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4.1 O MACROGÊNERO DISCURSIVO: TIPOLOGIA

4.1.2 A Topologia: Comunidade, Família, Macrogênero, Gênero, Micro-

Com a tipologia caracterizada e apresentada na Figura 14, podemos situar o Drama Norte-rio-grandense entre outras tradições orais do RN. Propomos esse sis- tema como um sistema que tem metaestabilidade e ao mesmo tempo flexibilidade suficiente para dar conta das inovações e da grande quantidade de variações des- ses fenômenos. Com essa sistematização, pretendemos contribuir com os estudos sobre gêneros discursivos, principalmente no que concerne às tradições orais, como ferramenta para ensino e pesquisa, pela metaestabilidade do nosso modelo, como apontam Martin e Rose (2008):

Neste fluxo, a chave para entender gênero e mudança é a metaestabilidade. Como sistema, o gênero funciona como um tipo de inércia; estabiliza a vida social ao ponto onde temos tempo de aprender como as coisas se proces- sam e negociar nosso repertório ao longo de algumas décadas com pesso- as queridas. Como processo, o gênero permite mudanças graduais, con- forme os textos se desdobram tanto em relação ao material recorrente e di- vergente quanto às condições sociais; enquanto a divergência torna a se suceder, as configurações inovadoras de significados se estabilizam, e no- vos textos se tornam gêneros familiares. [...] A chave para modelar a mu- dança é fixar o gênero de tal maneira que determine familiaridade (para que saibamos de onde viemos) ao mesmo tempo facilitando inovação (para que saibamos para onde estamos indo) (MARTIN; ROSE, 2008, p. 259).81

Propomos, a partir dessas considerações, o sistema apresentado na Figura 14, partindo do gênero Drama Norte-rio-grandense, composto de 5 gêneros que identificamos como: Elogios, Reclamações, Anedotas, Exemplos e Narrativas. Te- mos consciência de que podem existir outros tipos não discutidos neste trabalho e que seriam de fácil inserção nesse sistema por qualquer pesquisador, uma vez loca- lizados e analisados, a partir dos padrões recorrentes de estágios, fases e avalia- ções, entre outras características dos sistemas semântico-discursivos.

Pela lógica da nossa configuração topológica, o Drama Norte-rio-grandense faz parte da Família que denominamos Brincadeiras/Teatro da Rua. Preferimos a

81―In this flux, the key to understanding genre and change is metastability. As system, genre functions

as a kind of inertia; it stabilizes social life to the point where we have time to learn how things are done and negotiate our repertoire for a few decades with significant others. As process, genre allows for gradual change, as texts unfold in relation to both recurrent and divergent material and social condi- tions; as divergence recurs, innovative configurations of meaning stabilize, and new texts become familiar genres […] The key to modeling change is setting genre up in such a way that it dictates famil- iarity (so we know where we are coming from) at the same time as enabling innovation (so we know where we are going)‖ (MARTIN; ROSE, 2008, p. 259).

denominação ‗Rua‘ em vez de ‗Popular‘, por ser a terminologia em circulação entre as brincantes. O termo Brincadeiras/Teatro de Rua pode servir à função de orientar comportamentos nas comunidades em que se inserem e não tem foco político espe- cífico, conscientemente dirigido, pois envolve a memória coletiva e a divulgação transmitida de uma geração para outra oralmente, mesmo que a própria seleção da memória, a qual é passada, implica uma posição política; e, como vimos, mesmo sendo ‗tradicionais‘ combinados com elementos de contemporaneidade, os dramas gozam de inovações que implicam posicionamentos ideológicos. O termo ‗Brincadei- ras‘ que utilizamos é baseado no uso da palavra ‗Brincadeiras‘ das próprias brincan- tes e tem aceitação em vários trabalhos recentes (GURGEL, 2006; FONSECA, 2008; dentre outros) referentes aos fenômenos enquadrados nessa classificação.

