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O ensino a distância é uma estratégia desenvolvida para ampliar a capilaridade da oferta à educação, proporcionando a difusão do conhecimento na sociedade e atenuando a injusta exclusão social. Em termos legais, no Brasil, os cursos ofertados seguindo essa estratégia são enquadrados na modalidade de ensino denominada educação a distância. Essa modalidade de ensino prevê que a mediação didático-pedagógica ocorra prioritariamente com a utilização de recursos computacionais conectados à Internet ou não. Com isso, as atividades educativas são desenvolvidas em tempo e lugares diversos, visto que professores e estudantes estão geograficamente dispersos.

Infelizmente, parece que a referência ao termo ‘distância’ produz um efeito negativo no imaginário coletivo, gerando o preconceito de que não é possível garantir o aprendizado do estudante estando este distante do professor, o que não procede, pois não é a distância geográfica que provoca distância efetiva entre o professor e o estudante. Talvez o erro esteja na determinação de uma diferenciação entre educação a distância e educação presencial, em tom de oposição e não de complementação. Essa diferenciação é reforçada pela utilização frequente da sigla ‘EaD’ para se referir a cursos ofertados na modalidade a distância, por

exemplo: Curso de Licenciatura em Computação EaD. Tal denominação sugere que se trata de uma educação aligeirada, de má qualidade, e que demanda quantidade menor de recursos, o que gera uma compreensão equivocada, embasada em ideias preconcebidas pelo senso comum, e reflete, infelizmente, na prática administrativa e pedagógica da educação a distância, na maior parte dos casos27.

Assim, é comum a falta de planejamento adequado às características do ensino nessa modalidade, o que culmina no mau dimensionamento dos custos, na pouca ou nenhuma preparação dos profissionais que medeiam o aprendizado, seja por falta de conhecimento no uso dos recursos computacionais ou por falta de fundamentação teórica, e na precariedade da infraestrutura de acesso aos recursos didáticos. Esse frágil planejamento, associado à falta de critérios e estrutura de avaliação formal desses cursos, acaba por gerar diversos dos problemas enfrentados na execução de cursos; parte desses problemas está relacionada com aspectos pedagógicos. É corriqueiro ouvir queixas dos estudantes matriculados em cursos dessa natureza em relação à ‘ausência’ dos professores. Eles declaram que os professores demonstram falta de atenção aos seus questionamentos ou contribuições, levando dias às vezes para respondê-los, quando os respondem. O estímulo aos estudos e ao autodesenvolvimento costuma ser realizado de forma mecanizada, através de mensagens genéricas destinadas a toda a turma, e raramente ocorrem contatos individualizados. O tratamento generalizado de estudantes não é uma prerrogativa da educação a distância. Na educação presencial tradicional, a atuação do docente dificilmente ocorre de forma individualizada, considerando a quantidade de estudantes de cada turma e do número de turmas que o docente se responsabiliza em cada período. Entretanto, com o desenvolvimento da autonomia na aprendizagem, é possível vencer tais obstáculos com o uso de estratégias pedagógicas inovadoras.

A percepção da qualidade do ensino, independente da forma, meio e tempo em que é ofertado, está relacionada com a organização pedagógica da gestão e participação, a efetividade do processo de ensino-apredizagem, as pessoas envolvidas, o engajamento delas, a cultura, e o contexto em que se insere a organização responsável pelo curso. Eliasquevici e Prado Junior (2008) apresenta uma síntese das possíveis razões, organizada por categorias, dos problemas, dificuldades e resistências das pessoas perante a educação a distância (cf. Quadro 2.1).

27 Em razão do exposto neste parágrafo e no decorrer de todo o texto, nesta tese, por orientação política, a

Quadro 2.1 – Problemas, dificuldades e resistências relativas à educação a distância

Categorias Possíveis razões

Divergências e objetivos

− Desconhecimento dos conceitos, características, funcionamento, limites e possibilidades da educação a distância;

− Interesses particulares se contrapondo à realização dos objetivos organizacionais; − Distanciamento entre a equipe operacional que percebe a necessidade de mudança e o desejo daqueles que podem decidir por essa e viabilizá-la;

− Ausência de visão compartilhada sobre educação a distância na organização e fora dela.

Metodológicas

− Ausência de aferição das reais contribuições para o aprendizado e para a vida; − Barreiras linguísticas e culturais;

− Crença no autoditatismo;

− Transição direta, sem as adaptações necessárias da modalidade presencial para a distância; − Visão restritiva de critérios de avaliação, limitados à aferição de taxas de evasão,

conclusão e aprovação para auxiliar na compreensão do fracasso ou sucesso de um curso; − Aumento na carga de trabalho docente, que ainda não está preparado adequadamente para tal.

