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4.4 SÍNTESE DA ANÁLISE

4.4.1 O Macrogênero Drama Norte-Rio-Grandense e seus gêneros

O fenômeno que encontramos nas duas comunidades, antigas vilas de pescadores no litoral sul do RN – Pium, no município de Parnamirim, a 20 km da capital, Natal, e o município de SGAV, a 55 km de Natal – que as brincantes (praticantes desta prática social) chamam de dramas, levou-nos diretamente à produção do romance da Península Ibérica medieval, pelos muitos estudos comparativos e diacrônicos por folcloristas, principalmente os estudos do próprio natalense, o prolífico, Cascudo. Estes estudos mencionam uma ‗produção paralela ao romance‘ que é conhecida por ‗dramas‘ (CASCUDO, 2001; GALVÃO, 1993; ROMERO, 1977) e ‗dramas‘ e ‗teatrinho‘ (GURGEL, 1999; FONSECA, 2008). Porém nenhum destes estudos analisa de moda abrangente ou registram esta produção ‗puramente brasileira‘.

Propusemo-nos a caracterizar o gênero discursivo, investigar os papéis interpessoais das mulheres no discurso para compreender as negociações de poder entre mulheres e homens neste contexto, as representações femininas além da função do discurso na comunidade.

Para atingir esses objetivos, escolhemos uma abordagem qualiquantitativa pelos benefícios que esta abordagem mista pode proporcionar, inclusive ―um maior nível de credibilidade e validade, evitando-se assim, o reducionismo por uma só op- ção de análise‖ (DUFFY, 1987, p.130-133). Além disso, empregamos ferramentas etnográficas na coleta de dados que foram recolhidos em campo, em gravações de áudio e vídeo, no decorrer dos anos de 2009 a 2011, em entrevistas semiestrutura- das, eventos e ensaios nas casas das brincantes e no Centro Social Mário de Me-

deiros em Pium. Foram recolhidos 21 dramas. Para a quantificação, utilizamos o ins- trumento computacional WordSmith Tools 5.0 (SCOTT, 2010). Mesmo sendo um evento performático e discursivo, para nossos fins, nossa investigação se limitou ao material linguístico. Há uma grande flexibilidade na ordem da apresentação desses gêneros, sendo determinada por variáveis performáticas: o tempo alocado para a apresentação, o tipo do evento no qual seriam apresentados, a plateia, o próprio es- paço, dentre outros. Dentro do Macrogênero, o gênero Narrativo, que é o foco da nossa pesquisa, se caracteriza por incluir os estágios obrigatórios de Complicação, Avaliação e Resolução, isto é, há uma ruptura que é avaliada e então resolvida. Por exemplo, Manuel ama Firmina (Complicação: ―tem uma coisa friviando no meu peito

que faz meu juiz arder‖), Firmina avalia essa situação (Avaliação: ―Manoel deixe do

teu enxerimento/ que ainda não cruzemos as mãos/ Deixa isso pra depois,/ quando o padre botar as santas benção‖). Finalmente se casam (Resolução: ―Agora estamos

casados/Vamos passar a lua de mel,/Lá em nossa casinha/ Firmina e Manoel”).

As narrativas do drama caracterizam-se também por incluir, além das fases que Martin e Rose (2008) observaram, as fases de pseudossolução, para as quais observamos seis tipos:

Ameaça Impossibilidade Equívoco Promessa Rejeição indireta Inversão

Além desta fase, os textos dos dramas analisados se caracterizam pela fase de volta ao cenário, ou com a mera repetição de uma frase inicial, como um meca- nismo retórico de uma canção que repete um refrão, com a diferença de que os sig- nificados se transformam no decorrer da narrativa, o que não necessariamente ocor- re numa canção; ou pela volta ao cenário evocar os participantes e o contexto no estágio da introdução.