De todos os textos que coletamos, mesmo com elementos da contempora- neidade, nenhum tratava de temas políticos ou de política diretamente. Isso não quer dizer que não serve ou servia a uma função parecida com o Teatro Popular de refletir, comentar, orientar as ações de uma comunidade, mas de forma indireta pelo uso do riso como estratégia retórica.

A ‗Rua‘, aqui, significa fenômeno que surge em âmbitos semi ou não oficiais, outra diferença do Teatro denominado Popular na vertente política, e diferente do Popular na concepção folclórica de preservar o passado, ou mesmo de iniciativas governamentais de cultura, que transformam tais manifestações em bens para o tu- rismo. Tal dinâmica pode ser problemática, conforme Fonseca (2008), que destaca a exclusão do Drama Norte-rio-grandense em programas turísticos por não ser consi- derado ‗cultura‘ pelo fato de não ser suficientemente ‗folclórico‘, segundo o depoi- mento de uma brincante em Campo de Santana, na mesma região da Zona da Mata (FONSECA, 2008, p. 258).

Estendendo a concepção do agrupamento de fenômeno em zonas de rela- ções de Família, Macrogêneros, gêneros e Microgêneros, percebemos um agrupa- mento mais abstrato, além da Família no contexto do RN, justamente pela grande quantidade de manifestações e variações das tradições orais do Estado. Este nível se compõe de várias Famílias, por exemplo, a Família de Poesias Orais, manifesta- ções que Romero (1977) e Magalhães (1973) denominam ‗Poesia Popular‘. Deno- minamos essa zona mais abstrata como Comunidade de Estórias Orais, abarcando o total dos fenômenos da topologia.

Brincadeiras/Teatro de rua englobam manifestações que geralmente Cas-

cudo classifica como Literatura Oral (2001). Outra possibilidade de Famílias na Co-

munidade de Estórias Orais seria o termo Histórias Orais, adotado por Cascudo

(2004), composto, pelo menos, do Macrogênero da sua classificação ‗Contos Tradi- cionais‘. A Figura 14 representa num diagrama Euler (SHIN; OLIVER, 2008) os re- sultados desta análise que configura a topologia do Macrogênero do Drama Norte- rio-grandense e seus gêneros constituintes, situando-o no panorama de outros no RN. O sistema permite a inclusão em qualquer momento de uma quantidade grande de Famílias, Macrogêneros com seus gêneros e Microgêneros, característica da sua metaestabilidade por ser um sistema aberto. Como não faz parte do escopo deste trabalho, nem faz parte dos nossos objetivos, mapear ‗todas‘ as tradições orais do RN, as que estão representados na Figura 16 são indicações e representam uma porção mínima do total dos fenômenos que há nas tradições orais no RN.

Figura 16 – O sistema de gêneros na Comunidade de Estórias Orais: Família, Macrogêneros, Gêne- ros

O mapeamento dos Macrogêneros que identificamos na Família de Brinca-

deiras/Teatro de rua inclui o Drama Norte-rio-grandense e o drama circense; poderí-

amos contemplar também o João Redondo (mamulengo do RN) e os autos. Todavia, não está no escopo do nosso trabalho aprofundarmo-nos numa caracterização sis- temática desses gêneros. Como mencionamos, é possível a inclusão no sistema de outros Macrogêneros tanto quanto de outras famílias na Comunidade de Estórias

Orais, por exemplo, a inclusão de uma Família de Cantos Religiosos, em que é pos-

sível agrupar o Macrogênero ―benditos‖, classificado por Sá Jr. (2012). Nesta topolo- gia, isolamos os Macrogêneros na Família de Brincadeiras/Teatro de Rua e os ma- peamos num contínuo entre dois eixos que opõem oralidade e escrita e encenações coletivas e declamações individuais. Podemos situar o drama circense no polo mais próximo à escrita, sendo encenações de literatura de cordel (VIEIRA DE MELO, 2012), e o drama norte rio-grandense mais próximo ao polo de oralidade, pela au- sência de interação com escrita82, conforme ilustra a Figura 17.