Políticas e planejamento

− Utilização de modelos antigos para desenvolver novas políticas; − Ausência ou precariedade de suporte computacional;

− Questões de propriedade intelectual sobre o material didático;

− Competitividade entre cursos presenciais e a distância na mesma instituição; − Inexistência de critérios e indicadores avaliação sistemática dos projetos; − Dispersão geográfica;

− Restrições orçamentárias;

− Desconhecimento da demanda e do público-alvo;

− Ausência de profissionais devidamente preparados para atuar na educação a distância.

Comportamento, atitudes e preconceitos

− Exigência de mudança de hábitos e posturas; − Cibercultura ainda em desenvolvimento;

− Ausência de prestígio profissional para os que concluem os cursos a distância, revelando preconceito por parte do mercado de trabalho;

− Descrença da qualidade potencial da educação a distância da parte dos tomadores de decisão nas organizações de ensino;

− Resistência dos professores, sobretudo os universitários, perante a substituição de uma estrutura já conhecida por outra, ainda gera desconfiança.

Tecnológicas

− Pouca familiaridade com o uso dos recursos computacionais necessários; − Aplicação inadequada desses recursos;

− Pouca utilização de objetos de aprendizagem mais sofisticados, limitando o material didático a textos muitas vezes lineares;

− Limitação do uso da Internet em face da infraestrutura existente, possuindo um caráter elitista.

Fonte: Adaptado de Eliasqueci e Prado Junior (2008).

Conhecer os problemas listados no Quadro 2.1, permite elaborar estratégias para eliminar ou minimizar os efeitos negativos que tais problemas nos projetos de educação a distância, ajudando a assegurar a qualidade da formação. Moore e Kearsley (2007) defendem que assegurar a qualidade é uma das principais funções dos gestores de um curso. Logo, somente com o planejamento adequado é que se podem ultrapassar os obstáculos que se apresentam.

As tecnologias baseadas na web contribuíram sobremaneira para o desenvolvimento da educação a distância, pois boa parte das barreiras até então apontadas que dificultavam os processos de aprendizagem nessa modalidade vem sendo vencidas, embora haja muitas

outras barreiras a transpor, tais como as mencionadas no Quadro 2.1. Uma delas é a ausência de compreensão da dinâmica de ensino-aprendizagem por parte dos seus atores, o que explica em parte a alta evasão. Há muitas pesquisas, sobretudo sobre metodologias para o ensino a distância, perpassando pela maior autonomia do estudante, condição sine qua non para superar os modelos instrucionais e behavioristas (SANTOS, 2003; SILVA, 2011; SALES, 2013). Tais pesquisas têm demonstrado a necessidade de uma prática pedagógica que não privilegie apenas a aquisição de conteúdos curriculares, como tem acontecido na maioria das instituições de ensino e, de forma mais intensa, em cursos da modalidade a distância.

Na educação a distância, docentes e estudantes estão geograficamente dispersos, e por isso precisam estar interligados de algum modo para vencer barreiras de espaço e tempo, e também de paradigmas, como é o caso da necessidade de autonomia do ato de aprender. Uma alternativa possível é a promoção de comunidades de aprendizagem, nas quais a interação ocorre entre docentes e estudantes, entre colegas, e entre docentes, estabelecendo uma rede colaborativa de troca de saberes. Como bem afirma Galeffi (2001, p. 23), é preciso “potencializar a educação humana do sujeito social autônomo e inventivo”.

Percebe-se, nesse contexto, a necessidade de mudança de mentalidade do modelo de educação predominante em alguns países de ensino tradicional, que na ótica de Freire (2007, p. 38), tem foco na pedagogia da transmissão, na qual “o professor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes. O educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador”. Lévy (1999) corrobora com Freire, quando afirma que a escola pouco mudou nos últimos cinco mil anos, ou seja, ainda se baseia quase unicamente no ditar do mestre.

