como única cultura, hegemônica, mas certamente a que está em evidência no momento.

A emergência da cibercultura vem provocando mudanças radicais no imaginário humano, transformando a natureza das relações dos seres humanos com a tecnologia e entre si. Lévy (1990) defende a inter-relação muito próxima entre subjetividade e tecnologia, demonstrada pela evolução histórica da humanidade, que vem provocando mudanças nessas relações, e culmina no movimento social e cultural do ciberespaço. Esse movimento interfere de forma determinante no modo de pensar, ser, aprender e agir dos humanos, na medida em que fornece referenciais que modelam sua forma de representar e interagir com o mundo.

De certa forma, o imaginário humano tem estado atrelado à tecnologia, e não podemos pensá-la dissociada da sociedade, como um elemento isolável, mas sim como algo que influencia as formas de sociabilidade. Lemos (2003, p. 15) alerta que não se trata de “substituição de formas estabelecidas de relação social (face a face, telefone, correio, espaço público físico), mas do surgimento de novas relações mediadas”.

Ainda inseridos no contexto da linearidade monomidiática instaurada pela escrita, que molda a racionalidade, vê-se emergir, a partir do surgimento das mídias e artefatos

computacionais móveis, uma nova maneira de ver, de ser e estar no mundo. Como diz Lévy (1995, 1999), estamos em meio a uma época limítrofe, na qual a antiga ordem das representações e dos saberes oscila para dar lugar a imaginários, modos de conhecimento e estilos de regulação social ainda pouco estabilizados e, portanto, incompreendidos. O que se vê é que as tecnologias computacionais estão provocando a emersão de uma modalidade de pensamento eminentemente imagético, divergente e desterritorializado, trazendo à tona