Os procedimentos da análise na classificação de gênero discursivo requerem uma descrição da tipologia e topologia do fenômeno (MARTIN; ROSE, 2008). Para desvelar/evidenciar relações de poder/solidariedade e representações do feminino, foi feita a investigação no sistema de Avaliatividade e no sistema de Negociação. A seguir apresentamos esses procedimentos em duas seções que compreendem: (1) a caracterização topológica e tipológica; e (2) a identificação de papéis pelos sistemas de Avaliatividade e de Negociação.
3.2.1 Caracterização topológica e tipológica do Macrogênero Drama Norte-rio- grandense
Os procedimentos para caracterizar o Macrogênero Drama Norte-rio- grandense partiram da tipologia, começando com a identificação dos estágios e fa- ses, os limites dos quais sendo indicados pelos atributos semânticos e a lexicogra- mática que os realiza (MARTIN; ROSE, 2008; HASAN, 1996) em cada exemplar e a categorização dos exemplares através destes padrões recorrentes (Anexo 5 o ma- peamento dos 11 textos do tipo Narrativa e um anedota). Identificamos, a partir da análise de cada exemplar, as fases de discurso (a partir das suas funções no discur- so) dentro dos estágios (a partir das macrofunções no discurso). Comparamos esses padrões com os de Martin e Rose (2008) na Família de Estórias. O Quadro 9, na página 135, exemplifica esse procedimento.
Percebemos padrões que compartilham das características que Martin e Rose (2008) observam no seu sistema de tipologia de Estórias, então emprestando tal modelo, elaboramos um sistema com os mesmos pontos de entrada, porém, no tipo observação, identificamos um subtipo que não foi observado no sistema de Mar- tin e Rose (2008, p. 81) e o adicionamos como característico deste fenômeno, re- presentado num fluxograma (descrição completa no capítulo 4, Análise de dados e resultados).
Num segundo momento, elaboramos uma topologia em três níveis de foco para situar o fenômeno dentro de outros semelhantes na grande quantidade de fe- nômenos da tradição oral no RN. Partimos de um sistema de agrupamentos da prá- tica social envolvendo as brincantes, a plateia e as encenações, e os agrupamos através das suas semelhanças representando-os num diagrama Euler (SHIN, 2008). Diminuindo o zoom um nível, a seguir, mapeamos uma topologia dos Macrogêneros num contínuo entre dois eixos cujos polos constam oral/escrito e declama- do/encenado, representados visualmente no modelo topológico de Martin e Rose (2008, p. 133). Por fim, utilizando esse mesmo modelo, reduzindo ainda mais o es- copo, mapeamos a topologia dos exemplares em dois eixos entre os polos: a voz individual e a voz coletiva; poder acentuado e poder diminuído.
Quadro 9 - Estrutura Esquemática do drama Firmina e Manuel
TEXTO ESTÁGIO FASE ATRIBUTO
SEMÂNTICO
LEXICOGRAMÁTICA QUE REALIZA AS
PROPRIEDADES SEMÂNTICOS Boa noite querida
Firmina
Uma história vou te dizer
(INTRODUÇÃO) cenário/evento Particularidade
grupo nominal: noi- te/Firmina
processo verbal: dizer
Tem uma coisa frivian- do no meu peito Que faz meu juízo arder
COMPLICAÇÃO 1 problema Ruptura processos: existencial e material -- tem, frivi- ando, faz, arder Manuel isso é arte da
doença
Manoel tome um pur- gante
pseudossolu- ção (equivoco)
processo relacional: é; grupo nominal: arte da doença; processo material – tome; grupo nominal – um purgan- te
Já que tu melhora da barriga
Homem besta ignoran- te
AVALIAÇÃO 1 comentário Posicionar xingamento: homem besta ignorante
Firmina, amor dos homens
Não nasce pela barriga Nasce é do coração.
COMPLICAÇÃO 2 problema reação/ Ruptura
declarativo negativo com um processo existencial: não nasce; e com grupo nominal amor dos homens; processo existen- cial...não nasce Você está desentendi-
da. AVALIAÇÃO 2 comentário Posicionar processo relacional Manoel deixe do teu
enxerimento
Que ainda não cruze- mos as mãos
Deixa isso pra depois Quando o padre botar as santas benção
COMPLICAÇÃO 3 problema reação/
Agora estão todos convidados pra o casamento de nós dois
Tem muitas galinhas assadas,
peru gordo com arroz
RESOLUÇÃO DE 2
E 3 solução Equilíbrio
processo relacional: estão convidados; nominalização do processo casar; ca- samento: grupos no- minais: muitas gali- nhas, peru gordo com arroz
processos relacional e material na terceira pessoa plural: vamos passar; grupo nomi- nal: lua de mal Agora estamos casa-
dos
Vamos passar a lua de mel
Lá em nossa casinha
RESOLUÇÃO DE 1 solução Equilíbrio
Firmina e Manuel (DESFECHO) volta ao cenário Reflexão nomes próprios Fonte: dados da nossa pesquisa; MARTIN; ROSE (2008) e HASAN (1996).
Os procedimentos analíticos para a Avaliatividade incluem a identificação do item avaliativo, o avaliador, o tipo de Atitude, a polaridade e além disso, podemos indicar graus de gradação, ou intensidade do item avaliativo, bem como as fontes – monoglossia/heteroglossia – quando as apresentaram de forma marcante e na me- dida em que tiveram efeito nos significados relacionados ao subsistema de Atitude (MARTIN; WHITE, 2005). Assim, observamos padrões na linguagem avaliativa que contribui à caracterização do gênero.