Figura 17 – Topologia de Macrogêneros na Família de Brincadeiras/Teatro de Rua

Fonte: dados da nossa pesquisa; adaptado do modelo de MARTIN; ROSE (2008, p.133)

Este modelo se torna útil para agrupamentos e pode servir a fins acadêmi- cos para ensino e pesquisa, uma vez que a interação entre os modos oral e escrito é

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Com várias tradições orais, existem ‗cadernos‘, por exemplo os benditos (SÁ JUNIOR, 2012), nos quais as participantes escrevem os exemplares, mas não é o caso dos que coletamos. Porém, no decorrer de pesquisa, nossa informante em Pium começou a escrever os dramas para preparar um livro com a intenção de publicá-lo; contudo, para tristeza de todos, faleceu antes de realizar esse sonho. Pretendemos dar continuidade a essa intenção com uma edição bilíngue, inglês/português, dos dramas coletados.

central para a nossa compreensão da linguagem, mesmo das tradições que são primariamente orais e os gêneros discursivos que observamos e que propomos utili- zar, ensinar e pesquisar. Desta forma, não seria necessário excluir fenômenos que não se encaixam numa classificação taxonômica rígida, que exibem uma mescla de características da oralidade e da escrita, o que possibilita a inclusão de uma quanti- dade grande de variantes a ser mapeada num contínuo entre dois polos, abarcando assim uma gama ampliada de fenômenos de tradições orais.

Por último, otimizando esse modelo, como resultado da nossa investigação de relações de poder, mapeamos os exemplares num contínuo entre voz individual e voz coletiva e poder diminuído e acentuado. Baseamos a análise das relações de poder em quem inicia os turnos e o poder foi dividido entre os gêneros sociais – mu- lheres e homens.

Nessa configuração, opomos poder pela perspectiva feminina, isto é, inseri- mos as Narrativas nas quais as mulheres iniciam trocas com mais frequência na re- gião de mais poder e inserimos aquelas em que elas iniciam trocas com menos fre- quência, na região de menos poder.

Percebe-se que a maioria se situa na região de menos poder feminino, e das que estão situadas na região de mais poder constam fins trágicos. O pretendente da maxixeira (mulher que dança Maxixe) morre pelo prazer de vê-la dançar – o poder de tirar a vida –, mas que também entendemos metaforicamente como a culminação do prazer sexual, ou seja, o orgasmo. Historicamente, o Maxixe está associado com a primeira regente feminina da orquestra brasileira, Chiquinha Gonzaga, que foi uma das mais famosas compositoras de Maxixes em todos os tempos no Brasil; além disso, a dança foi proibida por um tempo por ser provocadora. Por outro lado, temos D. Jorge, que morre envenenado como punição da sua traição a Juliana; e as sedu- ções da Dona Senhora do pescador são refutadas, e ela é rejeitada. O único drama analisado que divide o poder igualmente entre os gêneros sociais e a voz coletiva e individual é Firmina e Manuel e é o único com um final feliz, Equilíbrio e abundância em todas as esferas do individual na sociedade: solidariedade com a comunidade (―todos são convidados ao casamento de nós dois‖); abundância de recursos de so- brevivência numa fartura de comida (muitas galinhas assadas, peru gordo e arroz); uma lua de mel (realização do desejo sexual); estabelecimento de um lar familiar

caracterizado por ternura (―lá em nossa casinha‖); e, por fim, a união do feminino e do masculino.

Figura 18 – Topologia das Narrativas a respeito do poder feminino

Fonte: dados de nossa pesquisa.

Esses agrupamentos topológicos, dos exemplares do tipo Narrativa do Dra- ma Norte-rio-grandense pelos recursos semântico-discursivos servem para apoiar nossa caracterização do Macrogênero Drama Norte-rio-grandense pela análise do Sistema de Avaliatividade (MARTIN; WHITE, 2005) e as trocas de fala, com base no Sistema de Negociação (MARTIN; ROSE, 2007).