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2.1 A LINGUAGEM PELA PERSPECTIVA SISTÊMICO-FUNCIONAL

2.1.1 Estratificação

2.1.1.1 O estrato semântico-discursivo

2.1.1.1.2 O sistema de Negociação

O sistema de Negociação trata das trocas entre falantes, como falantes ado- tam e designam papéis uns aos outros em diálogos e como os turnos44 estão orga- nizados (MARTIN; ROSE, 2007, p. 219). Martin e Rose (2007) indicam que o siste- ma de Negociação se estrutura a partir da troca, de dar ou pedir informações, bens e serviços. Pelo sistema, são estabelecidas quatro funções de fala para iniciar uma troca gerando os atos de fala. Um falante pode dar informação na forma de uma afirmação, ou pedir informação na forma de uma pergunta. Da mesma forma, um falante pode oferecer bens e serviços na forma de uma oferta, ou pedir bens e servi- ços na forma de um comando. Para realizar a troca é necessário que haja uma res- posta: um falante pode reconhecer uma afirmação, responder a uma pergunta, acei- tar uma oferta, e cumprir um comando. Além desses oito atos de fala que corres- pondem às negociações, há outras funções de fala que geram atos de fala corres- pondentes; somente a autoexpressão que gera uma exclamação não gera trocas. Em trocas que envolvem outros, mas não há negociação, ou seja, a comunicação se dirige ao outro para atender, esse atendimento pode ser para saudar, ou chamar, gerando os atos de fala de saudação, chamada, e suas respostas. A Figura 8 resu- me esse sistema.

44Entendemos por ‗turno‘, uma oração nivelável, ranking clause, e entendemos ‗trocas‘, exchanges,

por uma ―sequência de turnos‖ (MARTIN; ROSE, 2007, p. 218, 234); sendo ‗turno‘ a tradução de moves.

Figura 8 – Sistema de trocas e atos de fala Atos de Fala auto expres- são exclamação saudação iniciar saudação resposta à sau- dação responder

chamar iniciar chamada

responder resposta à

chamada

dirigir ao

outro informação

dando iniciar afirmação

responder reconhecimento negociar

pedindo iniciar interrogação

responder resposta dando iniciar oferta

responder aceitação bens e serviços iniciar comando

responder cumplicidade Fonte: traduzido e adaptado de MARTIN; ROSE (2007, p. 226)

Em trocas de informação, os falantes são denominados Conhecedor 1 e Co- nhecedor 2 (C1 e C2-receptor da informação) e para trocas de bens e serviços, Ator 1 e Ator 2 (A1 e A2-beneficiário da ação). Embora uma troca possa ter mais de um movimento, há só um movimento obrigatório para realizar o turno.

Os autores então classificam 13 atos de fala: exclamação, saudação, res- posta à saudação, chamada, resposta à chamada, afirmação, reconhecimento, per- gunta, resposta, oferta, aceitação comando e cumplicidade (MARTIN; ROSE, 2007, p. 226).

Num ato de comunicação, existe também a possibilidade de turnos que inter- rompem a realização de uma troca. Para uma resposta, o falante pode ser cúmplice (c), realizando a troca, ou pode desafiar (d), interrompendo a troca. Há também a possibilidade de o falante responder ao desafio (rs). Há outro movimento que serve para retardar (rt) o turno obrigatório no qual o turno seja realizado. Trocas podem incluir um turno no qual o falante quer esclarecer algo, traçando o que foi falado (e) (MARTIN; ROSE, 2007, p. 236-244).

Resumindo, a estrutura potencial de trocas de ação (bens e serviços) se configura da seguinte maneira: ((dA1)^A2)^A1^(A2e^(A2e)). Ao passo que a estrutu-

pedindo saudar

ra potencial de trocas de informação apresenta a seguinte caracterização: ((dC1)^C2)^C1^(C2e^(C2e)).

Dessa maneira, uma rede de opções de escolhas é formada; temos um re- curso com três sistemas que se entrecruzam e tratam de: 1) como a troca é iniciada; 2) se a troca é de ação (bens e serviços) ou conhecimento (informação); 3) se turnos dão seguimentos a outros turnos (MARTIN; ROSE, 2007, p. 240); os quais apresen- tamos na Figura 9 .

Figura 9 – Sistema de Negociação para estruturas de trocas

Fonte: adaptado de MARTIN; ROSE (2007, p. 240)

Por último, uma consideração importante na análise de Negociação trata das realizações gramaticais usadas para empregar esses atos de fala. Em geral, utiliza- mos, como na língua inglesa, ―declarativos para fazer afirmações, interrogativos para perguntar e fazer pedidos, e imperativos para dar comandos‖ (MARTIN; ROSE, 2007, p. 229). Os autores apontam, porém, que às vezes podemos utilizar realiza- ções gramaticais alternativas, dependendo das exigências da situação ou a cultura do contexto. Por exemplo, na língua portuguesa, no RN, o uso do modo imperativo para pedir é muito comum em trocas de fala nas padarias, nas feiras, nas quitandas, ou outros interações comerciais. Um exemplo desse tipo de troca, no Drama Mari-

conhecedor principal/iniciado por ator

antecipar turno nuclear A1/rC1^A2/C2^A1/C1

conhecedor secundário/ator dar seguimento

sem seguimento

conhecedor secundário/iniciado por ator A2/C2^A1/C1

desempenhar turno nuclear A1/C1

conhecedor principal/seguimento do ator/A1/C1Â2/C2 ação

sem seguimento conhecimento

cumprimento imediato

cumprimento esperado verbalização obrigatória, ação opcional ação obrigatória, verbalização opcional

quinha e Manuel, fica evidente quando Mariquinha faz um convite na forma de um

comando, utilizando o modo imperativo:

Manezinho, vamu embora pro alto do sertão

O imperativo nesse caso estabelece o tom das trocas, que no decorrer do texto se intensificam, com Mariquinha empregando o modo imperativo em graus de intensidade crescente numa série de ameaças a Manezinho, que não tem pressa de sair da cidade por estar ‗apaixonado‘ e ‗com outras namorando‘. A força do modo imperativo eventualmente convence e Manezinho concorda em voltar para o sertão. Identificar essas alternativas nos permite perceber como falantes se posicionam em relação ao outro e o status e autoridade que atribuem a si mesmos, ―construindo ti- pos diferentes de relações sociais entre falantes, abrindo mais possibilidades de ne- gociar status‖45 (MARTIN; ROSE, 2007, p. 230).

Outra consideração importante na análise das trocas de fala é a questão de realizações gramaticais explícitas e implícitas. Martin e Rose (2007) sinalizam que Halliday e Matthiessen (2004) designam realizações diretas como ―congruentes e as indiretas como metafóricas – pelo fato que o que vemos é uma dimensão do que eles denominam metáfora gramatical, metáfora interpessoal em específico‖46 (MAR- TIN; ROSE, 2007 p. 230). Essas metáforas gramaticais seriam importantes por esta- belecer posicionamentos de poder, nesse contexto, pelo alto índice de realizações indiretas. Por exemplo, a repetição da afirmação da moça indígena tapuia, ―sabes

cariri e a pobre tapuia só come no caco e bebe na cuia‖, é uma resposta negativa às seduções do estrangeiro.

Ao analisar padrões de trocas, iniciar/responder, é essencial formar uma de- finição clara do que é uma ‗resposta‘, porque a questão de poder depende de quem está colocado ou se coloca no lugar de iniciar a fala ou responder. Portanto, preci- samos de critérios para decidir até que ponto um novo turno constitui uma resposta ao turno anterior, ou inicia um novo ato de fala. Martin e Rose (2007), partindo da GSF de Halliday e Matthiessen (2004), amarram sua definição de resposta no posi-

45

―[...] constructing a different kind of social relationship between speakers, opening u more possibili- ties for negotiating status‖ (MARTIN; ROSE, 2007 p. 230).

46 ―[...] realizations as congruent, and the indirect ones as metaphorical – since what we are looking at

here is one dimension of what they all grammatical metaphor, in particular interpersonal metaphor‖ (MARTIN; ROSE, 2007 p. 230).

cionamento do Sujeito (grupo nominal, sujeito da oração) e o Finito, (o processo ver- bal).

Na gramática funcional de Halliday, em inglês, essas duas funções oracio- nais [declarativa e interrogativa], repetíveis, são referidas como o Sujeito (você, tu) e o Finito (don’t).47 O Finito é a parte do grupo verbal que realiza

tempo (passado, presente, futuro), modalidade (probabilidade, frequência, obrigação, inclinação, habilidade) e polaridade (positivo, negativo). Em ora- ções declarativas, o Sujeito vem antes do Finito, enquanto na maioria das interrogativas o Finito vem antes do Sujeito48 (MARTIN; ROSE, 2007, p. 228).

Essa estratégia não é adequada para a língua portuguesa em que a posição do sujeito não define a diferenciação entre as funções oracionais declarativa e interrogativa, que é estabelecida pela entonação dada pelo falante, procedemos definindo uma resposta pelos seguintes critérios:

1. em realizações congruentes, quando as respostas fornecem informações correspondentes à interrogações de: o quê, quem, quando, por quê, como, e onde;

2. em realizações congruentes ou indiretas, nas quais os bens e serviços solicitados são manifestados (MARTIN; ROSE, 2007, p. 230).

Em realizações indiretas de informação nas quais uma proposta ou proposição termina sinalizada pelo término do discurso, silêncio, ou marcas linguísticas tais como advérbios de frequência, i.e., ‗Você vai casar de novo?‘ ‗Nunca!‘, a continuação do Sujeito ‗Eu?‘, ‗Você acha?‘ exemplifica a possibilidade de realizar uma função de fala, i.e. pedir informação, por um modo alternativo, em ‗atos de fala indiretos‘49 (MARTIN; ROSE, 2007, p. 229); nesse caso por uma interrogação em vez de um declarativo, que é o padrão congruente. Entendemos que ‗Eu?‘ significa não.

47 Verbo auxiliar para sinalizar o modo interrogativo que é usado na língua portuguesa,. 48

―In Halliday‘s functional Grammar of English these to repeatable clause functions are referred to as Subject (you) and Finite (don‘t). the Finite is that part of a verbal group that realizes tense (past, pre- sent, future), modality (probability, usuality, obligation, inclination, ability) and polarity (positive, nega- tive). In declarative clauses Subject comes before Finite, whereas in most interrogatives Finite comes before Subject‖ (MARTIN; ROSE, 2008, p. 228).

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