Pelo sistema de Negociação, mapeamos os turnos nas funções da fala para determinar quem inicia a comunicação e que tipo de troca está sendo realizada na comunicação, se de informações ou bens e serviços, e o papel de cada um na transação. Quantificamos a frequência de ocorrências desses itens, para contribuir com a caracterização do gênero.
3.2.2 Identificação de papéis pelos sistemas de Avaliatividade e de Negociação
Para identificar os papéis pelo sistema de Avaliatividade, mapeamos as ocorrências da linguagem avaliativa, dentro do subsistema de Atitude, nos tipos, Apreciação, Julgamento e Afeto. Seguimos os procedimentos de Carvalho (2011) que, por sua vez, os adaptou de Eggins e Slade (1997, p. 137-140), os quais são:
(1) identificar os índices de Atitude e o que é avaliado;
(2) classificá-los de acordo com o tipo de realização (inscrita ou evoca- da), com as categorias de Afeto, Apreciação e Julgamento e seus respectivos subtipos e a polaridade (positiva ou negativa);
(3) organizar a incidência dos diferentes tipos de Atitude; (4) interpretar os dados (CARVALHO, 2011, p.122).
Organizamos os dados em quadros (Anexo 2) no modelo de Bednarek (2010) com: texto, item avaliativo, avaliador, entidade avaliada, padrão avaliativo/tipo de emoção, tipo de Atitude – explícito/inscrito ou implícito/evocado – e a polaridade – positiva ou negativa. Indicamos instâncias de gradação e heteroglossia, e se o uso desses recursos foi marcante. O Quadro 10 apresenta um exemplo dessa organiza- ção.
Quadro 10 – Dados do Sistema de Avaliatividade (Maxixe) TEXTO (ORA- ÇÃO) ITEM AVALIATI- VO AVALIA- DOR ENTIDA- DE AVA- LIADA PADRÃO AVALIATIVO/ TIPO DE EMOÇÃO TIPO DE ATITU- DE EXPL/INS C IMPL/EV +/ - Meu pai era maxi- xeiro; uma he- rança ele me deixou
herança maxixeira maxixe estet soc val ap imp/ev +
Essa parte do maxixe, não sei quem a inventou
inventou maxixeira parte to maxixe (requebra) estet soc comp/comple x ap imp/ev ? Ai Maxixe, O Maxixe se reque- bra assim
Ai...Maxixe maxixeira maxixe fel/alegria emot af expl/ins + Ai quem é
que não gostará de mim
não gostará maxixeira
quem maxixeira emot fel/afeiç estim soc cap af/julg expl/ins + Eu gosta- va de um rapaz, com ele eu ia ca- sar
gostava maxixeira rapaz fel/afeiç emot af expl/insc +
Coitadinho ele morreu com pra- zer de me ver dançar Coitadinho... prazer maxixeira rapaz dança estim soc norm (sem sorte) reaç/imp estet soc qual julg/ap expl/ins impl/ev - + + Ai maxixe, O Maxixe se reque- bra assim
Ai...Maxixe maxixeira maxixe reaç/impacto est soc ap expl/ins + Ai quem é
que não gostará de mim
Ai...quem
não gostará maxixeira quem fel/afeiç emot af/julg expl/ins + Fonte: dados da nossa pesquisa; MARTIN; WHITE (2005); BEDNAREK, (2010)
Em seguida, quantificamos as ocorrências em geral e depois por gênero so- cial, para comparar frequências e tipos de Atitude de polaridade positivos e negati- vos entre homens e mulheres e distribuímos esses dados num gráfico de barras pa- ra representá-los visualmente. Quantificamos percentagens de frequências de tipos de avaliações a respeito de oito entidades avaliadas com mais frequência. Esses
dados nos forneceram um retrato de quem avaliou quais entidades e com qual fre- quência, negativamente ou positivamente. O próximo passo foi o de interpretar os dados.
Similarmente, identificamos e quantificamos as trocas de fala, a frequência de ocorrências de iniciar/responder aos turnos, e os tipos de atos de fala, pelo sis- tema de Negociação. Organizamos esses itens em quadros (Anexo 4). Apresenta- mos, no Quadro 11, um exemplo da organização da identificação desses itens.
Quadro 11 – Dados do Sistema de Negociação (Manezinho e Mariquinha)
TEXTO QUEM NEG. INFO BS DAR (D) PEDIR (P) INICIAR IN RESPONDER RES ATO DE FALA (+/-) Manezinho, vamu embora pro alto
do sertão, MAN INFO P (1) MAR IN COM
Não estou muito vexada, nem
também tô me vexando MAR INFO D MAN RES
REJEI- ÇÃO INDIRETA Eu estou apaixonado e com ou-
tras namorando MAR INFO D MAN IN AFIRM
Veja lá este enxerido como quem
entrar na peia MAN INFO D MAR IN AFIRM
Tu vigia o pai da moça que te
bote na cadeia MAN SER P MAR IN COM
A cadeia é muito boa quando é
hora de leis MAN INFO D
IN
MAR AFIRM
Vou findar é te deixando e me
casando outra vez MAN INFO D MAR IN AMEAÇA
Já te passo esse cacete, já te
quebro tua pança MAN INFO D MAR IN AMEAÇA
Ou você abaixe esse fogo ou saia
de dentro dessa dança MAN SER P MAR IN AMEAÇA
Mariquinha sendo assim,vamu
plantar algodão MAR SER D
RES (1)
MAN CUMP
A cidade já tá cheia de um tal de
avião MAR . INFO D MAN IN AFIRM
Fonte: dados da nossa pesquisa.