Não é a modalidade do ensino, portanto, que determina a efetividade do aprendizado. A educação, seja presencial ou a distância, deve propiciar ao estudante, dentre outras coisas, alguns aspectos fundamentais para sua formação como cidadão, tais como: consciência crítica, criativa e participativa; formação sólida que permita apreender conteúdos, que fundamente a análise e interpretação da realidade; e, vinculação da teoria com a prática, contextualizada nos aspectos social, econômico, político e cultural. Dessa forma, a relação entre o docente, na condição de educador, e o estudante, deveria ser de trocas e interações, tendo como objetivo o crescimento conjunto, não desconsiderando o aprendizado individual. Como diz Galeffi (2001), é preciso trazer para a aprendizagem autônoma uma tensão educativa que se funda na ação aprendente, e com essa ação, ser desenvolvida uma atitude aprendente radical. Nessa relação, o docente desempenha um papel fundamental. A questão-

chave não reside em saber se a aprendizagem deve ou não conceder prioridade aos conteúdos, mas sim em assegurar que seja significativa.

Na maior parte dos projetos de cursos a distância, as pessoas envolvidas no planejamento do curso estão distribuídas geograficamente e nem sempre estão habituadas como o modo de trabalho a distância, trazendo mais complexidade a todas as atividades envolvidas, limitando muitas vezes a interação e restringindo as possibilidades de colaboração. O que entra em jogo aí é a relação dos sujeitos envolvidos nesse processo com a chamada cibercultura (LEVY, 1999; SILVA, 2002; LEMOS, 2008), e com essa todas as implicações sociocognitivas envolvidas, seja no âmbito do indivíduo ou do coletivo.

Do ponto de vista sociocultural, deve-se reconhecer que na formulação e implementação de cursos a distância é necessário levar em conta sua dimensão política (FACED, 2009). Mesmo que a vontade, a instalação física, a contratação de especialistas para essa ou aquela atividade, entre outros, sejam elementos importantes, não são suficientes. Então, as políticas públicas precisam ter coerência entre o que se requer e o que se tem, por meio do conhecimento da realidade na qual o processo formativo está inserido e de suas limitações e políticas claras traduzidas em planos e programas viáveis de fato. Logo, o sucesso de projetos dessa natureza depende também da concepção de planejamento e administração envolvida no processo (ELIASQUEVICI; PRADO JUNIOR, 2008).

Nesse contexto, duas questões são trazidas à reflexão, a cultura cibernética dos indivíduos (LEVY, 1999; MORIN, 2008) e a infraestrutura disponível a esses, como elementos que devem ser refletidos nos projetos desses cursos, embora não se deva restringir a esses, visto que mesmo a educação presencial tende a utilizar cada vez mais os recursos computacionais baseados na web, proporcionando o que se chama de aprendizagem ubíqua ou u-learning (RIOS et al., 2013).

Na visão de Almeida (2003), no tocante ao perfil cibercultural dos indivíduos, há que se destacar a necessidade de fluência computacional como pré-requisito para que eles possam desenvolver as atividades mediadas por recursos computacionais baseados na web. Ou seja, há uma correlação positiva que se estabelece entre a maior inclusão digital e a maior probabilidade de sucesso da educação a distância, baseada na web. Todavia, é preciso antes demarcar a compreensão do que seja inclusão digital – não se trata, certamente, de apenas fornecer acesso aos artefatos e mídias computacionais; é, além disso, possibilitar que o indivíduo construa sua autonomia na manipulação desses artefatos e mídias, extraindo deles os benefícios desejados.

Retomando a questão da gestão de cursos a distância, é extremamente raro identificar diretrizes de gestão de projetos para esses cursos, nem tampouco preocupações a ela correlacionadas naqueles que formulam, gerem e executam tais projetos, o que aumenta o grau de imprevisibilidade dos mesmos. Retamal (2009) traz uma visão da gestão de cursos de educação a distância a partir dos fatores críticos de sucesso. A abordagem feita pela autora é influenciada pela sua formação em administração e, consequentemente, dá bastante ênfase aos aspectos atrelados aos custos, à infraestrutura (local e on line), ao marketing (quando se trata de iniciativas privadas), dentre outros. Ao mencionar aspectos ligados às pessoas envolvidas (professores e estudantes), a autora traz à tona a questão da inclusão digital e cibercultura na gestão dos cursos a distância, como fatores críticos de sucesso vinculados ao processo de ensino-aprendizagem. Especificamente no que tange aos profissionais que atuam na docência ou na gestão dos cursos (objeto de interesse desta pesquisa), os achados de Retamal concentram-se no que se refere à experiência com a temática de cada curso, com educação a distância e com a capacitação de pessoal prévia para atuação nessa modalidade de ensino, bem como na delimitação de atribuições, similar ao procedimento comum encontrado nos diversos projetos desenvolvidos pela Universidade Aberta do Brasil (UAB).