A primeira etapa foi caracterizar os textos a partir da identificação de estágios e fases de acordo com os métodos de Martin e Rose (2008). Esse método parte de uma perspectiva estratificada da língua, relacionada ao contexto social em termos de realizações: contexto de cultura, contexto de situação e texto em contexto (MARTIN; ROSE, 2008, p.10); e sociossemiótica a respeito de cultura, que definimos como ―um conjunto de sistemas semióticos, um conjunto de sistemas de significados, que se inter-relacionam‖ (HALLIDAY; HASAN, 1989, p. 4). Tomando essa definição e a perspectiva da relação dialética dos estratos da língua no seu contexto social, entendemos o ‗Macrogênero‘ como no contexto da cultura, uma prática social composta por vários gêneros interdependentes (MARTIN, 2012) e, por gênero, ―um processo social, que se desdobra em estágios para atingir metas‖ (MARTIN; ROSE, 2008, p. 6).

Uma vez que identificamos a estrutura esquemática de cada exemplar pela identificação de estágios e fases, analisamos esses resultados e reconhecemos padrões correspondentes aos padrões de alguns gêneros na Família de Estórias elaborada por Martin e Rose (2008), porém com várias diferenças. Para organizar e caracterizar esses gêneros, adotamos o modelo da tipologia de Martin e Rose (2008), que elaboram um sistema que opõe ‗texturas‘ marcantes dos textos como entradas para configurar uma taxonomia tipológica. Pelas semelhanças, escolhemos as mesmas ‗texturas‘ como entradas para textualidade e temporalidade, isto é, os textos que se estruturam a partir de uma organização retórica ou sequencial pelo tempo, e identificamos cinco tipos de gêneros no conjunto dos exemplares representado visualmente na forma de um fluxograma (Figura 13).

Percebemos que esses cinco gêneros compõem o Macrogênero que denominamos Drama Norte-rio-grandense, adotando o termo que circula entre as brincantes. Como outra parte da caracterização do gênero, elaboramos uma topologia do Macrogênero dentro de outros Macrogêneros possíveis num agrupamento da Família de Brincadeiras/Teatro de rua que pertence ao agrupamento maior que denominamos Comunidade de Estórias Orais, novamente apoiados na terminologia pelos termos em circulação nas comunidades de fala onde a prática se insere, e pelos folcloristas e etnógrafos de tradições orais. Representamos essa topologia visualmente num diagrama Euler (Figura 14). Em

adição, mais duas topologias foram elaboradas para mapear a relação do Drama Norte-rio-grandense entre outros (nesse caso o drama circense) num contínuo em dois eixos entre as características de oralidade/escrita e declamado- individual/encenado-coletivo (Figura 15) que se situa pelo lado de oralidade e encenado/coletivo. A terceira topologia mapeia os exemplares em relação ao poder feminino (medido por frequências de iniciar turnos no sistema de Negociação), intensificado e reduzido, e voz individual e coletiva (Figura 16). Observamos a maioria no polo reduzido, sugerindo maior poder para os homens neste discurso em relação ao sistema de Negociação e com um único exemplar, Firmina e Manuel, situando-se exatamente no equilíbrio entre os dois.

Como vimos na seção 4.4.1, esta pesquisa adota uma abordagem qualiquantitativa. Quantificamos recursos semântico-discursivos nos sistemas de Avaliatividade, no subsistema de Atitude, isto é, avaliações dos tipos: Apreciação (valor das coisas), Julgamento (comportamentos) e Afeto (emoções), bem como no sistema de Negociação – turnos e tipos de ato de fala do gênero Narrativa no Macrogênero Drama Norte-rio-grandense. A partir dessa quantificação, os padrões observados nesses sistemas foram utilizados para auxiliar na caracterização do gênero Narrativa e estabelecer reflexões sobre a caracterização dos outros quatro. Por exemplo, uma característica do gênero reclamações é um índice alto de avaliações negativas e proibições. Nesta seção, discutimos esses resultados e sua relevância no discurso a respeito do papel da mulher no discurso do gênero Narrativa do Drama Norte-rio-grandense em geral, depois tratamos o caso especial do exemplar Juliana e D. Jorge e Seu Gonçalo.